sábado, 27 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (30)

Juca Perão e uma neta (Coronel Vivida-PR)

José Felisberto, combatente (2)

Na postagem anterior falávamos de nossa chegada na residência de José da Silva Perão, o Juca Perão, residente em Coronel Vivida-PR, e da calorosa recepção que eu, o repórter-fotográfico Marco Cezar e o músico Vicente Telles tivemos. Juca Perão é filho do falecido José Alves Perão (José Felisberto), companheiro do monge José Maria de Castro Agostinho e de José Fabrício das Neves no combate do Irani. Juca, tio de Vicente Telles, nos recebeu falando e sorrindo. Os principais trechos da entrevista realizada no dia 22 de julho de 2007 estão abaixo.

Juca – [...] eu tava brincando fora assim, de repente ouvi aquele barulho, eu olhava... quando vi aquele homem corri. Corri e daí ele riu, meu pai riu né, quando ele riu eu reconheci... E ele falou:

- Ta correndo de homem, relaxado!

Mas ai eu vi que era ele. Diz que tinha terminado a tal revolução, diz que tinha terminado, ele veio pra casa. E com certeza decerto tinha mesmo, eu não me lembro mesmo, com certeza tinha terminado porque daí ele ficou em casa, de repente vieram pro Paraná.

No dia que ele chegou decerto tinha terminado a tal revolução, porque ele veio com todo o armamento e depois eu não vi, eu era gurização, depois não vi mais, não vi [...], não vi briga, só vi ali onde é o cemitério do Contestado [Irani-SC], onde foi a última briga, que morreu sete, num combate. E ai fecharam de vara, a polícia, eu ia varando a cavalo eu vi assim, eu já sabia, tinha medo, piá tem medo dessas coisas né, eu tinha medo, fazia volta e ali onde é o cemitério hoje, é o que o Vicente conta e os outros contam. E depois, daí, quando foi ali... não lembro bem, no ano quarenta, ele ficou, ele ficou pelo sertão do Irani o veio meu pai, meio escondido, não sei quanto tempo, né.

E daí no ano 40 foi que ele resolveu vir embora, pro Paraná, porque a perseguição ainda tava meia boa [...] No ano 37 por ali foi a época que ficou uma temporada no mato, uma temporada grande mesmo... Daí, então, quando foi no ano 40 [....] tinha terminado decerto aquela bronca, ele parou uns tempos em casa, ele parou acho que um ano, mais ou menos...

Telles – Se cuidando...

Juca - No Sertão de Irani, lá embaixo, lá não sei onde é hoje...

Telles - Itá, parece.

Juca - De repente um dia ele apareceu e falou: olha temo que ir pro Paraná porque a turma anda atrás de mim de novo...

Telles - a operação limpeza...

Juca - ...é! E quando aí arrumemo a mochila até sair lá onde mora o Vicente já chegou mais uma escolta, lááá onde o velho morava, queriam [...]. E ainda tinha mais uma aqui que contavam, essa eu não vi, mas contavam que ficou com certeza ficou muita viúva e as tal viúva que tinham dinheiro, por exemplo, diz que davam pela cabeça do velho Perão, que levasse lá naquela época, iam [...]. E demais outros companheiros dele, do Fabrício, de mais esse e mais aquele.

Telles - ... do José Fabrício das Neves.

Juca – E daí foi o seguinte, daí que o velho Perão disse: “Vou levar a minha cabeça para o Paraná”. [risos] E veio no ano 40, nos era tudo gurizada [...]. Aquela viagem... hoje eu tô meio esquecido...

Foi em 1940.

Juca – Foi!

O senhor tinha quantos anos?

Juca – Eu tinha mais ou menos uns 13 para 14 anos [...] era gurização. E daí era o seguinte: era muita gente que acompanhou. Da família Perão tinha 22 pessoas, e acompanhou muitos coitado, muitos acompanhou, o velho trouxe. Eu puxava num cargueiro de piazadinha, não dava pra vim tudo a pé... A pé do Irani até aqui no falado Jacutinga... A pé uma grande parte, e outros [...] piazadinha de quatro cinco anos pra baixo arrumaram um cargueiro, aí ponhava dois dum lado, dois doutro, e tal! E daí eu piazão mais ou menos era o que puxava o cargueiro de criança. Quando chegou no Chapecó Grande, ali a porca torceu o rabo, como diz um causo. Por que... ninguém tinha dinheiro, pois era tudo corrido, e pra pagar a balsa pra todo aquele povo... não podia, não tinha jeito. Tinha um despraiado, um despraiadão, então o que dava pra varar por água varava... e eu com meu cargueirinho varei, né! Minha mãe... o velho Perão ainda varou, a pé, mas a minha mãe era mais velha não, tiveram que segurar.

