sábado, 3 de janeiro de 2009

Vicente Telles, cancioneiro do Contestado

Vicente Telles por Willy Zumblick.



Cidadão Catarinense. Assembléia Legislativa
(Florianópolis-SC), 18.10.2007.

Concentração em Taquaruçu (Fraiburgo-SC), meados da década de 1980.

Representação do combate de 1912 em Irani. Início da década de 1980.

Isabel Olímpia da Silva, mãe de Vicente,
filha de José Alves Perão e Júlia Olímpia da Silva.


Heleodoro Telles da Rocha, pai de Vicente, filho de
Alexandre Telles da Rocha e Erminda Fabrício das Neves.


Vicente Telles ensaia em sua residência no Irani.
No fundo os quadros dos avós maternos.


Túmulo da avó paterna de Vicente Telles
no Cemitério do Contestado (Irani-SC).


Alexandre Telles da Rocha, avô paterno de Vicente,
"coronel" que dava guarida às forças militares na região.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (32)

Júlio Olímpia da Silva e José Alves Perão (José Felisberto).

José Felisberto, combatente (4)

Terceira e última parte da entrevista com José da Silva Perão (Juca Perão), filho de José Alves Perão (José Felisberto) e de Júlia Olímpia da Silva. A entrevista foi feita no dia 22 de julho de 2007 na localidade de Jacutinga (Coronel Vivida-PR), onde os Perão se refugiaram das perseguições. Presentes Vicente Telles (sobrinho de Juca e neto do velho Perão) e o repórter-fotográfico Marco Cezar. Dona Sebastiana Perão participou.


Seu pai trabalhava com o que?

Juca – Ele sempre... o pai contava que ele só fazia revolução mesmo... O véio meu pai adorava revolução, hôme! Adorava mesmo. Depois, no ano 40, deu uns pé de revolução aqui, pois vê que ele veio lá do Irani e veio se meter aqui... Ele gostava, gostava disso, mesmo...

E o que houve aqui, o senhor lembra?

Juca - Não, não lembro. Mas ele depois, quando ele parava num lugar, ele fazia roça, plantava, plantava o que os filhos iam comer. Quando ele tava escondido, ele tava fazendo roça. Roçando, tal, né? Ele ainda conta que quando tava escondido nesses matão, quando era no inverno em tempo de pinhão, ele juntava bastante pinhão de dia, reunia bastante lenha, de noite faziam fogo e assavam bastante pinhão e quando acontecia de matar uma caça, então ele comia a caça assada com pinhão, dois, três dias assim... É melhor que carona, né. [...]

Sebastiana - Ele contava os causos dele e eu ouvia, porque eu costurava...

Juca - ...o assunto era só aquilo, não tinha outro assunto. Era só a briga...

[...]

Juca – Mas sempre do lado do fraco sempre tem, como se diz, uma guia, que nem o véio Perão contava [...] Deus ajuda, o Divino ajuda, já no Irani o véio meu pai contava e eu não cheguei a conhecer, uma veinha que durou 120 anos e não conheceu a luz do sol, era cega, era ceguinha, então eles não iam bater o combate sem í fala com... preguntá [a ela] o que ia acontecer. De hoje a 10 dias, 15 dias, ela contava hoje. “Não dá pra í ou dá”.

Qual o nome dela?

Juca – Guilhermina. Ela durou 120 anos.

Telles [ouviu falar dela].

Antes de ir a algum combate consultava?

Juca – É, ia lá consultava, se dava pra í ou não dava. Se não dava daí ela dizia ‘não vão’. Aí [...] mais dois, três dias, ia lá, ‘hoje dá pra í’ iam lá e sempre [vinham] feliz.

Telles – Sempre dava certo, tio Juca?

Juca – Sempre dava certo.

[...]

Seu pai participou da revolução de 23 no Rio Grande, contra o Borges de Medeiros?

Juca - Dessa eu não ouvi falar, mas provavelmente...

Porque o José Fabrício...

Juca ... era, era. Então ele ajudou...

Telles – O Assis Brasil. O senhor nunca ouviu falar em Assis Brasil?

Juca – Não, não me lembro...

[...]

O que ele falava da morte do José Fabrício?

Juca – Ah, ele sentia barbaridade. Nossa! Pra eles foi um..., né. Um homem daquele não podia morrer, né. Ele sempre falava...

Seu pai falava do Marcelino Ruas?

Juca - Desse não ouvi falar.

Em quantos irmãos vocês eram?

Juca – Em 14 irmãos, viemo tudo pro Paraná, vieram todos, uns casados, vieram na companhia dele. Quem era casado veio com tudo, esposa, filhos... Que nem esse genro do meu pai que veio na frente e comprou os terrenos, o Alípio Cordeiro, veio com a família. [...] Era casado com uma irmã minha.

