segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (42)

Antônio Martins Fabrício das Neves mostra a placa usada em desfiles
no Irani-SC. Foto: Dario de Almeida Prado. Acervo: Sérgio Rubin (Canga).


O envolvimento político (*)

Dois processos eleitorais confirmam o envolvimento de José Fabrício e mostram um pouco dos procedimentos da época. No dia 7 de março de 1920, por exemplo, acontece a eleição para a escolha de dois conselheiros (vereadores) e dois suplentes, e dois juízes de Paz para o distrito de Irani, realizada na “antiga residência de José Fabrício das Neves”. Foram mesários José Maria Sutil, João Cirilo Nery, Pedro Rodrigues de Oliveira, Ireno Pereira de Souza e Maurílio Dias Baptista (que presidiu o pleito, secretariado por Sutil). João Cirilo Nery, como veremos a seguir, era ligado ao coronel Fabrício. Thomaz Fabrício das Neves, irmão de José, foi eleito juiz de paz com 31 votos (RIBEIRO, 2004, p. 37-38).

Na eleição de 1922, Victor Rauen se candidatou à superintendência, desafiando o esquema ligado a Hercílio Luz. José Waldomiro Silva foi destacado por Rauen para acompanhar o processo eleitoral em Irani, para onde se dirigiu, tendo chegado cedo ao local de votação, “bem antes da hora marcada para o início dos trabalhos”. Para sua surpresa, a eleição “já estava quase em seu final, apesar de não ser nem nove horas”. Ele apresentou as credenciais e acompanhou o restante dos procedimentos. “Um deles lia o nome do eleitor e outro escrevia o nome do mesmo eleitor”, descreve. “Às vezes comentavam: este é fulano que parece já morreu lá pelo Paraná, entretanto vai dar seu votinho, pois sempre foi bom companheiro.” O resultado final deu vitória a Rauen, indicando a existência de articulações entre o vitorioso e as lideranças de Irani. Outras localidades também ajudaram a derrotar os “palmerianos” e Bittencourt. (SILVA, 1987, p. 44-45).

Rauen tomou posse em 1º de janeiro de 1923, nomeando em seguida os intendentes dos distritos de Limeira, São Bento, Hercilópolis, Catanduvas, Irani (Alexandre Telles da Rocha), Bela Vista e Abelardo Luz. Os primeiros escrivões são também indicados e no Irani assumiu Henrique Krapke. Outra providência do novo superintendente foi iniciar o lançamento e a cobrança dos impostos, indicando Waldomiro Silva para realizar esse serviço no município, além de supervisionar os trabalhos de abertura e conservação de estradas (picadas) e picadões (SILVA, 1987, p. 46).


No Irani

Um dos distritos visitados foi Irani. Quando esteve a primeira vez no povoado, Silva penoitara na casa de “um morador de nome Fabrício, pois em Irani quase todo mundo tem nome de Fabrício, casa essa que ficava bem perto do cemitério dos jagunços e soldados”, mortos em 1912 (SILVA, 1987, p. 44). Ao retornar, foi se hospedar na mesma casa, esclarecendo se tratar de Thomaz Fabrício das Neves, “irmão do caudilho José Fabrício das Neves, porém sendo este, homem pacífico”, assinala. Thomaz morava na localidade de Banhado Grande “exatamente onde se feriu o combate dos jagunços em 1912”. Nos fundos da casa, “onde me hospedei, ainda existia um cercado de madeiras (ripas)” – a sepultura de José Maria (SILVA, 1987, p. 46-47).

O coletor de impostos deixou a cidade, satisfeito com os resultados, destacando que “apesar da fama dos caboclos, muitos ainda remanescentes dos jagunços, sempre fui bem recebido e acatado, encontrando boa colaboração por parte de todos”. E destaca a figura de Guilhermino Lemos, “homem valente e temido, que muito me ajudou na abertura de estradas (picadas)”, morador de Sertãozinho, “nos fundos de Irani”. Silva foi embora com cerca de 200 mil réis, “quase que exclusivamente de imposto de fogão que custava cinco mil réis, de cada morador” (SILVA, 1987, p. 47).


Rumo a "zona perigosa"

O passo seguinte do novo superintendente de Catanduva, que então era a sede do futuro município de Joaçaba (instalada em Limeira), foi percorrer todos os distritos sob sua jurisdição – Limeira, São Bento, Hercilópolis, Catanduvas, Irani, Bela Vista e Abelardo Luz. Mas surgiu um problema com as localidades nas margens do rio Uruguai. “Para os lados da atual Concórdia, não se podia ir porque era considerada zona perigosa, onde tinha seus domínios o sr. José Fabrício das Neves, que até então dominava toda a região correspondente ao atual município de Concórdia e partes (fundos) de Iraní etc”, salienta Silva (1987, p. 50).

