terça-feira, 13 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (37)

Primeiro balanço das postagens

José Fabrício das Neves (direita).
A seu lado um "Miguel",
conforme dedicatória
no verso da foto, podendo ser

Miguel Matto-Grosso, combate do Irani.
Acervo: Reinaldo Antunes (Pinhão-PR).

Ao longo das últimas postagens apresentamos uma série de fatos e personagens praticamente desconhecidos da grande maioria das pessoas. E também ausentes de boa parte da produção sobre o Contestado, onde persiste uma formidável lacuna acerca do início da fase mais aguda de repressão ao Movimento do Contestado – o combate de 22 de outubro de 1912 no Banhado Grande do Iraní, então um distrito de Palmas-PR, hoje em Santa Catarina.

Na grande maioria dos textos sobre o assunto, temos que o monge José Maria de Castro Agostinho (ou Agustinho) se encontrava em Taquaruçu (Curitibanos, hoje Fraiburgo), no lado catarinense, quando foi forçado a se deslocar para o Iraní, então no lado paranaense. Devido a essa “invasão”, as forças militares do estado vizinho se deslocaram para dar combate aos “invasores”, ocasião em que faleceram o monge e o coronel João Gualberto Gomes de Sá, outros militares e muitos caboclos. Um ano depois, o Contestado recomeçou prosseguindo até 1916.

Quando iniciei a pesquisa do tema em março de 2007, também pensava assim. E nem poderia ser de outra forma diante das informações disponíveis. As primeiras evidências de que algo diferente havia ocorrido nos campos do Iraní, surgiram na entrevista de Antônio Martins Fabrício das Neves ao Museu Histórico de Concórdia colhida no início dos anos 1990. É importante frisar que (quase) todas as informações e pistas do senhor Antônio foram confirmadas por outras fontes orais e a historiografia oficial.

Usando a experiência de três décadas como repórter e orientado no curso de História (Udesc) pelo professor Emerson César de Campos, segui as pesquisa realizando cerca de 30 entrevistas nas regiões do Meio Oeste catarinense e Sudoeste do Paraná. Mais tarde recebi do professor Paulo Pinheiro Machado, da UFSC, a reprodução integral do Processo do Iraní, aberto em Palmas-PR, documento que se encontrava extraviado desde os anos 1950.

Longe de esclarecer em definitivo a conjuntura em que se deu o entrevero de 22 de outubro de 1912, as fontes consultadas abrem diversas opções de pesquisas, sugerem novos caminhos e novas fontes, revelam a presença de dezenas de personagens, combatentes sociais do Contestado, esquecidos ou lembrados como “bandidos”. Ficou evidente a existência de uma luta pela terra, cujos detalhes ainda precisam ser pesquisados, sobretudo no Paraná.


Personagens

A questão religiosa já estava presente, mas sem a força com que se manifestaria a partir de meados do ano seguinte (1913). Os campos do Iraní, onde atualmente se encontram municípios como Iraní, Concórdia e outros, passaram a ser ocupados entre o final do século 19 e o início do século 20, por gaúchos residentes das regiões de Passo Fundo e Soledade. Vieram “indicados pelo monge”, conforme Antônio Martins Fabrício das Neves, após o término da Revolução Federalista de 1893-1895. Eram quase todos antigos maragatos (federalistas) fugindo das perseguições, ocupando aos poucos a área entre os rios Uruguai e Iguaçu – o território histórico da religiosidade de São João Maria.

Foram esses homens e mulheres que fizeram o Combate do Iraní em 1912: os Fabrício das Neves, os Perão, os Quitério, os Belchior, os Germano e dezenas de outros, quase todos completamente estranhos até agora. José Fabrício das Neves, nosso personagem principal, era parceiro de José Maria num projeto informal de colonização da região. Foi ele quem recrutou a maioria dos combatentes, deu a palavra final na assembléia que decidiu pela retirada ou resistência e comandou o pelotão responsável pelo início do choque no Banhado Grande.

José Fabrício foi apontado como o autor da morte do coronel João Gualberto durante o combate e por isso odiado até hoje pela descendência do falecido e a historiografia e imprensa paranaenses do período. Um “bandido” ou “assassino”, como se tem ainda hoje (veja o site da Polícia Militar do Paraná). José Alves Perão (José Felisberto), outro destacado líder no combate, passou quase todo o resto da vida fugindo. Thomaz Fabrício das Neves, irmão de José Fabrício, se refugiou no Paraná ao sentir que não teria sossego em Santa Catarina.


Na rede

José Maria de Castro Agostinho, o monge, surge como um líder da resistência dos posseiros do Iraní contra as ameaças de despejo, com quem conviveu por muito tempo antes de morrer no combate de 22 de outubro de 1912. Foi possível verificar que não era o sedutor de virgens pintado por certos autores, nem exótico ou maluco. Ao contrário, se mantinha de acordo com os valores éticos, morais e culturais dos caboclos da região. Apesar de ter ficado mais ou menos claro seu papel no episódio, a procedência e antepassado do personagem continuam a ser um mistério.

Ao disponibilizar esse material na rede, não busco transmitir nenhuma certeza nem dar respostas. Ao contrário, procuro evidenciar as dúvidas, apontar lacunas, efetuar novas indagações e, sobretudo, indicar a quem interessar possa a existência de um pequeno universo a ser explorado. Outro objetivo é estimular os descendentes desses combatentes sociais a revelar as trajetórias de seus antepassados, expor sem receio as memórias daqueles tempos. Muitas fontes orais e materiais estão dispersas pelo Brasil afora ou Argentina, talvez esperando que se resolva abordar o tema buscando compreender o papel dos caboclos atores do Movimento do Contestado.


São João Maria

A partir de agora vamos nos concentrar na figura de José Fabrício das Neves, seu papel no restante do Contestado e as estratégias adotadas para se manter na liderança de dezenas de famílias de caboclos e antigos maragatos. Os textos foram publicados no livro “O mato do tigre e o campo do gato” (Florianópolis: Insular, 2007), mas na medida do possível serão complementados por novos comentários.

Paralelamente, vamos iniciar a uma série de postagens sobre a religiosidade de São João Maria, começando pela Festa de Santo Antão, criada na região do Campestre (Santa Maria-RS) por João Maria de Agostini, em 1848, e ainda realizada. Além de um ensaio fotográfico feito nos dias 10 e 11 de janeiro (2009), durante a 161ª Festa de Santo Antão, vamos divulgar os resultados de entrevistas e observações feitas na ocasião, indicando estudos acadêmicos mais recentes sobre o tema. As postagens começam amanhã (14.1.2009, quarta-feira).

Cena da última Festa de Santo Antão (Campestre, Santa Maria-RS).

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