[...]

Sebastiana – Falava do João Maria... Tem foto. [Dona Sebastiana se retira em busca da foto].

O que o seu pai falava do monge do Irani?

Juca – Ele falava que ele também era dos tal que sabia o dia que dava pra ir o dia que não dava, sem ele mandar não ia nenhum. É o que o meu pai falava.

Mas ele era conhecido do pessoal do Irani?

Juca – Era conhecido, era. Então o pessoal do lado dele tinham ele como meio santo, santo de uma vez, e os outros chamavam o monge, o monge.

Foto: Marco Cezar

[Dona Sebastiana mostra o quadro com uma foto de São João Maria que tem em casa. Diz: “Chamavam o monge para ele. Esse pra mim é mais que um santo. É quem cuida as águas pra gente.”]

Juca – As fontes onde o João Maria pousava e benzia... então até hoje o pessoal... cura, faz chá pra remédio das águas.

Sebastiana – E como eu rezo, tenho uma fé que nossa! Rezo as mesmas orações que rezo pros outros [santos], Ave Maria, Pai Nosso. Esse aí onde ele pousava ele benzia um ôio d’água daí ficava que um dia vai secá as água mesmo, né. Eu tenho ali encima e mandei fechar lá o olho d’água e mandei benzer e punhei a foto encima do meu ôio lá. Mas fizeram uma [bobagem] lá, botaram errado. Paguei e colocaram deitado, ao invés de botar assim de pezinho... Ele era de pé, não era sentado”.


Juca Perão (Coronel Vivida, 14.12.2007)


Comentários

Dona Sebastiana é uma profunda devota de São João Maria. Numa segunda visita ao casal, eu e o repórter-cinematográfico Marco Nascimento gravamos em vídeo cerca de duas horas de entrevista com José da Silva Perão (Juca Perão) e outra hora e meia com dona Sebastiana, a Vó Bástia. O material está sendo editado e deve ser divulgado até meados de 2009.

Vó Bástia fez importantes revelações envolvendo a religiosidade de São João Maria. Ela tem na memória uma oração passada pela citada Guilhermina a seu sogro José Alves Perão (José Felisberto) e que não pode ser rezada em voz alta. Quando chegar o momento certo, ela vai escolher alguém que possa decorar a oração e dar continuidade à mesma.

Com Juca Perão aprofundamos o perfil de seu pai e a diáspora dos antigos combatentes do Irani e do Contestado, rumo ao Paraná, sobretudo a região Sudoeste. É importante destacar que na entrevista que acaba de ser reproduzida quase na íntegra, estava à procura de informações sobre o personagem principal de minhas pesquisas – José Fabrício das Neves. Só depois desse encontro com os Perão em Coronel Vivida-PR é que consegui localizar os descendentes diretos de José Fabrício em Pinhão-PR. Por isso, na segunda entrevista com Juca Perão e dona Sebastiana, pude me aprofundar na saga dos Perão. Mas esse é tema para o vídeo-documentário.

Juca Perão e Marco Nascimento (Coronel Vivida-PR, 15.12.2007).

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Jornadas em Cachoeira do Sul-RS (1)

Com cerca de 90 mil habitantes e um dos municípios mais antigos do Rio Grande do Sul, Cachoeira do Sul é uma cidade acolhedora e agradável, cuja arquitetura lembra muito as de Laguna, Florianópolis e São Francisco do Sul (como veremos em postagens posteriores). Estivemos lá na primeira quinzena de dezembro (2008). Nos intervalos dos compromissos familiares foi possível obter alguns registros da região central e seus habitantes.


Vinícius Santos (12 anos), Anderson Machado (13) e
Ruan Pedro Soares (15), moradores de Cachoeira do Sul.


Praça Balthazar de Bem

Considerada a praça mais antiga da cidade, concentra em seus arredores a Catedral Nossa Senhora da Conceição, inaugurada em 1799, que é oficialmente monumento histórico tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico-Cultural (COMPAHC). Há também o edifício da Prefeitura Municipal, inaugurado em 1865 para sediar a Câmara, o Júri e a Cadeia, também tombado pelo COMPAHC (últimas três fotos).

Na parte central da praça está o Château d'Eau, inaugurado em 1925. Integrante do sistema de distribuição de água da segunda hidráulica construída na cidade, foi projetado pelos engenheiros Walter Jobim e Antônio de Siqueira. Guarnecido por estátuas de ninfas e de Netuno, o Château d’Eau é considerado o principal cartão-postal da cidade.

