sábado, 10 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (36)

Os papéis de Miguel e Thomaz Fabrício das Neves (4)

Xilogravura de Jayro Schmidt feita no final da década
de 1970 para o jornal mimeografado
Cooperativando, editado em Florianópolis-SC.



No dia 20 de maio de 1913, Miguel Fabrício das Neves e Thomaz Fabrício das Neves foram levados da Cadeia Pública de Palmas à presença do juiz, sendo novamente interrogados à partir das 14 horas em audiência realizada na sala da Câmara Municipal. (PI, fls 254)


“Interrogatório do réu Miguel Fabrício das Neves”

Miguel estava “livre de ferros e sem constrangimento algum”. Disse morar há 16 anos no Faxinal de Irani, sendo natural do Rio Grande do Sul (Passo Fundo).

“Onde estava quando aconteceu o crime?
Em sua casa no Faxinal.
Conhece as pessoas que juraram neste processo? Há quanto tempo?
Conhece-as há muito tempo.
Tem algum motivo particular a que atribua a denúncia?
Não.
Tem fato a alegar ou provas que justifique ou prove sua inocência?
Respondeu que tem e são as constantes na alegação que oferece e pede sejam juntas aos autos”. (PI, fls 254b-255)


“Interrogatório do réu Thomaz Fabrício das Neves”

Logo depois foi ouvido Thomaz, igualmente “livre de ferros”.
Disse se chamar Thomaz Fabrício das Neves, natural do Rio Grande do Sul, residindo no Faxinal de Irani há cerca de 20 anos, lavrador. Disse que estava em casa na hora do combate. Conhece há muito tempo, as pessoas que juraram no processo. Não vê motivo particular para a denúncia. Se tinha fato a alegar ou prova a apresentar, disse que as mesmas constavam das alegações apresentadas por seu tio Miguel.
A defesa por escrito apresentada pelos réus foi juntada aos autos. (PI, fls 256)


A defesa de Miguel e Thomaz

“Meritíssimo Senhor Juiz de Direito
Miguel Fabrício das Neves e Thomaz Fabrício das Neves muito respeitosamente vêem perante Vossa Excelência alegar as razões, que provam, as suas inocências e bem, assim, a do seu camarada Paulo José de Ramos, no processo que lhes instauraram a pública justiça pelos sucessos de Irani. Os indiciados jamais tiveram intenção de tomar parte no combate entre o bando de fanáticos sob o mando do monge José Maria e as forças legais do finado Coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho, achando-se em suas residências juntamente com seu camarada Paulo José de Ramos, quis o acaso que o bando de fanáticos, dias antes do combate acampasse em suas moradas em atitude pacífica, sem que houvesse da parte dos mesmos o menor vestígio das funestas conseqüências que se desenrolaram dias depois. Os indiciados não tomaram parte no combate e muito menos prestaram auxilio para que o mesmo se realizasse; aí estão os depoimentos das testemunhas, que em sua unanimidade asseveram essa verdade. O fato de terem os fanáticos se hospedado em suas residências não pode, absolutamente, ser considerado como participação no crime que se [...], não só pela falta de intenção da parte dos indiciados, como porque estes jamais poderiam negar-lhe, tal hospedagem, diante a força numérica dos fanáticos. O fato fora, portanto, natural, sem que fosse presumir a figura do crime; [...] porque esperam dos mesmos que Vossa Excelência tomará na devida consideração estas alegações para o fim de impronunciar os suplicantes e ao seu camarada Paulo José de Ramos [...]”.

Palmas-PR, 20 de maio de 1913
Miguel Fabrício das Neves
Thomaz Fabrício das Neves
(PI, fls 257, 258)

Página do Processo com trecho da defesa de Miguel e Thomaz.
Reprodução: Paulo Pinheiro Machado (Fórum de Palmas-PR).

Sentença final

Terminada a audiência, tio e sobrinho foram novamente acorrentados e levados à Cadeia Pública de Palmas-PR. No dia seguinte, 21 de maio de 1913, retornaram sob escolta à presença do juiz Júlio Abelardo Teixeira.

Os autos são enviados ao promotor Augusto de Souza Guimarães, que assim se pronunciou: “Verifica-se pelas testemunhas que foram ouvidas no sumário, que em dias do mês de outubro do ano passado”, o monge José Maria apareceu no Irani, vindo de Curitibanos-SC, com 40 homens armados, “e ali acampado conseguiu reunir de 200 a 300 homens”. Que o coronel João Gualberto, por ordem do Governo do Estado e do Chefe de Polícia, foi ao local “dispersar aquele agrupamento sedicioso, que era uma afronta às autoridades e constituía ameaça à segurança e tranqüilidade deste Estado e de Santa Catarina”.