Rauen só viajou a Concórdia e Itá depois de um “prévio entendimento com o caudilho José Fabrício das Neves”, acompanhado do fiscal-geral de tributos José Waldomiro Silva, e um filho do superintendente, Jonas, com cerca de 9 anos de idade, “e um preto para cuidar dos animais de montaria”. Deixando Catanduva, passaram por Palmital e alcançaram Barra Seca, na margem do rio Jacutinga, “onde pernoitamos no paiol de milho do único colono morando naquelas redondezas” (SILVA, 1987, p. 51).

No dia seguinte, o grupo seguiu caminho “por aquele sertão bruto”, passando “no lugar denominado Queimados, atual cidade de Concórdia, onde morava o caboclo João Cerilo Nery, com uma bodega de cachaça e rapadura” e outras mercadorias. O grupo foi pernoitar em Fragosos, “onde existiam duas ou três casas de melhor aparência, construídas de madeira serrada e pintadas de cal branco”. Ao chegar no local previsto para o encontro, mas não indicado pelo autor, se depararam com José Fabrício, “acompanhado de uns oito ou dez companheiros (seu estado-maior), todos montados e formados em duas alas, na frente da casa”. Fabrício e seus homens apearam com a chegada da comitiva oficial, “o mesmo fazendo nós, e em seguida houve os cumprimentos e apresentações”, salienta Silva (1987, p. 52), “tudo com muita cerimônia, pois o Sr. Fabrício, apesar da fama, se mostrou muito amável para com o Sr. Victor Rauen”.

O grupo ficou conversando “até alta noite”, quando Rauen acertou o “’modus-vivendi’, daquela data em diante, com o Sr. Fabrício, inclusive quanto aos trabalhos de abertura das estradas (picadas) na região, etc”. No dia seguinte, acompanhado de um vaqueano cedido por Fabrício, a comitiva se deslocou para Itá, “passando pelo lugar denominado Engenho Velho que, ao que se dizia, pertencia ao sr. José Fabrício” (SILVA, 1987, p. 52).


"Auréola mística"

O diálogo estabelecido entre os dois homens é outra indicação da adequação do caudilho à nova ordem, alinhando-se com a oposição que vai desembocar na Aliança Liberal e na Revolução de 1930. “Ao chegarmos em Itá fomos recebidos com honras de chefe de estado”, observa Silva, “ou mais ainda, pois era a primeira autoridade constituída que visitava aqueles fundos de sertão”. Nesse povoado, Silva visitou uma “casa de comércio (bodega)”, pertencente a Fabrício das Neves e “gerenciada por um seu filho de nome Vicente”, visando a cobrança do imposto. “Ao que nos informaram, foi o primeiro pago pelo Sr. Fabrício, até então” (SILVA, 1987, p. 52-53).

O retorno de Rauen foi motivo de festa. “Fomos homenageados em Catanduva pelas autoridades”, lembra Silva, incluindo o juiz de Direito Francisco de Almeida Cardozo, o promotor público Edgar de Lima Pedreira e o delegado de polícia Luciano Luiz dos Passos, entre outros. O ato se deu no hotel de Jesuíno de Oliveira, “onde o sr. Victor Rauen foi considerado grande herói por ter entrado no reduto do caudilho Fabrício das Neves e voltado com vida” (SILVA, 1987, p. 53).

Segundo Ferreira (1992, p. 61), “as rixas, as lutas, os confrontos, acabaram por espalhar a fama de José Fabrício das Neves”, como valente e disposto na busca por seus objetivos. Fama essa amplificada “pelos boatos que atribuíam ao coronel proezas que faziam tremer os caboclos mais arrojados”, levando-os a se estabelecer em outras regiões. Munido de uma “auréola mística, emprestada por seus companheiros, arrebanhava também rivais e inimigos que sempre andavam prevenidos”, ainda de acordo com o autor citado. Já circulava a lenda de que mandava queimar os adversários ainda vivos, o que teria originado o antigo nome de Queimados ao atual município de Concórdia, fato discutido anteriormente.

Itá-SC. Foto em 22 de agosto de 2008.

Referências

FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia: o rastro de sua história. Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992.

RIBEIRO, Elenita. Irani pós-combate. 2004. Monografia (Graduação) - Curso de História. Universidade do Contestado (UnC), Concórdia, 2004.

SILVA, José Waldomiro. O Oeste Catarinens: memórias de um pioneiro. Florianópolis: Edição do Autor, 1987.


(*) O texto acima e o anterior integram (com pequenas alterações) o livro O mato do tigre e o campo do gato - José Fabrício das Neves e o Combate do Irani. Florianópolis: Insular, 2007.

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