sábado, 1 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (4)


Entrei no Contestado por acaso, como expliquei anteriormente. Seguia o rastro de José Fabrício das Neves sem imaginar seu envolvimento e a extensão dos compromissos com a liderança rebelde. Nem o próprio Vicente Telles tinha a exata noção de quem havia sido seu antepassado. “Ele era visto como bandido, inclusive pela família”, disse mais ou menos assim. E a medida que ele foi se convencendo de que a má-fama era injusta, foi indicando as fontes a conta-gotas, um a um.

Pude conhecer e conversar com o sr Tranqüilo Petini e sua esposa Isaura Kades, Agenor Antunes das Neves (Irani-SC) e dona Maria Antunes Lemos (Catanduva-SC). Em Concórdia-SC já havia localizado e entrevistado dona Cecília Boroski Talim, filha de José Fabrício das Neves fora do casamento, sempre acompanhado do fotógrafo e músico Júlio Gomes, que me foi apresentado pelo jornalista Rubens Lunge, presidente reeleito do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina. Gomes já havia me apresentado a José Antônio Puntel, residente no Engenho Velho (Concórdia). O mesmo Júlio Gomes articulou uma entrevista minha com seu pai, José Gomes, hoje residente em Colombo_PR, na região metropolitana de Curitiba, cujo pai era amigo de José Fabrício.

No Paraná

Pesquisando no Google, descobri a existência da professora Aurora Fabrício das Neves Tortelli, residente em Coronel Domingos Soares-PR, para onde seguimos. É importante destacar que minha companheira Margaret Grando me acompanhou em quase todas essas viagens, se encarregando da parte talvez mais chata e complicada: a árvore genealógica dos Fabrício das Neves obtida em cartórios, consulta a documentos particulares e entrevistas em todas essas viagens. Outro que me acompanhou em muitas jornadas foi o repórter cinematográfico Marco Nascimento, gravando 40 horas para um documentário sobre o tema (falarei disso mais adiante).

Em Coronel Domingos Soares encontramos alguns descendentes de Thomaz Fabrício das Neves, irmão de José Fabrício, e que havia se instalado na extensa fazenda São Pedro lá pelo final da década de 1930. O imóvel que pertencia a Alexandre Telles da Rocha (avô de Vicente Telles), fora trocado por duas propriedades na região do Irani. Também fomos muito bem recebidos por José Valdomiro Oliveira Neves, neto de Thomaz Fabrício das Neves, e seus familiares. Depois fomos a Palmas, onde tivemos a oportunidade de conhecer uma figura humana extraordinária, dona Elvira Dalla Costa, além do taxista Thomaz de Oliveira Neves (neto de Thomaz, irmão do barbeiro José Valdomiro), Saturnino Soares de Oliveira (filho adotivo do velho Thomaz) e sua esposa Maria Pelentier de Oliveira. Aqui também a recepção foi calorosa.

Pinhão

Mas e os descendentes diretos de José Fabrício? Não os conseguia localizar. Apelei para o Telles, que andou pesquisando e através de Agenor Antunes das Neves, me encaminhou um número de telefone em Pinhão-PR. Devia falar com um Reinaldo. Estava fechando o TCC do curso de História na Udesc, faltavam algumas semanas para a apresentação. Liguei. “Sim, eu sou bisneto do José Fabrício”, respondeu Reinaldo Antunes no outro lado da linha. Isso foi numa quinta-feira. No sábado eu estava em Pinhão. Reinaldo é filho de Assis que é filho de Afonso que é filho de José Fabrício das Neves. O Antunes que a família ajeitou vem da avó materna – uma forma de fugir à perseguição no pós-Contestado.

Vicente Telles, velho de tantas “guerras”, acompanhava tudo de longe, com vivo interesse e o conta-gotas nas mãos. Só depois que localizei a família de José Fabrício em Pinhão é que ele nos fez a maior de todas as revelações: o paradeiro dos Perão (Perón), no município de Coronel Vivida-PR, um pouco acima de Pato Branco. Lá conheci outra grande figura humana, Juca Perão, filho do velho José Alves Perão (José Felisberto), casado com outra fantástica figura, dona Sebastiana, carinhosamente chamada pelos netos de Vó Bástia. Citei todos esses personagens por que eles vão nos ajudar a contar o restante da história.



Agenor Antunes das Neves, residente em Irani-SC, faz a defesa de José Fabrício e explica os detalhes da emboscada que vitimou esse líder do Contestado. O pai de Agenor, Emílio (filho de Gabriel Fabrício das Neves), foi testemunha do que ocorreu com José Fabrício.

