quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A religiosidade de São João Maria (4)

Festa de Santo Antão (4ª parte)









Cenas da subida do Cerro de Santo Antão.

Público presente na última festividade (11.1.2009).


No rastro de São João Maria

Assim como cheguei ao tema Contestado sem querer, quando seguia os passos de um "coronel" muito mal falado de Concórdia-SC, também esbarrei involuntariamente na religiosidade de São João Maria. Ou seja, topei logo no início da pesquisa com as fontes de água do monge onde muitos casais até hoje levam os filhos para o primeiro batismo. Mais do que um elemento de forte presença entre os caboclos do Contestado no auge da repressão ao movimento (1912-1916), essa mesma religiosidade permanece nas regiões que percorri: o Meio-Oeste catarinense (Irani, Concórdia, Vargem Bonita, Catanduvas), Porto União-SC/União da Vitória-PR, e o Sudoeste do Paraná e imediações, como Coronel Domingos Soares, Palmas, Covó (Mangueirinha), Coronel Vivida e Pinhão.

Tinha contato com o tema (religiosidade) através de autores como Marli Auras, Nilson Thomé, Oswaldo Rodrigues Cabral, Pedro Felisbino, José Fraga Fachel, Paulo Pinheiro Machado, Ivone Gallo, Euclides Felipe, Duglas Teixeira Monteiro e Maurício Vinhas de Queiroz, entre outros. Mas foi diferente quando ouvi as canções de Vicente Telles e os depoimentos de dona Maria Antunes Lemos (Vargem Bonita-SC), Elvira Dalla Costa (Palmas-PR) e Sebastiana Perão (Coronel Vivida). Ou quando conheci o monge Marcos José Alves, operando no eixo Palmas-PR/Irani-SC, sobre quem falarei mais adiante. Nesse caso não vale tanto o que está escrito, mas aquilo que se vê e se ouve, o que nos faz sentir, emociona, aguça o tato e o olfato. Isso nos coloca diante do sentimento (ou da mentalidade) de quem viveu os tempos da repressão do movimento do Contestado.


O santo monge

Foi lendo que fiquei sabendo da presença de João Maria de Agostini no Campestre de Santa Maria da Boca do Monte (antiga denominação do atual município de Santa Maria-RS), lá por volta de 1848, pouco depois de haver se apresentado a uma repartição de imigrantes em São Paulo, onde ficaram os primeiros registros de sua presença no Brasil. Veio da Itália e nossa historiografia nada conta sobre seu passado, há uma formidável lacuna em relação a isso. O que "sabemos" é sobre sua presença nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, muito pouco em Santa Catarina. É possível que ele tenha morrido na Lapa-PR, mas ele não morreu segundo o sentimento colhido entre os caboclos da área geográfica pesquisada.

Deixo de apresentar aqui qualquer fotografia de João Maria de Agostini, por não serem dele as que circulam amplamente segundo Oswaldo Rodrigues Cabral. As estampas que ornam muitas residências e oratórios no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e outros estados, são do "segundo" monge, João Maria de Jesus, sobre quem falaremos mais adiante. Como o "segundo" seguiu a tradição do "primeiro", inclusive na aparência física, supomos que tenham se parecido. Na historiografia corrente do Contestado existiram três monges: o primeiro (João Maria de Agostini), o segundo (João Maria de Jesus) e o o terceiro (José Maria de Castro Agostinho), mas na realidade dezenas desses monges percorreram a região e levaram a "mensagem" de São João Maria.


As águas de Santo Antão (*)

No verão de 1848/1849 entre oito e nove mil pessoas procuraram tratamento para algum tipo de mal nas águas da fonte de João Maria de Agostini no Cerro de Santo Antão. As informações são do médico Thomaz Antunes de Abreu em relatório de 25 de maio de 1849. Ele fora ao Campestre (Santa Maria-RS) por determinação do presidente (governador) da Província, Francisco Soares de Andréa, preocupado, como o alto clero, com as romarias e aglomerações de povo sob o comando de um monge. A lei 141 de 18 de julho de 1848 autoriza o envio de "um médico de confiança" ao local para verificar as qualidades das águas, apontadas como milagrosas e vendidas em algumas farmácias da área central de Santa Maria.