Telles – Aquelas viagens que se fazia, passava pelo despraiado.

Juca – Esse passo era depois que passava no Irani no Chapecó Grande, mas ele era uma... Eu acho que dava uns 500 metros de largura, e varar aquilo a pé... E existia uma carroça, uma carroça com o genro [Alípio Cordeiro] do velho Perão. E viu, naquele tempo só existia carroça com eixo de madeira, por exemplo, né, e no vará, que era muita pedra, pedra alta, pedra da altura desta cadeira, e tinha que varar, porque não tinha outro lugar, uma bacia muito ruim, no tal Chapecó. Ai de repente, no meio do rio, não é que quebra o eixo da carroça? E daí? E aquele povo? Tinha que baldear aquele povo pro outro lado do Chapecó, e os que já tavam pra lá, mas era cedo, era 10 horas, começaram a fazer pouso! Foram fazer pouso lá, e tal, arrumar fogo e tal. Porque os pouso era sempre embaixo de árvore. Era difícil um fazendeiro dar um galpão, pra pousar como se diz uma comitiva daquela, que era uma comitiva grande, né. Lá um que outro dava, decerto eles conhecia, via que era povo que estava escapando, né, então dava pouso, às vezes até janta dava. A maioria era embaixo das árvores... Já tinha um irmão meu mais véio, que é filho do véio Perão, né, era o mais véio da turma, tinha um cavalo bom e tal [Miguel], então [...]

Então [...] numa altura pra cá, depois que ele... Tudo quando era pro almoço todo mundo era no acampamento, todo mundo almoçava então ele logo ele tocava na frente já pra arrumar um lugar praquele povo pousar. Meu irmão mais velho. E ele ia e depois contava: hoje eu arrumei um galpão. Então tudo bem! Ele arrumou um galpão.

Como vocês chegaram até aqui? Tinham terras? Tinham indicação de alguém?

Juca – Tinha indicação. Esse homem que era o dono da carroça, ele veio quando começou a revolução, era um homem inteligente, e tinha um recursinho, o Alípio Cordeiro... Ele então encilhou uma mula [...] lá e veio pro Paraná e achou aqui ó, aqui ó, até lhe mostro daqui... ele comprou terra... naquele morro lá... ele tinha recurso e naquele tempo não valia nada a terra aqui. Ele comprou bastante terra e aí foi lá e trouxe tudo, trouxe cunhado, trouxe sogro, trouxe todo mundo e colocou todo mundo aí. E existe agora de resto eu aqui e um irmão em Dois Vizinhos, o Nízio, e outro aqui, como é que... péra aí uma grande cidade de Santa Catarina, capital, Florianópolis, tem um mais novo do que eu, o Felisberto...

[...]

Ele e o José Bento, que era genro dele, dicerto iam morrer, porque os que foram lá morreram tudo no combate, né! Que foi uma emboscada né! E quando eles foram pegar os cavalos para encilhar pra sair, o cavalo do meu pai e desse genro dele tinham escapado e eles não puderam achar. Quando tavam campiando longe derrepente viram porrr-porrr-porrr tiralhada, né. Ai voltaram tinha sete morto. Então diz ele escapou porque o cavalo dele escapou...

Telles – No combate de Irani.

Juca – No combate de Irani!

Então ele não participou...

Telles - ...não, direto não!

Atuou na organização...

Juca - ...é, na organização.

E o que ele contava sobre o motivo desse combate?

Juca – Ah! Ele contava que era que nem ta sendo aqui, por causa de terra, de terra. O Governo queria tomar a terra dos colonhos, e ele se ponhou do lado dos colonho, né, e güentou o galho até que deu. Quando não deu mais, aí fez ele vir pro Paraná. Mas ele contava que era por causa disso. E eu lembro tão bem que lá no sertão do Irani tinha muito terreno lá, daí nos se escondemo lá, ele escondeu nós uma temporada lá. Mas ele não pousava em nenhum acampamento. Ele chegava à noite ele pegava uns [...] de fogo e ia pousar no pé de uma árvore. Porque se tinha acampamento a turma acho, né. E era por causa disso que eu ouvia falar na época. (Continua)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Museu Thiago de Castro (Lages-SC)

Fotos: Marco Cezar

Líder dos rebeldes no cerco a cidade
de Lages-SC, em 1914, Castelhano foi preso,
executado e teve as orelhas levadas como prova.

