terça-feira, 23 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (28)

Monge José Maria. Detalhe de
"Conselho de Guerra - Monge José Maria",
óleo sobre tela de Willy Zumblick.


Pós-combate
Cenas do cotidiano no Irani

Tendo ouvido as primeiras testemunhas em Palmas, quase todas implicando, de alguma forma, moradores de Irani e região, o comissário responsável pelo inquérito se dirigiu ao local do combate.
Na manhã do dia 18 de novembro de 1912, Domingos Nascimento Sobrinho apareceu na casa de Miguel Fabrício das Neves, junto com o escrivão e munido do necessário para a tomada de depoimentos.
Como Miguel não se encontrava na residência, quem acabou sendo ouvida foi sua esposa, dona Feliciana Gonçalves dos Santos, então com 60 anos de idade, natural do Rio Grande do Sul. (Processo do Irani-PI, fls 114-115)

Nada vi e pouco sei!
Dona Feliciana não se intimidou perante aqueles homens e deu o tom do que vai se observar nos depoimentos seguintes: a desconversa, o subterfúgio, a proteção. Inicialmente ela confirma aquilo que era público e notório, ou seja, que José Maria se hospedara em sua casa, acompanhado por cerca de 50 homens armados, entre eles um “Praxedes de Tal”. Mais tarde, apareceu em sua casa o coronel Domingos Soares, com outras pessoas, “não sabendo a respondendo do que se tratava”.
A esposa de Miguel Fabrício disse que na manhã de 22 de outubro de 1912, o monge e um grupo de homens se dirigiram ao Banhado Grande. Pouco depois, ouviu um forte tiroteio que obrigou a família a sair de casa e se dirigir ao paiol na localidade de Jacutinga. Um dia antes do combate, seu marido destroncara um pé e permanecera acamado, dizendo ignorar se algum morador de Irani tomara parte. Soube “apenas que no combate tinha morrido o monge José Maria e um filho de Bento Quitério”. (PI, fls 116-117)

Não conheço ninguém!
Viúva com 61 anos de idade, nascida no Rio Grande do Sul, Francisca Soares de Miranda viu tudo o que aconteceu, conhecia todos os envolvidos, deve ter visitado o acampamento de José Maria e assistido à missa que ele celebrou. Morava na beira da estrada do Faxinal dos Fabrício, por onde os homens do monge seguiram para o combate. Mas ao comissário Domingos Nascimento Sobrinho, que tomou seu depoimento na casa do comerciante João Roza, nada revelou.
Que José Maria e seus homens montaram acampamento nas casas de Thomaz e depois na de Miguel Fabrício das Neves era impossível negar. Mas ficou por aí. Entre os que combateram, conhecia apenas Felipe, filho de Bento Quitério, que morrera na ação. Miguel Fabrício não tomou parte no combate por ter destroncado um pé e se encontrar acamado. O coronel Miguel Fragoso, por outro lado, se retirou para o Jacutinga com seus homens. Também não soube dizer se José Fabrício das Neves tomou parte do combate e não conhecia nenhum morador de Irani que houvesse estado ao lado do monge. (PI, fls 129-130)

Maria Borges
A personagem Maria Borges é citada de passagem em diversos depoimentos do Processo do Irani. João Antônio da Roza, comerciante, 43 anos, genro de Miguel Fabrício, cita entre os combatentes de Irani um “moço quase negro, filho de Maria Borges, cujo nome ignora”. (PI, fls 43-46. Outro, Marciano Bentack, 45 anos, lavrador residente no Alto Jacutinga, acrescenta: entre os combatentes estava Manoel Borges, “que é filho da velha Borges”. (PI, fls 88-90)
“Que Maria Borja, era uma das mulheres que mais instigavam o povo a atacar as forças legais, em defesa do Monge”. (Nona conclusão do Inquérito Policial/PI, fls 189-192)