Encontram-se também na Praça Balthazar de Bem monumentos homenageando Antônio Vicente da Fontoura, importante vulto da Revolução Farroupilha, e Dr. Liberato Salzano Vieira da Cunha, Prefeito Municipal e Secretário da Educação do Estado do RS, falecido em acidente aviatório no ano de 1957. (Informações de Mirian Ritzel, setor de Cultura da Prefeitura Municipal de Cachoeira do Sul)










terça-feira, 30 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (31)

José Felisberto, combatente (3)

Juca Perão e sua esposa Sebastiana (Vó Bástia).
Coronel Vivida-PR, 14 de dezembro de 2007.

Segunda parte da entrevista com José da Silva Perão (Juca Perão), filho de José Alves Perão (José Felisberto) e de Júlia Olímpia da Silva. A conversa aconteceu no dia 22 de julho de 2007 na localidade de Jacutinga (Coronel Vivida-PR), onde os Perão se refugiaram das perseguições. Presentes eu, Vicente Telles (sobrinho de Juca e neto do velho Perão) e o repórter-fotográfico Marco Cezar.

O senhor disse há pouco que seu pai "não tirava o José Fabrício da boca”. O que ele falava de José Fabrício?

Juca – Ah! Dizia que sempre nos combate sempre iam juntos, porque eles eram companheiros, eu não lembro, mas só tinha que ser, né.

Telles – Era companheiro do José Fabrício?

Juca – É, claro, é.

Telles – Sempre foi?

Juca – Sempre foi, sempre foi.

Telles – Então ele fazia parte daquelas cavalhadas lá... [ver foto abaixo]

Juca – Era cavalhada, claro, claro!

Telles – Fabrício tinha um monte, tinha um exército de cavaleiros junto com ele.

Juca – Ihhh! É, é! José Fabrício! Ele não tirava da boca. Todo que [tinha contato] com a lida dele, Fabrício tava no meio.

O senhor se lembra das lutas de que seu pai participava junto com o José Fabrício, além do combate do Irani?

Juca – Não. E o Fabrício eu não cheguei a conhecer também. [...]

O seu pai também participou da revolução do Gumercindo no Rio Grande do Sul?

Juca – Não, que eu saiba não. Eu só sei lá do Irani.

E ele tinha quantos anos quando faleceu?

Juca – Ele estava beirando os 90 anos.

Então ele tinha idade para ter participado em 1893.

Juca – Essa foi bem antes do Irani?

Sim.

Juca – Ah! Então participaram, participaram... Eu não lembro que ele falasse nessa, né. Mas participou com certeza.

Ele é de Passo Fundo também, não?

Juca – É, ele é... não sei de que região, não lembro também, não lembro.

Vimos registros no cartório de Irani indicando o sobrenome dele como Perón, depois mudou para Perão...

Juca - ...só agora que estão operando com o ão, mas meu pai e outros irmão do pai são Perón.

[...]

Juca - ...outra que ouvi contar que eles faziam, porque o velho meu pai só morou no sertão, no sertão do Irani, Concórdia e tal, então, quando nascia um filho, para ele não se esquecer, ele pegava um caderno, isso o Vicente sabe disso, tomava nota, ponhava o nome tal que queria, tomava nota do dia e a hora em que nasceu. Quando tinha uns oito ou 10 para registrar, ele ia em Palmas pra registrar, naquela época. [...] Era assim...

[...]

José Fabrício ficou com fama de bandido na região...

Juca – [Não era bandido] era um salvador do povo humilde. Salvava o pessoal miúdo, e o velho meu pai era a mesma coisa, acompanhava Fabrício. E mais outros por lá que era meio antigo, mas eu não me lembro hoje de tipo nenhum. De tipo nenhum eu me lembro mais. De outros que o meu pai falava, desse Fabrício.

Falava de Miguel Fragoso?

Juca – O que ele dizia de Miguel Fragoso? ...também, também, era amigo do peito dele...

Era do time.

Juca - ... era, era do time. Outro que morava no irani que até depois foi meu padrinho, o nome eu não lembro agora, ele falava muito...

...João Damas?

Juca – Não, não era... Agora eu fiquei mais ruim da idéia, dei mais uma cabeçada... Domingos Marcolino ou Antônio Marcolino, sei que era um Marcolino... daí, depois que carmô a tal revolução, todas elas, que eles começaram a se reunir, o meu pai me pegou e levou nesse Marcolino lá no Irani pra me batizar, né.

Telles – Antônio Marcolino, mas diz que era Rodrigues, chamam de Marcolino não sei porque.

O senhor se lembra de algum episódio em que José Fabrício tenha atuado como salvador do povo miúdo, que tenha ajudado?

Juca – O que ele fazia? Ele ia em todos os combate, encilhava os cavalos, e não saía um sem se reunirem todos eles, né. Ia em todos os combate, ajudava, e daí atendia aquele povo miúdo e iam pelear com os fazendeiros às vezes lá no...