Bandeira dos caboclos do Contestado.

Homens que atuaram na defesa da cidade.

Cidade de Lages.


Saiba mais no blog da Associação
Amigos do Museu Histórico Thiago de Castro.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (29)

José Felisberto, combatente

Imagens de Júlia Olímpia da Silva e José Alves Perão (José Felisberto),
destacado líder da resistência dos posseiros do Irani.
Acervos: Vicente Telles (foto) e José da Silva Perão (quadro).

José Alves Perão, conhecido por José Felisberto, filho mais velho de dona Maria Joana Perão, estava com 43 anos de idade em outubro de 1912. Com base nessas informações é possível deduzir que tenha nascido por volta de 1869, possivelmente na Argentina. Registros no Cartório do Irani indicam o sobrenome Perón, depois transformado em Perão. Também houve uma derivação para Perone.

São poucas as evidências de sua participação direta no entrevero. Sabemos que após o combate de 22 de outubro de 1912, acompanhado por um grupo de 25 homens, percorreu os caminhos e picadas das imediações do Banhado Grande, quando se deparou com os alferes Libindo Francisco Borges, 43 anos, e Joaquim Antônio de Moraes Sarmento, 30, ambos do Regimento de Segurança do Paraná que os havia atacado.

Os detalhes desse encontro foram relatados anteriormente, onde Perão evita a morte do alferes Libindo. Mesmo assim, no Relatório do Inquérito apresentado pelo comissário Nascimento Sobrinho, está dito: “Que José Alves Perão, conhecido por José Felisberto, é também outro cúmplice digno de nota, por haver tomado parte no recrutamento do pessoal do Irani, depois em combate, e, finalmente, por haver tentado matar os alferes Libindo e Sarmento, depois de gravemente feridos, quando haviam se refugiado na mata próximo e ali os encontrando e roubando-lhes a viva força dinheiro e objetos”. (Quinta conclusão. Relatório do Inquérito/Processo do Irani, fls 41, 64, 103).

A conclusão não corresponde com o que foi dito pelos depoentes, como vimos anteriormente. O relógio não foi levado por ele, mas por um Pedro. A nota de cem mil réis foi deixada com um comissário de polícia. O próprio Libindo, no depoimento também detalhado aqui, deixa claro que Perão o salvou de ser trucidado pelo grupo de caboclos. “Homem dessa natureza não se mata”, dissera Perão ao ver Libindo de espada em punho, ferido gravemente, esboçar uma reação diante dos apupos de “mata, mata!”. De qualquer modo, a versão policial é a que passou a valer e a Perão não restou outra alternativa que buscar um esconderijo.

Logo após o combate e o encontro na floresta com os dois oficiais do Regimento, José Felisberto (Perão) passara rapidamente em casa. Contou que ele e Desidério haviam participado do combate ao lado do monge. Por esse motivo, ia se esconder nos matos por uns tempos, junto com o irmão. Depois disso não apareceu mais em casa. A revelação foi feita por João Alves Perão, 20 anos, então residente no Sertãozinho de Irani, que permaneceu escondido no mato, com medo, até o dia 20 de novembro de 1912, quando foi chamado a depor. (Processo do Irani, fls 139-140)

Elizeu Perão (sentado), combatente do Irani,
ladeado por familiares. Acervo: Vicente Telles.


Os Perão em Coronel Vivida-PR

José da Silva Perão ou Juca Perão mora na localidade de Jacutinga, no interior do município de Coronel Vivida-PR, próximo a Pato Branco. É filho de José Alves Perão (José Felisberto) e de dona Júlia Olímpia da Silva. Juca nasceu no atual município de Mangueirinha-PR, no dia 29 de novembro de 1926, sendo casado com dona Sebastiana Vieira Perão, 78 anos, carinhosamente chamada pelos netos de Vó Bástia.

Ele e a família nos receberam de braços abertos no dia 22 de julho de 2007 – eu, o repórter-fotográfico Marco Cezar e Vicente Telles, sobrinho de Juca Perão. Assim que nos viu chegar se levantou da cadeira. Com o apoio de uma bengala veio em nossa direção, falando muito, gesticulando, tudo com muito bom humor. E gargalhadas. Já sabia previamente o motivo da visita e havia se preparado. Estava com tudo na ponta da língua.