Depois de verificar as três fontes do cerro (da Cruz, do Umbú e da Misericórdia), o médico concluiu que as águas não tinham nenhum poder medicinal. Antes disso, João Maria de Agostini já tinha sido preso, levado a Porto Alegre-RS e a caminho da Ilha do Arvoredo, ao norte da Ilha de Santa Catarina (Florianópolis-SC), como veremos adiante. O doutor Thomaz de Abreu observou uma religiosidade "diferente" da que ele praticava, levando-o a falar em uma "nova Religião" ali se formando. Os elementos eram "as águas, o barro, as árvores e os cipós", considerados santos.

Aliás, o médico passou um apertado, como se diz. Ao tentar desqualificar as propriedades milagrosas das águas do cerro, houve uma "celeuma" "contra os médicos". Tentando acompanhar os tratamentos ali efetuados pelas pessoas humildes e simples, sentiu um "não acolhimento da parte de muitos". Usando de "minha natural prudência" ele teve que mudar de procedimento para obter as informções desejadas.

(*) FACHEL, José Fraga. Monge João Maria: recusa dos excluídos. Porto Alegre; Florianópolis: Editora da UFRGS; UFSC, 1995.


O fio da meada

Quando estive em Santa Maria nos dias 10 e 11 de janeiro (2009), acompanhando os momentos finais da 161ª Festa de Santo Antão - criada em 1848 por João Maria de Agostini - tinha em mente um pouco da descrição do evento feita pelo médico. E também o texto "Aos do Campestre", com as recomendações do monge para os festejos. Não encontrei as pessoas acampadas, referidas por cronistas e historiadores, mas sobravam produtos importados do Paraguai e uma profusão de ítens religiosos, churrasco e cerveja à vontade. A imagem de Santo Antão, a Capela e a Ermida no alto do cerro não são as originais. Nenhuma "imagem" de São João Maria.


A devoção às águas, ao barro, às árvores e cipós. Bebiam a água e cobriam ferimentos com o barro do cerro. Foi o que o doutor Thomaz viu no Campestre em 1848.

Campestre de Santo Antão, 11 de janeiro de 2009. Muitos romeiros sobem o cerro (morro) de pés descalços, por uma trilha de 300 metros de extensão pontuada por 14 cruzes. Coletam e bebem água nas fontes e se apoiam em improvisados cajados durante a subida e a descida. A água, os pés descalços no barro, os pedaços de árvores apoiando o deslocamento. Ao pé de cada cruz os devotos acendem velas, oram, descansam antes de seguir cerro acima. Os cajados são deixados no início da trilha pelos que retornam da jornada. Outros vão se apoiar neles para subir. Vão tomar água na fonte antes de seguir até a ermida no alto do cerro. E vão encher seus frascos com a mesma água e levar para casa.


E São João Maria? Quase não se fala dele, mas as pessoas sabem quem criou a Festa de Santo Antão - um monge que trouxe de longe a imagem do santo. O seminarista Everton Pairé fez referência ao "monge João Maria" e sua relação com o surgimento da festa de Santo Antão no tríduo do dia 10 de janeiro último (2009) na Capela de Santo Antão (Santa Maria-RS). De alguma forma a fé e a devoção expressas nessa festividade de cunho popular sobreviveu e se mantém, apesar de tudo, como veremos adiante, ao lado de vendedores de importados, óculos, bijuterias, chapéus e artesanatos e da concorrida roleta da sorte.


Presentes na última Festa de Santo Antão

D. Hélio Adelar Rubert, bispo de Santa Maria-RS.

Prefeito Cezar Schirmer (direita)
e o vice José Haidar Farret.


Pe. Ruben Natal Dotto.

Seminarista Everton Pairé.

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