Telles – Você está vendo aí a operação limpeza! Me diz uma coisa, tio: depois do combate de Irani, o Fabrício e os que seguiam ele, eles tiveram muitos combates isolados pelos sertão, uma briga aqui, outra lá, tudo porque tinha nego... uma inclinação, cara ruim, fazia justiça...

Juca - ... é faziam essa justiça...

Telles – E quando achava... Os bandidos também tinham a turma deles...

Juca - E eu lembro ainda que eles contavam: hoje tão campiando aqui, amanhã vão campiar... campiar no mato! Os tal que eles queriam. De repente a gente ouvia [tiros] saiu os tiro lá...

Telles - ...mas era com a polícia ou era só nos civis?

Juca - ... aí eu não lembro... Mas com certeza era a polícia contra os colono.

Telles - ...caboclos.

Juca – Contra o caboclos, justamente. E depois ficaram morando por lá muito tempo. Porque aqui em Vista Alegre, aqui bem pertinho, morreu um homem velho, que ajudou em todas as ronda. Chamava-se Sinfronho [Sinfrônio Honório do Canto, indiciado no Processo do Irani]... Esse então, quando ele ia pousar lá no meu pai às vezes, porque moravam longe naquela época, e viajavam a pé, eu gostava de escuitar os causos dos dois e um dia ouvi ele contar, ele contando pro véio, pro veio Perão. Diz: oh, aquele fulano lá, assim, assim, nós se encontramo só nós dois, de pelo a pelo, num carreiro, e quando ele puxou do revólver e atirou no peito dele e ele mandava nós vê a bala que ficou nas costas desse véio, e esse véio morreu... viveu até poucos anos aqui. Mas ele dizia: Mas também cum a minha espada da cabeça dele eu fiz duas. [risos] Ele levou uma bala no corpo, mas na cabeça do inimigo. Esse eu fiquei conhecendo bem ele depois aqui no Paraná.

Telles – Diz que muita gente veio para cá. Diz que eram levas e levas que passava por Passos Maia. Ali tem um vão que passavam, hoje o município de Passos Maia [SC] quer transformar aquele ponto num ponto turístico, contando a história dos fugitivos vindos daquela região do Irani para Coronel Vivida e região. Fecha tudo com o que eles me falaram lá.

[...]

Juca - ... veio corrido decerto, ainda tavam brigando, não sei... Família grande, chamada Varga [Vargas], e era do Irani, vieram a pé pelo mato e antes de chegar aqui, onde nós moramos hoje, ficou uma criança deles doente, no mato, e eles esperaram morrer, sepultar, para depois seguir viagem, né. Isso eles contavam até pouco tempo. E quando eles viram que não tinha remédio, que eles não achavam jeito de curar aquela criança, uma menina grande, diz que grandinha já, quando viram aí pararam... Moravam em Vista Alegre.

Telles – Veio muita gente... fuga da operação limpeza na década de 40, tinha a Sinhana Cordeiro, ela contava essas histórias, que os ataques enchiam os rios de cadáveres, não podia beber água e não podia comer carne de porco, porque só comiam cadáver, e todo dia um cachorro vinha pra dentro de casa com uma mão, um dedo, uma cabeça...

[...]

Juca - ...quando tavam no mato diz que eles tinham que assar a carona do cavalo que eles encilhavam. Assar, torrar, pra comer torrado... A carona, o pelego também, porque o pelego tem uma carne, o couro torrado dá pra pururucar!

[...]

Juca - ...naqueles pousinho miúdo [...] o véio Perão, o véio Fabrício, e esse tal de Sinfronho [Sinfrônio] aqui que eram os chefe, eles tinham que dar um jeito do povo comer, então quando achavam uma rês no trecho, por exemplo, então matavam, mas diz que era um aperitivo, né! Mas eles levavam mesmo controlado, eles não comiam demais, deixavam pra amanhã, podia não achar outra, não é mesmo? Mas é como eles sempre contavam: chegar a comer a carona assada é brabo né? Que tempo brabo a tal revolução, meu Deus do Céu!

(A terceira e última parte da entrevista com Juca Perão será postada no dia 1º de janeiro de 2009, quinta-feira)

Foto referida por Vicente Telles. É possível de José Alves Perão (José Felisberto), pai de Juca Perão e avô materno de Telles, esteja entre os integrantes do piquete. A frente, vestido de branco, está José Fabrício das Neves. A seu lado, montado, um menor, seu filho Afonso Antunes das Neves. Acervo: Reinaldo Antunes (Pinhão-PR).

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Imagens de Porto União-SC

Interior da antiga estação ferroviária.

Pinturas no interior do salão
paroquial da Matriz de Porto União.

Igreja Matriz de Porto União.