Felisberto aparecia em casa a cada seis meses. Às vezes ficava fora mais de ano durante “as revoluções”, como na de 1930, ao lado de Getúlio.

“Não tirava o José Fabrício da boca”, recorda.

Morreu em 1962, com 93 de idade. Morreu de velho. O coração parou de bater. Era um “salvador do povo miúdo”, resume o filho. Sua esposa, Júlia Olímpia da Silva, morreu com 98 anos.

Vieram de Irani-SC com tropa de gado, porco, ovelha. Primeiro veio um cunhado, Alípio Cordeiro, que comprou as terras.

Quando as famílias chegaram, já existia a roça de fogo, erva-mate e pinheiro. O pinheiro bom era usado para fazer as casas e o pinheiro ruim nas cercas. Onde era floresta agora é pastagem. No começo era roça de milho e porco (mesmo sistema usado em Concórdia-SC e região).

Os porcos eram engordados na roça de milho e depois seguiam para Ponta Grossa-PR – levavam 60 dias de Coronel Vivida a Ponta Grossa. Primeiro ia o milho. Depois os tropeiros voltavam para apanhar os porcos.

Os que vieram de Irani para atuar na criação dos porcos se estabeleceram no atual município de Mangueirinha-PR, com uma pequena mangueira no meio das florestas. Depois sugiram outras.

Os Perão não perderam contato com os Fabrício das Neves. Thomaz Fabrício, residente na fazenda São Pedro (atual município de Coronel Domingos Soares-PR) comprava milho para vender em Palmas e na engorda dos porcos.

Esses e outros detalhes vão ser conferidos na próxima postagem, com os principais trechos da entrevista gravada com Juca Perão – irmão de Isabel, mãe de Vicente Telles.

Juca Perão (Coronel Vivida-PR, 14.12.2007)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Itá foi reduto de caboclos do Contestado

A historiografia oficial ignora que o município de Itá-SC foi um reduto de caboclos do Contestado, último local de residência de José Fabrício das Neves, que abriu o primeiro armazém do vilarejo. O site da Prefeitura de Itá, por exemplo, considera apenas os fatos ocorridos após a chegada das famílias descendentes dos imigrantes italianos e alemães vindas do Rio Grande do Sul. Um texto produzido pelo Consórcio Itá Tractebel faz referências às presenças de José Fabrício e de caboclos remanescentes do conflito do Contestado. Voltaremos ao tema. Por enquanto, ficam alguns registros das belas paisagens da cidade catarinense de Itá, nas margens do rio Uruguai.












terça-feira, 23 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (28)

Monge José Maria. Detalhe de
"Conselho de Guerra - Monge José Maria",
óleo sobre tela de Willy Zumblick.


Pós-combate
Cenas do cotidiano no Irani

Tendo ouvido as primeiras testemunhas em Palmas, quase todas implicando, de alguma forma, moradores de Irani e região, o comissário responsável pelo inquérito se dirigiu ao local do combate.
Na manhã do dia 18 de novembro de 1912, Domingos Nascimento Sobrinho apareceu na casa de Miguel Fabrício das Neves, junto com o escrivão e munido do necessário para a tomada de depoimentos.
Como Miguel não se encontrava na residência, quem acabou sendo ouvida foi sua esposa, dona Feliciana Gonçalves dos Santos, então com 60 anos de idade, natural do Rio Grande do Sul. (Processo do Irani-PI, fls 114-115)

Nada vi e pouco sei!
Dona Feliciana não se intimidou perante aqueles homens e deu o tom do que vai se observar nos depoimentos seguintes: a desconversa, o subterfúgio, a proteção. Inicialmente ela confirma aquilo que era público e notório, ou seja, que José Maria se hospedara em sua casa, acompanhado por cerca de 50 homens armados, entre eles um “Praxedes de Tal”. Mais tarde, apareceu em sua casa o coronel Domingos Soares, com outras pessoas, “não sabendo a respondendo do que se tratava”.
A esposa de Miguel Fabrício disse que na manhã de 22 de outubro de 1912, o monge e um grupo de homens se dirigiram ao Banhado Grande. Pouco depois, ouviu um forte tiroteio que obrigou a família a sair de casa e se dirigir ao paiol na localidade de Jacutinga. Um dia antes do combate, seu marido destroncara um pé e permanecera acamado, dizendo ignorar se algum morador de Irani tomara parte. Soube “apenas que no combate tinha morrido o monge José Maria e um filho de Bento Quitério”. (PI, fls 116-117)