Dona Cecília Boroski Talim, filha de José Fabrício das Neves, residente no bairro Santa Cruz, em Concórdia-SC. Foto: Júlio Gomes.


Júlio Gomes, fotógrafo e músico em Concórdia-SC, filho e neto de caboclos que atuaram no Contestado, prestou grande ajuda nas pesquisas.


Sr Tranqüilo e dona Isaura: por décadas eles moraram nas imediações do túmulo do monge José Maria (Irani-SC).


Antônio Martins Fabrício das Neves (dir) com seus familiares no Irani-SC.


Paisagem no interior de Cel Domingos Soares-PR.


Thomaz Oliveira Neves, taxista em Palmas-PR, irmão de José Valdomiro e neto de Thomaz Fabrício das Neves.


Dona Elvira Dalla Costa e alguns de seus netos em Palmas-PR.


Catedral do Senhor Bom Jesus de Palmas-PR. Para os caboclos da região, o Senhor Bom Jesus é o próprio São João Maria.


Interior da fazenda São Pedro (cel Domingos Soares-PR). As folhas de buteiro eram usadas para fazer colchões, uma das ocupações econômicas da família de Thomaz Fabrício das Neves.


Entrada na fazenda São Pedro, que pertenceu a Thomaz Fabrício das Neves, no interior de Cel Domingos Soares-PR.

José Valdomiro Oliveira Neves, cabelereiro em Cel Domingos Soares. No meio seu filho Tiago Silveira Neves. No lado direito um irmão de José Valdomiro, José Antônio Oliveira Neves.


Família de dona Aurora Fabrício das Neves Tortelli reunida no interior do município de Cel Domingos Soares. No canto direito está o sr Tortelli, marido de dona Aurora, que atua no ramo madeireiro.

Dona Aurora Fabrício da Neves Tortelli, liderou o movimento de emancipação do então distrito de Palmas.

Interior do município de Coronel Domingos Soares-PR



Genealogia de Thomaz

Thomaz Fabrício das Neves (irmão do “nosso” José Fabrício), era filho de Antônio Fabrício das Neves e Josefina Pereira Maia, segundo os registros no Cartório do Irani. No combate do Irani, segundo o Processo aberto em Palmas-PR, aparece entre os rebeldes um Antônio Fabrício das Neves, tendo como apelido Sinhoca Fabrício, possivelmente o pai de Thomaz e José Fabrício. Antônio Martins Fabrício das Neves diz que o pai deles se chamava Sinhuca Fabrício. A tradição oral na família indica que eles iram meio-irmãos, ou seja, filhos do mesmo pai. Dona Cecília Boroski, em Concórdia-SC, diz que um era bem “claro” e o outro mais “escuro”.




Túmulo de dona Elíbia

Elíbia Fabrício das Neves, nascida em 30 de dezembro de 1882 (possivelmente no Rio Grande do Sul), falecida em 23 de setembro de 1966, casada com Thomaz Fabrício das Neves. Era filha de José Fabrício das Neves (outro José Fabrício, não o personagem central desse blog) e Francisca Soares de Miranda (faleceu no Irani no dia 8 de novembro de 1925, com 76 anos de idade, e que aparece no Processo do Irani, em 1912-1913, já como viúva). Sua sepultura (foto) está no cemitério da localidade de Passo Fundo, no município de coronel Domingos Soares.







sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Imagens avulsas (2)

Em primeiro plano prédios da Ilha, depois o canal que liga as duas baías de Florianópolis (Norte e Sul) e, no fundo, o bairro do Estreito (Capital) e os espigões do Kobrasol (São José).


Via Expressa Sul, implantada sobre aterro hidráulico, vista do alto do morro da Cruz.


Santo Antônio de Lisboa. O pescador remenda a rede. As gaivotas em busca das sobras. As estruturas ao fundo são para a criação de ostras e mexilhões.

Sambaqui (onde moro).

Vista da sacada de casa.

A abellha e o beija-flor. Rio Bonito (Joinville-SC)

Arco-íris visto da sacada de casa. No horizonte, onde ele pousa, a região continental de Florianópolis.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

José Fabrício das Neves (3)

Estamos de volta ao personagem principal, José Fabrício, braço direito do monge José Maria – José Maria de Castro Agostinho, segundo o processo aberto em Palmas para apurar as circunstâncias do combate de 22 de outubro de 1912, no Irani. Ele desenvolvia na região de Queimados (Concórdia), atividades de corte de madeira e criação de porco associadas ao plantio do milho. Eram as duas atividades principais.

