domingo, 9 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (8)

Monumento "Mãos de Cimento" (Irani-SC), feito pelo artista Mano Alvim, residente na Lagoa da Conceição (Florianópolis-SC).


Retornemos um pouco no tempo, na ocasião em que José Maria se achava no Taquaruçu, à época pertencente ao município de Curitibanos-SC, atualmente Fraiburgo-SC. Os fatos ocorridos no local, a presença de José Maria na festa do Bom Jesus, o ajuntamento de caboclos, e um inocente desafio de trova que terminou com vivas à Monarquia, tudo isso foi fartamente descrito. Nesse ponto a historiografia é razoavelmente rica. Mas existe um aspecto levantado por Pedro Felisbino, residente em Taquaruçu, com base em entrevistas com os moradores mais antigos, que precisa ser destacado.

Os detalhes estão no livro “Voz de Caboclo”. Ali Felisbino detalha o grande progresso alcançado por Taquaruçu, frente à acanhada vila de Curitibanos de então. O superintendente (prefeito) coronel Francisco Albuquerque, reprimia o movimento visando à criação de um novo município, o que lhe diminuiria o poder. Foi por isso que Albuquerque telegrafou ao governador do Estado, o lageano Vidal Ramos, seu padrinho político, no dia 21 de setembro de 1912, nos seguintes termos:

Fanatismo semelhante ao de Canudos acaba de explodir á margem de Taquaruçú, a sete léguas da vila. Inspira o movimento um individuo de nome José Maria Agostinho, que se diz ‘monge, profeta, médico e santo’. Vindo a Campos Novos, proclamou em Taquaruçú a restauração da monarquia, tendo centenas de pessoas, que armadas, o rodeiam. Promete marchar sobre esta vila, pretendendo fazer aqui seu quartel-general, de onde agirá no intuito de abranger os três estados do Sul. Para aquele ponto continua a haver uma verdadeira romaria de fanáticos, havendo já indivíduos que abandonaram família e negócios. Urge que sejam dadas medidas de repressão, de acordo a gravidade dos fatos. Lembro seja conseguido, a toda a pressa, contingente federal, que deverá desembarcar na estação Caçador, distante de Taquaruçú dez léguas, enquanto V. Ex. nos forneça elementos de força pública, para aqui, via Blumenau. Não temos nenhuma arma e nenhum cartucho para a defesa da localidade. – Albuquerque”.

Voltaremos ao assunto, pois ele é relevante para a compreensão do conjunto do movimento do Contestado. Suspeito que assim como o último líder caboclo Adeodato Ramos foi “demonizado” (segundo Paulo Pinheiro Machado) por seus próprios seguidores e outros, a ferrovia São Paulo-Rio Grande também passou por um processo semelhante. Ou seja, culpar a ferrovia estrangeira pelo início do conflito, como se tivesse sido a grande causadora, ajuda a aliviar as responsabilidades do coronelismo. Estou com essa “pulga atrás da orelha” desde que ouvi uma argumentação nesse sentido, feita em sala de aula, pelo professor Reinaldo Lohn (curso de História/Udesc). No caso do Irani, estamos percebendo que a construção da ferrovia não teve influência direta no episódio do dia 22 de outubro de 1912.

Pares de França

Euclides Felippe sustenta em seu livro a inexistência dos Pares de França, o esquadrão de elite cabocla, guarda de honra e escolta, antes do combate do Irani. E faz uma defesa vigorosa do monge José Maria, rebatendo uma a uma as acusações contra ele. Considerei relevantes os argumentos. Entretanto, lendo o Processo do Irani, se percebe que os Pares de França estavam presentes no dia 22 de outubro de 1912. A escolta de José Maria foi criada (possivelmente) quando ele deixou Taquaruçu em agosto de 1912, sob as ameaças do coronel Albuquerque e de uma força policial, retornando com ela ao Irani.

O termo “Par de França” surge ainda na fase de inquérito, iniciado um dia após o combate, citado por caboclos combatentes, militares, ou por civis que apoiaram a repressão. Joaquim Gomes, Delfino Ponte e Praxedes Gomes Damasceno, são alguns dos que chegaram com José Maria, lutando a seu lado no combate – todos Pares de França. Como diria um autor do realismo mágico, os Pares de França “saltam” das páginas do Processo do Irani e “posam” para a fotografia.

José Maria

Outro aspecto de minha admiração pelo trabalho do senhor Euclides Felippe é a defesa que ele faz de José Maria. Ele e Maurício Vinhas de Queiroz e pessoas com quem conversei nos dois últimos anos. Antônio Martins Fabrício das Neves (Irani-SC) é um que cita, por exemplo, a colonização informal da região promovida por ele monge e José Fabrício das Neves. Ao ler isso pela primeira vez, recém iniciado na pesquisa, ainda em Concórdia e sem conhecer o Irani, fiquei perplexo.