Não conheço ninguém!
Viúva com 61 anos de idade, nascida no Rio Grande do Sul, Francisca Soares de Miranda viu tudo o que aconteceu, conhecia todos os envolvidos, deve ter visitado o acampamento de José Maria e assistido à missa que ele celebrou. Morava na beira da estrada do Faxinal dos Fabrício, por onde os homens do monge seguiram para o combate. Mas ao comissário Domingos Nascimento Sobrinho, que tomou seu depoimento na casa do comerciante João Roza, nada revelou.
Que José Maria e seus homens montaram acampamento nas casas de Thomaz e depois na de Miguel Fabrício das Neves era impossível negar. Mas ficou por aí. Entre os que combateram, conhecia apenas Felipe, filho de Bento Quitério, que morrera na ação. Miguel Fabrício não tomou parte no combate por ter destroncado um pé e se encontrar acamado. O coronel Miguel Fragoso, por outro lado, se retirou para o Jacutinga com seus homens. Também não soube dizer se José Fabrício das Neves tomou parte do combate e não conhecia nenhum morador de Irani que houvesse estado ao lado do monge. (PI, fls 129-130)

Maria Borges
A personagem Maria Borges é citada de passagem em diversos depoimentos do Processo do Irani. João Antônio da Roza, comerciante, 43 anos, genro de Miguel Fabrício, cita entre os combatentes de Irani um “moço quase negro, filho de Maria Borges, cujo nome ignora”. (PI, fls 43-46. Outro, Marciano Bentack, 45 anos, lavrador residente no Alto Jacutinga, acrescenta: entre os combatentes estava Manoel Borges, “que é filho da velha Borges”. (PI, fls 88-90)
“Que Maria Borja, era uma das mulheres que mais instigavam o povo a atacar as forças legais, em defesa do Monge”. (Nona conclusão do Inquérito Policial/PI, fls 189-192)

Praxedes ferido
Da casa de João Roza, onde estava naquele final de madrugada de 22 de outubro de 1912, Georgina Lemes da Silva, 32 anos, casada, “viu passar um grupo de cavaleiros”, com José Maria à frente montando um cavalo branco, em direção ao Banhado Grande. Não foi preciso esperar muito para que ela ouvisse “forte tiroteio que durou pouco”, seguindo-se momentos de absoluto silêncio, logo rompido pelo alarido de pessoas.
Muitos combatentes vinham de volta, “uns a pé, outros a cavalo e alguns engarupados de três a quatro homens, em um só cavalo”. Alguns estavam feridos e “vinham montados nos cavalos respectivos puxados por outras pessoas a pé”. Os vizinhos comentavam que na estrada de acesso ao Rio do Peixe, “foi encontrado muita gente ferida”.
Georgina lembrou que após o combate Praxedes Gomes Damasceno aparecera ferido na perna e passara pela casa de Miguel Fabrício para apanhar sua trenhama.
- Eu o reconheci quando contava do combate, montado em seu cavalo puxado por um indivíduo a pé, disse. (PI, fls 135-136)

Últimos momentos de José Maria
Depois de conferenciar com o coronel Domingos Soares, a quem conhecia de Palmas, José Maria mandou que um grupo de homens fosse reunir os animais espalhados pelo mato. À frente de um piquete com entre 20 e 24 homens, montando um cavalo branco que ganhara da esposa de Onofre Pereira, morador de Jacutinga, se dirigiu ao Banhado Grande. Certamente ele e seus homens estudaram a área, os diversos acessos por onde poderiam surgir as forças do Governo.
José Maria se manteve na região do Banhado Grande até por volta das 3 horas da madrugada (22 de outubro de 1912), onde deixara um piquete de prontidão, retornando à casa de Miguel Fabrício das Neves. Ali permaneceu até por volta das 5h30, quando chegou alguém avisando que o piquete já estava tiroteando com as forças sob o comando do coronel João Gualberto.