Praxedes ferido
Da casa de João Roza, onde estava naquele final de madrugada de 22 de outubro de 1912, Georgina Lemes da Silva, 32 anos, casada, “viu passar um grupo de cavaleiros”, com José Maria à frente montando um cavalo branco, em direção ao Banhado Grande. Não foi preciso esperar muito para que ela ouvisse “forte tiroteio que durou pouco”, seguindo-se momentos de absoluto silêncio, logo rompido pelo alarido de pessoas.
Muitos combatentes vinham de volta, “uns a pé, outros a cavalo e alguns engarupados de três a quatro homens, em um só cavalo”. Alguns estavam feridos e “vinham montados nos cavalos respectivos puxados por outras pessoas a pé”. Os vizinhos comentavam que na estrada de acesso ao Rio do Peixe, “foi encontrado muita gente ferida”.
Georgina lembrou que após o combate Praxedes Gomes Damasceno aparecera ferido na perna e passara pela casa de Miguel Fabrício para apanhar sua trenhama.
- Eu o reconheci quando contava do combate, montado em seu cavalo puxado por um indivíduo a pé, disse. (PI, fls 135-136)

Últimos momentos de José Maria
Depois de conferenciar com o coronel Domingos Soares, a quem conhecia de Palmas, José Maria mandou que um grupo de homens fosse reunir os animais espalhados pelo mato. À frente de um piquete com entre 20 e 24 homens, montando um cavalo branco que ganhara da esposa de Onofre Pereira, morador de Jacutinga, se dirigiu ao Banhado Grande. Certamente ele e seus homens estudaram a área, os diversos acessos por onde poderiam surgir as forças do Governo.
José Maria se manteve na região do Banhado Grande até por volta das 3 horas da madrugada (22 de outubro de 1912), onde deixara um piquete de prontidão, retornando à casa de Miguel Fabrício das Neves. Ali permaneceu até por volta das 5h30, quando chegou alguém avisando que o piquete já estava tiroteando com as forças sob o comando do coronel João Gualberto.

Luís, filho de João Luís
Morador do Faxinal dos Fabrício, Theodoro Ignácio da Veiga era casado, 52 anos de idade, lavrador. Dias após o combate no Banhado Grande, recebeu a visita do comissário de polícia Gonçalino, sendo intimado a se deslocar até a casa de João Luís, cujo filho, Luís, participara do entrevero ao lado de José Maria. Os dois se deslocaram até a localidade de Bonito, onde foram recebidos em casa por João Luís.
- Não sei onde o meu filho se encontra, disse o homem, garantindo que se até o fim daquele mês de outubro de 1912 não o encontrasse, iria pessoalmente a Palmas comunicar as autoridades. Theodoro e Gonçalino viraram as costas e foram embora. (PI, fls 118-119)
Luís, filho de João Luís, como figura no Processo do Irani, recebera um tiro no braço direito e vagara sozinho pelas florestas do Irani, talvez ressabiado em voltar imediatamente para casa. Por volta do meio dia de 22 de outubro, ele se encontrou com o lavrador paranaense residente em Irani Domingos (Xalico) de Almeida, 70 anos, quando este se deslocava para o Faxinal dos Fabrícios. Confirmou ter sido ferido no combate do qual participara armado de facão e pistola. E sem dar muita explicação, seguiu seu caminho. (PI, fls 38-39)
No final da tarde do mesmo dia Luís apareceu na porteira na casa de Marcolino Ferreira Gonçalves, 42 anos, gaúcho, lavrador e residente em Irani. Contou que havia participado do combate e tiroteado com as forças do Governo, ao lado do monge, tendo havido muitas mortes, inclusive a de um “oficial muito agaloado”. Depois que José Maria caiu “sem vida”, atingido por cinco ou seis disparos de arma de fogo, muitos caboclos fugiram. Luís se despediu informando que ia para sua casa. (PI, fls 86-87)
Ao passar pela propriedade de João Alves Perão em Sertãozinho de Irani, no mesmo dia, Luís não quis apear. Estava ferido e preferia seguir caminho junto com alguns companheiros. Apenas comentou os resultados do combate em que “tinha morrido muita gente”, inclusive José Maria. (PI, fls 139-140) Os rastros dele podem ter se perdido no tempo. Algum descendente, quem sabe, possa um dia fornecer os elementos para que se tenha o perfil desse combatente.








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