Afinal, como podia um grupo de homens sérios, acostumados com as agruras da lida campeira, desconfiados até a medula e por isso cautelosos, ir atrás de um monge “maluco”? Pois é como maluco, tarado, desertor, sedutor, profanador de moças virgens e tudo o mais que ele é tratado em 95% das publicações. Ele foi tão malhado, tão difamado, sua honra levada tão ao extremo da devassidão, que mesmo os seguidores de São João Maria costumam fazer uma pausa e diferenciá-lo de José Maria. No livro “O mato do tigre e o campo do gato – José Fabrício das Neves e o combate do Irani”, assino embaixo os argumentos de Felippe.

Por um motivo muito simples: se você desqualifica o líder, arrasta junto os que o seguem. E se os que o seguem são pessoas sérias, que trabalham de sol a sol, tementes a Deus, munidas de valores morais e éticos bem definidos, então precisamos reavaliar os personagens e seus papéis. Devemos levar José Maria a sério. Sem isso não vamos entender nada, repetindo o que outros escreveram sem checar muito.

Aviso aos navegantes (1)

Nas edições de terça, quinta e sábado próximos, dias 11, 13 e 15 do corrente mês de novembro, vamos publicar na íntegra a entrevista de Antônio Martins Fabrício das Neves ao Museu Histórico de Concórdia (Concórdia-SC) em 1990. É uma entrevista extensa, mas que pela riqueza dos detalhes e as revelações surpreendentes, precisa ser lida com atenção. Foi no contato com ela que descobri (março de 2007) o envolvimento dos primeiros moradores de Irani com a religiosidade de São João Maria, a parceria de José Fabrício das Neves com o monge José Maria e os detalhes pouco conhecidos do combate de 22 de outubro de 1912. Depois dessa, será publicada a entrevista do mesmo Antônio Fabrício das Neves ao historiador Paulo Pinheiro Machado (1997). Considero as duas entrevistas as bases para o conhecimento dos antecedentes do combate do Irani e seus personagens.

Aviso aos navegantes (2)

Os Fabrício das Neves espalhados pelo sul do Brasil devem se reunir entre os dias 22 e 25 de outubro de 2009 no Irani. A idéia é promover um reencontro desses familiares, marcando a passagem dos 97 anos do Combate do Irani. A idéia já foi adotada por Vicente Telles (Irani) e uma neta de José Fabrício das Neves residente em Guarapuava-PR, Jurema Fabrício das Neves Zunker. A mobilização está apenas iniciando. Os Perão já estão avisados. Também será feito um esforço para localizar outros descendentes de combates do Contestado/Combate do Irani, como:

* Descendentes de Bento Manoel dos Santos (Bento Quitério), casado com Clementina Bueno dos Santos. O casal residia no local onde se deu o combate. Bento e os filhos Alfredo, Saturnino e Felipe participaram do entrevero. Felipe perdeu a vida em combate.

* Família Belchior. Cândido, Antônio, João e Manoel participaram ativamente do combate e foram indiciados no Processo do Irani (Palmas-PR, 1912), tendo sido inocentados.

* Os descendentes de Praxedes Gomes Damasceno, “capitão”, como era chamado no Irani, onde lutou e saiu ferido do combate.

* Familiares de Emiliano Glória, Manoel Barreto e de um combatente do qual nos chegou apenas o apelido – Pepino Branco. Os três foram condenados no Processo do Irani, ao lado de José Fabrício das Neves, José Alves Perão e outros.

* Outro que foi condenado no mesmo processo: “Luiz de Tal, filho de João Luiz” (é assim que está na sentença condenatória).

* Familiares do coronel da Guarda Nacional Miguel Soares Fragoso.

Contatos: celsodasilveira@gmail.com

PS – As postagens têm sido acompanhadas de perto por Margaret Grando, que revisa, sugere e discute o conteúdo do material.




Área entre os rios Iguaçu e Uruguai: "território" de São João Maria.


Mapa do Estado de Santa Catarina com a divisa norte pelo rio Iguaçu.


Taquaruçu (Fraiburgo-SC). Foto: J. L. Cibils.

Taquaruçu (Fraiburgo-SC). Foto: J. L. Cibils.

Foto: J. L. Cibils.



Cenário e bonecos usados na peça “Peludos e Pelados – A guerra camponesa do Contestado”, restaurado pelo Colégio de Aplicação da UnC Caçador e exposto no Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado (Caçador-SC). O painel representa o Exército Encantado de São Sebastião. No detalhe acima, a figura do monge José Maria (os bonecos foram feitos por Maria Luiza Marques).



O repórter-fotográfico J. L. Cibils veio até minha casa apresentar a bandeira oficial do Contestado, confeccionada de acordo com a lei nº 12.060 (18.12.2001).

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