Luís, filho de João Luís
Morador do Faxinal dos Fabrício, Theodoro Ignácio da Veiga era casado, 52 anos de idade, lavrador. Dias após o combate no Banhado Grande, recebeu a visita do comissário de polícia Gonçalino, sendo intimado a se deslocar até a casa de João Luís, cujo filho, Luís, participara do entrevero ao lado de José Maria. Os dois se deslocaram até a localidade de Bonito, onde foram recebidos em casa por João Luís.
- Não sei onde o meu filho se encontra, disse o homem, garantindo que se até o fim daquele mês de outubro de 1912 não o encontrasse, iria pessoalmente a Palmas comunicar as autoridades. Theodoro e Gonçalino viraram as costas e foram embora. (PI, fls 118-119)
Luís, filho de João Luís, como figura no Processo do Irani, recebera um tiro no braço direito e vagara sozinho pelas florestas do Irani, talvez ressabiado em voltar imediatamente para casa. Por volta do meio dia de 22 de outubro, ele se encontrou com o lavrador paranaense residente em Irani Domingos (Xalico) de Almeida, 70 anos, quando este se deslocava para o Faxinal dos Fabrícios. Confirmou ter sido ferido no combate do qual participara armado de facão e pistola. E sem dar muita explicação, seguiu seu caminho. (PI, fls 38-39)
No final da tarde do mesmo dia Luís apareceu na porteira na casa de Marcolino Ferreira Gonçalves, 42 anos, gaúcho, lavrador e residente em Irani. Contou que havia participado do combate e tiroteado com as forças do Governo, ao lado do monge, tendo havido muitas mortes, inclusive a de um “oficial muito agaloado”. Depois que José Maria caiu “sem vida”, atingido por cinco ou seis disparos de arma de fogo, muitos caboclos fugiram. Luís se despediu informando que ia para sua casa. (PI, fls 86-87)
Ao passar pela propriedade de João Alves Perão em Sertãozinho de Irani, no mesmo dia, Luís não quis apear. Estava ferido e preferia seguir caminho junto com alguns companheiros. Apenas comentou os resultados do combate em que “tinha morrido muita gente”, inclusive José Maria. (PI, fls 139-140) Os rastros dele podem ter se perdido no tempo. Algum descendente, quem sabe, possa um dia fornecer os elementos para que se tenha o perfil desse combatente.








segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O monge do Santo Cerro do Botucaraí

O município de Candelária fica na Depressão Central do Rio Grande do Sul, distante 196 quilômetros de Porto Alegre e a 122 quilômetros de Santa Maria. Por volta de 1848, o imigrante italiano João Maria de Agostini esteve na região, tendo usado o Cerro do Botucaraí como refúgio. O local é visitado por milhares de romeiros toda Sexta-Feira Santa de cada ano. Em Santa Maria, na região do Campestre, ele organizou a primeira Festa de Santo Antão, até hoje realizada todo segundo domingo de janeiro.











domingo, 21 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (27)

Facões de madeira usados por alunos da rede pública
municipal de Irani-SC. Desfile de 7 de Setembro de 2007.


O combate na visão dos oficiais do Regimento (Fim)

Trechos do depoimento do capitão do Regimento de Segurança do Paraná, José de Souza Miranda, prestado em Palmas-PR no dia 14 de novembro de 1912. Era filho de Tristão Antônio de Miranda, estava com 32 anos de idade, era casado, nascido no Paraná e residente em Curitiba, sabendo ler e escrever.

Seguira no dia 19 de outubro de 1912 para o Irani acompanhando um contingente de 30 praças e dois oficiais (alferes Ribeiro Francisco Borges e Joaquim Antônio de Moraes Sarmento), sob o comando do coronel João Gualberto. Seguiram juntos acompanhando a força o comissário Nascimento e da fazenda São João em diante, se achava acompanhado do tenente Busse e do alferes Adolfo Guimarães, com um piquete de 20 praças de cavalo.

No dia 22, "pelas três horas da madrugada, levantaram o acampamento de frente a casa de Manoel Isack", pondo-se em marcha rumo a Irani. No total, 50 praças e sete oficiais – o coronel comandante, ele, Miranda, os tenentes Busse e Júlio Chavier (dentista), os alferes Libindo, Sarmento e Adolfo “e mais alguns paisanos que serviam de vaqueanos”, entre os quais um Camargo, Manoel Isack, Amazonas Pimpão e “um moço de nome Tonico, que acompanhavam João Gualberto e Nascimento".