O sistema porco/milho é interessante, desenvolvido mais tarde pelos colonos de origem italiana e alemã e que originaram as agroindústrias. Era costume abrir um claro na densa floresta e ali plantar o milho. Uma vez maduro era feita a colheita para o consumo das famílias, guardada em paióis. O restante permanecia no local, onde eram soltos os porcos para se alimentar. Muitos desses animais eram transportados a outros lugares para venda, dando origem a tropeiros de porcos.

O sistema, introduzido no Irani e região, continuou a ser desenvolvido no Sudoeste do Paraná e imediações, para onde seguiu boa parte, talvez a maioria, dos caboclos sobreviventes do Contestado. Colhi depoimentos a respeito em Coronel Domingos Soares-PR, antigo distrito de Palmas, da professora Aurora Fabrício das Neves Tortelli.

Má-fama

O corte de madeira nas margens do rio Uruguai foi uma atividade econômica importante na região. As toras eram serradas, transportadas até o rio e amarradas em forma de jangadas. No auge do período das chuvas, quando o curso d’água se tornava caudaloso, essas jangadas eram transportadas por dias a fio até São Tomé, na Argentina, centro de comércio madeireiro na época. José Fabrício ganhou muito dinheiro com a atividade, empregando um contingente de até 600 homens, incluindo os que se dedicavam ao plantio do milho e engorda dos porcos.

O que chamou atenção sobre José Fabrício foi a fama de acusações feitas a ele, algumas pesadas, beirando o exagero. A má-fama percorreu os tempos e chegou até hoje, como podemos verificar no site da Polícia Militar do Estado do Paraná (http://www.pm.pr.gov.br/visualizarNoticia.php?seq=27484), onde é tratado como “assassino”. Ou seja, aquele que matou o coronel João Gualberto durante o combate do Irani no dia 22 de outubro de 1912. Morte ocorrida durante violento entrevero e não por emboscada (espera) ou pelas costas.

José Fabrício ficou marcado o resto da vida por causa desse seu envolvimento. Condenado no processo em Palmas-PR, teve que se refugiar na região de Engenho Velho (Concórdia), local hoje coberto pelo lago da usina hidroelétrica de Itá. Circulava muito, sempre fugindo da ameaça de prisão e morte. Existem registros de que se deslocava pelos municípios gaúchos no outro lado do rio Uruguai, possuía terras e gado em Campos Novos-SC, interesses em Palmitos-SC, apoiadores em cidades do Paraná como Irati.

Fontes

Disse anteriormente que a historiografia catarinense ignora a existência e o papel de José Fabrício, dos Perão e outros personagens fundamentais na história do Contestado. A historiografia paranaense, por outro lado, destaca a presença de José Fabrício, exatamente por seu envolvimento na morte do coronel João Gualberto em combate. Nas três dezenas de entrevistas que fiz para o TCC no curso de História (Udesc), a presença dele e de outros Fabrício das Neves também fica evidenciada.

No dia em que apresentei o trabalho, o professor Paulo Pinheiro Machado, membro da banca, me entregou dois CDs com a cópia integral do processo do combate do Irani, extraviado desde os anos 1950. O escritor Maurício Vinhas de Queiroz, que cita informações do processo, o faz com base em anotações de terceiros. Não pôs as mãos no documento, precioso por nos revelar uma infinidade de personagens, homens e mulheres, ativos partícipes de um movimento social da envergadura que foi o Contestado. Muitos deles e delas vão ser apresentados aqui, há seu tempo.

Canga

Gostaria de encerrar por hoje destacando o documentário feito no início dos anos 1980 por Sérgio Rubin (Canga) e Dario de Almeida Prado. Os Fabrício das Neves estão ali bem destacados, e o combate do Irani apresentado numa dimensão bem mais abrangente do que a encontrada na historiografia. Rubin mantém um blog na internet que deve ser consultado (http://contestadoaguerradesconhecida.blogspot.com/). O Canga não sabe, mas o Vicente Telles exibiu há pouco o documentário a estudantes de Coronel Vivida-PR, fazendo grande sucesso.





As fotos foram feitas na localidade de Engenho Velho (Concórdia-SC), região controlada por José Fabrício das Neves, antes e depois do Combate do Irani em 1912.


Trecho do rio Jacutinga (Concórdia-SC).