Às 6h30, mais ou menos, chegaram ao local do combate. A infantaria estava dividida em três agrupamentos de 10 homens cada, sendo um sob seu comando, outro com Libindo e o seguinte com Sarmento. João Gualberto distribuiu as forças de Libindo e Sarmento à frente, sobre uma pequena colina. Duas sessões de 10 praças de cavalaria ficaram sob os comandos de Busse e Adolfo. Na retaguarda estavam a metralhadora com um sargento e três praças e o centro, sob o mando direito de Gualberto, que tinha a seu lado o “comissário Nascimento e os paisanos que acompanharam a força”.

O capitão Miranda ficou com um “morro próprio, a esquerda, fronteiro a colina onde os inimigos começavam a aparecer e sobre os quais foi rompido renhido tiroteio; que a direita do local, onde a força foi colocada, existia uma casa que se achava abandonada, cujo flanco ficou desguarnecido; que ladeando o morro com sua força, tomou a frente, que dava para o flanco direito, do local onde se achavam os inimigos, ele, respondente, rompe o fogo, contra os mesmos, conseguindo a viva fuzilaria fazer recuar os que por um flanco avançavam". Foi por esse flanco desguarnecido que chegaram os rebeldes, "em número muitíssimo superior" e "envolveram a sua pequena força, procedendo terrível carnificina a arma branca".

Miranda retornou com sua força para o lado do morro, em cuja base se travava o combate e "verificou com um golpe de vista, o desastre ocorrido, notando achar-se o local tomado pelos fanáticos que, em número superior a duzentos, dominaram completamente". Diante disso, "só restou-lhe continuar tiroteando-os, receber em sua força os dispersos, entre eles o alferes Sarmento e soldado Patrício, ferido, aquele gravemente, e ilesos o sargento Hermínio e anspeçada Bazílio".

A partir de certa altura não viu mais o coronel João Gualberto no combate, “nem o ouvindo mais", tendo "a sua frente fanáticos, em número mais de dez vezes superior". Sem poder enfrentá-los de frente "em vista do renhido tiroteio" procurou contornar a colina em que se achava. Depois disso não teve mais como resistir e se retirou com seus homens, "tiroteando sempre, de modo a conservar o inimigo a distância, até tomar o mato", onde "internou-se uns quatrocentos metros, mais ou menos".

Disse que "achando-se estropeado, teve de parar, seguindo a força com os respectivos sargentos, para a frente, ficando com ele respondente somente um soldado de sua companhia de nome Geraldo Antônio dos Santos, que o acompanhou até esta cidade”. Disse ainda que no dia 24 de outubro, passando pela casa de Manoel Isack, soube pelo sub-comissário de Rio do Peixe, “que ali se achava o resultado do combate em o qual infelizmente” morreu João Gualberto. (Processo do Irani, fls 111-113)



O alferes e o caboclo

O depoimento do alferes Libindo Francisco Borges, então com 43 anos de idade, se concentra no pós-combate e nos remete a umoutros personagem: José Alves Perão (José Felisberto), sobre o qual falaremos na próxima postagem.

Ferido a bala no braço esquerdo e com um golpe de facão na costela inferior do mesmo lado, Libindo se embrenhou pela mata, onde encontrou o colega Moraes Sarmento em situação ainda pior. Os dois seguiram por por cerca de dois quilômetros até a beira de um córrego, onde foram encontrados por um grupo de aproximadamente 25 caboclos, todos com fita branca nos chapéus, armados de lanças, espadas e pelo menos uma garrucha. Eles apontaram as armas. Em meio a um “vozerio infernal”, Libindo ouviu:

- Entregue-se, si não morre já, ameaçou um caboclo.

Libindo desembaiou sua espada e disse que preferia a morte a entregar-se. “Nesse momento, um dos bandidos gritou” que deveria ser morto.

- Não, homem dessa natureza não se mata, disse Perão, sendo obedecido pelos demais.

Perão se dirigiu a Libindo:

- “Entregue-se amigo”, disse, convidando-o a ir ao acampamento, onde seria "tratado e curado”.

Libindo recusou, disse que só iria morto. E que só se entregaria se tivesse garantias de vida, “tirando-lhe daquele inferno”.

Em seu depoimento, Libindo diz que foi “saqueado” em “500 e tantos mil réis, revólver e espada [...]”.

Perão o levou por cinco ou seis quilômetros até a estrada para Campos Novos, onde lhe entregou 30 mil réis – “dizendo, para não morrer a míngua”.

No caminho os dois conversaram bastante. Perão, chegada a uma prosa, lhe disse que se a força do Governo tivesse 300 ou 400 homens, ainda assim “seria toda derrotada”.