(Concórdia-SC). Barra do rio Jacutinga junto ao rio Uruguai. Um pouco mais acima do rio Jacutinga desemboca o rio Fragosos, ponto em que José Fabrício mantinha um engenho de madeira e cana-de-açucar/aguardente. O engenho foi erguido pelo coronel da Guarda Nacional Miguel Fragoso, depois arrendado a Fabrício, tendo sido a primeira unidade industrial do município de Concórdia-SC.


Rio Uruguai. No fundo (dir) a ponte ligando Santa Catarina ao Rio Grande do Sul - BR-153.


Praça central de Concórdia-SC, onde José Fabrício iniciou o assentamento de caboclos. Nessa área também ficava um de seus inúmeros locais de descanso, chamado de "quartel-general de José Fabrício" pelo historiador Zanetti Ferreira. Essa construção de madeira ficava na altura de onde está hoje a loja Pitol Calçados.


Conjunto de imagens na varanda da residência de Salatiel Machado (interior de Vargem Bonita-SC), falecido, hoje ocupada pelos filhos e filhas. No alto Getúlio Vargas, no lado esquerdo o pai de Salatiel, companheiro de José Fabrício e, no lado direito, o próprio José Fabrício e seu estado-maior (foto publicada no primeiro poste). No fundo um cartaz com alegorias bíblicas.




quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Farol de Santa Marta (1)

Com as imagens que fiz do Farol de Santa Marta há poucos meses, presto aqui minha homenagem ao professor Sílvio Coelho dos Santos, recentemente falecido. Eu o conheci no final da década de 1960, quando estudava no Colégio de Aplicação da UFSC e ele, ao lado do professor Oswaldo Rodrigues Cabral e outros, montavam o então Instituto de Antropologia (atual Museu Universitário da UFSC). Ele sempre me estimulou a escrever e estudar. Fazia isso marcando presença nos lançamentos de meus livros, telefonando para elogiar alguma matéria, sempre animando, dando força. Ele não sabia que eu iria procurá-lo por esses dias para me ajudar de alguma forma no livro e documentário sobre os 100 anos da comunidade do Farol de Santa Marta. Mas seja lá onde estiveres prof Sílvio, continue me acompanhando. E se por acaso desejar participar desse novo trabalho, mande a contribuição através de São João Maria, que o monge Marcos Alves (Palmas-PR), capta e me retransmite. Que Deus o tenha meu amigo.





O repórter cinematográfico e fotógrafo Marco Nascimento, acompanhado de João Batista Andrade (Rasgamar), colhe imagens para auxiliar na montagem do roteiro de um vídeo sobre os 100 anos da criação da comunidade do Farol do Cabo de Santa Marta. Os dois estão sobre um sambaqui preservado, tendo ao fundo o cabo com a torre do farol e no lado direito a comunidade criada em 1909 pelo pescador Eliziário Patrício.






terça-feira, 28 de outubro de 2008

José Fabrício das Neves (2)















Antes de prosseguir a narrativa é preciso colocar a importância de São João Maria para as populações sertanejas do interior do Brasil, entre o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul, sobretudo na região entre os vales dos rios Iguaçu e Uruguai. O primeiro foi João Maria de Agostini, italiano, chegado por volta de 1844. Após ter perambulado por vários lugares, como Sorocaba-SP, e erguido um santuário nas proximidades de Santa Maria-RS, foi preso, deixado algum tempo na ilha do Arvoredo (Florianópolis-SC) e depois levado ao Rio de Janeiro.

O segundo João Maria, Anastás Marcaf, era de origem síria, segundo uns, ou drusa, segundo o repórter cinematográfico Marco Nascimento, devido ao formato de seu boné (ver foto). Estamos investigando isso. Foi o segundo monge que apoiou os rebeldes federalistas, esteve na Lapa-PR, e indicou a moradores de Passo Fundo-RS e imediações, os campos de Palmas e Irani. Desapareceu na primeira década do século. No seu lugar surgiu José Maria. Segundo o Processo de Irani que apurou as circunstâncias do combate de 22 de outubro de 1912, se chamava José Maria de Castro Agostinho.