- Entraram em combate apenas 360 a 400 homens. Os outros ficaram “de prontidão, como reforço”. Eles só entrariam em ação se o contingente comandado por José Maria fosse derrotado.

Perão e muitos dos homens que o acompanhavam não chegaram a entrar na luta.

- Nós ficamos na reserva, "guardando o flanco esquerdo da estrada, no sertão".

Libindo mais ouvia do que falava. E observava os rebeldes. Havia um com entre 19 a 20 anos de idade, "branco, estatura regular, vestia roupa de brim pardo, estava de botas e sem espora" Outro, com 40 a 50 anos, tinha "cor acaboclada" e "também vestia roupa parda, de botas e sem espora". Um caboclo se aproximou de Libindo e puxou conversa.

- Sou afilhado de José Maria, disse.

Garantiu que "combatera unido a seu padrinho que havia morrido em combate, ferido por cinco ou seis balas".

Segundo esse caboclo, foram as seguinte as últimas palavras de José Maria:

- Olhe para mim, que lhe sirva de exemplo.

Outros disseram o mesmo, ou seja, que haviam acompanhado José Maria desde Campos Novos e que só "escaparam de serem mortos devido a posição" em que se encontravam no entrevero.

Libindo seguiu em direção a Caçadorzinho. Na localidade de São João encontrou seis soldados do Regimento, alguns feridos. Juntos se dirigiram a Palmas. (Processo do Irani, fls 46-50)


Irani-SC, desfile de 7 de Setembro de 2007.


O relógio de Moraes Sarmento

No depoimento cujos trechos foram reproduzidos na postagem passada (nº 26), o alferes Moraes Sarmento disse que fora acolhido por Lúcio Roberto em sua casa. E que Pedro, morador da mesma casa, pedira seu relógio e ele não dera, alegando ter custado 250 mil réis. “Pedro, depois de o insultar muito, levantou-se do lugar em que estava sentado, dirigiu-se para o respondente e [...] o relógio que se achava no bolso da túnica, disparando em seguida pelo mato”. (Processo do Irani, fls 68-71)

O menor José Pinheiro dos Santos, também apresentado anteriormente, disse que após o combate encontrara na floresta “um oficial da Polícia que apresentava dois ferimentos, sendo um nas costas e outro no rosto". O oficial pediu a um caboclo de nome Pedro que o levasse a casa de Manoel Isack, no Caçadorzinho, "prometendo-lhe pagamento, no caso Pedro lhe fizesse esse favor [...], o que não foi feito devido ter Pedro pedido o pagamento adiantado". Nesta ocasião Pedro, "de lança em punho, ameaçando ao oficial, tirou do bolso deste um relógio e cinqüenta mil réis em dinheiro, deixando o oficial no mesmo lugar, encostado sobre uma pedra, dizendo que não o tirava dali, sem que o mesmo não o pagasse adiantadamente, pois eles soldados eram muito velhacos e não tinham palavra”. (Processo do Irani, fls 100-104)

Após o combate, o lavrador Emiliano Martins Moreira, 48 anos, viúvo, nascido no Rio Grande do Sul e residente no Irani, conversou demoradamente com José Alves Perão. Soube "que o monge havia combatido com a força do Governo no lugar denominado Banhado Grande de Irani e de cujo combate morreram diversas pessoas", entre as quais o próprio monge. José Felisberto (Perão) deixara "o combate com alguns companheiros, encontrando no mato alguns oficiais da Polícia, muitos feridos. Perão os auxiliou, quis levar um deles até sua casa mas ele não aceitou".(Processo do Irani, fls 40-41)

Ao solicitar a prisão preventiva dos 63 denunciados no inquérito conduzido pelo comissário nascimento Sobrinho, o promotor público Augusto de Souza Guimarães pede que sejam localizados e devolvidos o relógio de ouro do alferes Samento, levados por "Pedro de Tal ou por Manoel Bandeira", esse último falecido em combate. O relógio "consta achar-se em poder do coronel Fragoso, que conseguiu reavê-lo, sendo também tomadas as suas declarações a respeito". O promotor informa que "relativamente a uma nota de cem mil réis (100$000)", a mesma fora "resgatada pelo alferes Deocliciano, atual Sub-Comissário de Polícia do Rio do Peixe e que pertencia aquele oficial [Sarmento]". Palmas-PR, 11 de março de 1913. (Processo do Irani, fls 209-210)