Esses são os monges apontados até agora pela historiografia. Mas existem registros da presença de muitos outros. Para os caboclos devotos, entretanto, só existe um: São João Maria, ainda hoje reverenciado. As fontes ao lado das quais ele acampou algum dia, foram preservadas e servem para batismos de crianças. As águas também são coletadas para fins medicinais e de oração e para o trato animal. ncias do combate de 22 de outubro de 1912 no Irani, se chamava Josdicou a diversos moradores de Passo Fundo-RS e imediaç_______

Apocalipse de São João

Uma carta localizada por Pedro Aleixo Felisbino nas mãos de João Maria Palhano (seo Lica), em Taquaruçu, que teria sido escrita em 1880 por João Maria de Agostini, apresenta “orações, conselhos e alentos”. A “oração milagrosa, achada no capim, na Santa Sepultura de Nosso Senhor Jesus Cristo”, foi “feita por mão dadivosa”. Aquele que possuir uma cópia da oração em casa “não sofrerá castigo, nem raios, nem riscos e nem tormentas”.

Há um conselho – “meus filhos não abusem com a religião católica, façam caridade com a pobreza” – e um pedido para que “façam as minhas vontades, que eu só cuido vê-las e olho meus filhos”. Na seqüência, ameaça com castigos aos incrédulos, “guerra de vez”. Não se deve trabalhar aos sábados, sendo preciso jejuar na sexta-feira da Quaresma, guardar os dias santos e São Sebastião “para livrar dos castigos, que há de vir três dias de escuridão”.

Aqui fica evidente o apelo ao Apocalipse, como no anúncio do aparecimento de três línguas de fogo que poderão “abrir a terra”, sinal de que em três dias “aparecerá uma mancha vermelha no céu, passando três dias incendiará o mundo em fumaça”. E mais: no dia 3 de agosto aparecerá uma “grande cobra que terá sete metros de comprimento”, enquanto em setembro e outubro será a vez de uma “grande peste na criação e no povo, como nas crianças”. O mês de novembro reserva o aparecimento nas casas de “vento para menos correr” e uma multidão de gafanhotos.

Ideário

A cópia em mãos de seo Lica em Taquaruçu guarda semelhança com a encontrada por militares em Curitibanos durante o Contestado e publicada por vários autores, entre eles Douglas Teixeira Monteiro. Nas duas narrativas, se destacam as profecias apocalípticas de João Maria.

No dia 24 de junho de 1939, Euclides Felippe participou da festa de São João Maria, em Curitibanos, quando ganhou de Emídio Conceição uma cópia dos “Mandamentos das Leis da Natureza”, também de autoria do monge. “A terra é nossa mãe. A água é o sangue da terra-mãe. Cuspir e urinar na água, é o mesmo que escarrar e urinar na boca de sua mãe”, diz o sexto mandamento. “O cavaleiro que passar perto da lagoa ou cruzar uma corrente de água e não der de beber ao animal, morrerá de garganta seca”, destaca o décimo mandamento. Colhido em Palmas por Paulo Pinheiro Machado, o documento condena a mentira, o ódio e a inveja, o logro e o roubo, a calúnia e a avareza, ao lado de apelos ao respeito às famílias, a defesa da vida humana e animal.

Todos esses elementos integram o ideário do “monge”, seguido por andarilhos e curandeiros desde meados do século XIX. Guardadas as peculiaridades de cada um desses monges, eles seguem o modelo do primeiro, carregado de simbolismos e alegorias, sendo reconhecidos de imediato pelos caboclos. Para se habilitar ao papel de monge, o sujeito deve seguir esses preceitos e, além disso, ser dado a curas, através de infusões com plantas e outras receitas.

Os músicos Vicente Telles, residente no Irani, e Julio Gomes, em Concórdia, fizeram composições onde lembram o ideário de igualdade pregado por José Maria. “Zé Maria queria o bem/ Quem tem mói/ Quem não tem, mói também”, diz Telles, incorporando a memória popular sobre o tema. Gomes fez o mesmo.




Confraria do Monge, próximo a Lages-SC, nas margens da BR-116.





Parque Monge João Maria (Porto União-SC).




Interior do salão paroquial da Catedral de Porto União-SC.


Pintura sem identificação de autoria. Casa da Cultura/Porto União_SC



Portal de acesso a Porto União-SC (geral e detalhe).






Dois retratos clássicos de São João Maria, encontrando em muitas residências de caboclos do antigo Contestado (RS, PR e SC).
















Três imagens de São João Maria feitas pelo artista Willy Zumblick (Tubarão-SC, 1913-2008).












O quadro gigante do artista Ulisses Teixeira está fixado no prédio da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras de União da Vitória-PR (cidade gêmea de Porto União-SC).


Segundo João Maria (Anastás Marcaf). Apoiou os maragatos durante a revolução de 1893-1895. É possível que ele tenha indicado os campos de Palmas/Irani às famílias residentes em Passo Fundo e região.


Fonte de São João Maria no interior do município de Cel Domingos Soares