No final da madrugada do dia 22 de outubro de 1912, no Banhado Grande (Irani), João Gualberto foi “assaltado pelos fanáticos sob a imediata direção do citado Monge, que em número muito superior, travaram horrível luta com a força deste Estado e apesar da resistência por esta [Força] empregada, foi impossível evitar a sua derrota”. Na ocasião morreram o coronel João Gualberto, dois sargentos e oito praças, e ferimentos em oficiais e praças.

Tomaram parte da luta ao lado de José Maria, segundo o promotor, “prestando-lhe todo o auxílio os denunciados” José Fabrício das Neves, José Alves Perão, conhecido por José Felisberto, Praxedes Gomes Damasceno, “Luiz de tal, filho de João Luiz”, Manoel Barreto, Emiliano Glória, e “Maurílio de Tal, conhecido por Pepino Branco”.

Opina “esta Promotoria que os mesmos sejam pronunciados” no artigo 119 parágrafo 3º, combinado com o artigo 124 parágrafo 1º, no artigo 294, parágrafo 1º, com referencia aos artigos 18 e 63 do Código Penal, "visto concorrerem as circunstancias agravantes do art. 39 parágrafo 5º e 8º do mesmo Código." E,“quanto aos denunciados Miguel Fabrício das Neves e Thomaz Fabrício das Neves, nenhuma prova existe contra os mesmos, assim como não existem contra os demais denunciados, que são quase todos desconhecidos das testemunhas. Palmas, 24.5.1913. Augusto de Souza Guimarães, Promotor Público”. (PI, fls 259-263)

O juiz de Direito Júlio Abelardo Teixeira acatou integralmente a manifestação do promotor Augusto de Souza Guimarães, transformando-a na sentença final do Processo do Irani.

Página do Processo com trecho da
manifestação final do Ministério Público.

Reprodução: Paulo Pinheiro Machado (Fórum de Palmas-PR).

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Escultura vira símbolo do Contestado

Obra do artista José (Mano) Alvim se tornou um
símbolo visual do Movimento do Contestado,
imagem reproduzida em livros,
jornais, revistas, camisetas e miniaturas.




Pintura executada na obra sem consulta ao artista.



Foto: J. L. Cibils (1992).

Imagem na fachada da escola estadual
Isabel da Silva Telles (Irani-SC).


Depoimento de Mano Alvim
sobre a pintura de sua obra


"Oi Celso!Primeiro muito obrigado pela disponibilidade e interesse. A cor original é tinta para concreto, naquela cor verdona e tal. Mas em uma época atrás colocaram uma placa de madeira na frente. O nome original "MONUMENTO AOS VENCIDOS", uma obra alusiva à guerra do Contestado. Éra assim que víamos na época.

Acredito, que embora arbitrária, a intenção da Secretária não é diminuir o valor da obra, e também sei lá quem sugeriu o branco. Agora sinceramente pode ter ficado bom, ou até melhor que a proposta inicial.

Sabe aqui na Capital o pessoal não cuida dos direitos do autor. Como sou do Rio Grande do Sul, também tem aquela coisa, embora já passem trinta anos desde que cheguei aqui. No entanto sinceramente me comove teu interesse e por curiosidade gostaria sim de ver a foto que fizestes, para também conhecer teu trabalho.

Sabe quando fiz aquela obra foi um momento muito bom da minha vida, minha filha caçula nasceu lá, durante a festa de inauguração do monumento, e eu agradeço muito tudo, até este branco atual.

Quem sabe um dia tu fazes uma reportagem, e a gente teria a oportunidade de devolver o real valor a todos que participaram da idealização, criação e confecção, e foram muitos. Um grande abraço, José Alvim".

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (35)

Os papéis de Miguel e Thomaz Fabrício das Neves (3)

Thomaz Fabrício das Neves.
Acervo: Thomaz Oliveira Neves (Palmas-PR)



Palmas-PR, 29 de abril de 1913. Audiência. Presentes o juiz Júlio Abelardo Teixeira, o escrivão, o promotor Augusto de Souza Guimarães, e os “indiciados” Miguel Fabrício das Neves e Thomaz Fabrício das Neves. Dos 63 indiciados no Processo do Irani, somente os dois foram presos.


Sexta testemunha. João Antônio da Roza, 44 anos, casado, negociante, natural do Rio Grande do Sul, residente em Palmas [distrito do Irani], sabendo ler e escrever. Era genro de Miguel Fabrício das Neves, sendo por isso dispensado da “promessa legal”.

Revelou que “em dias de outubro” de 1912, chegou um monge ao Irani, chamado José Maria de Castro Agostinho, acompanhado por 40 homens “armados de Winchester”, sendo hospedados na casa de Thomaz Fabrício das Neves. Vieram de Campos Novos perseguidos. Muitos moradores do Irani permaneceram ao lado do monge até a data do combate. Na manhã do dia 22 de outubro, João Roza viu passar pela frente de sua casa “um grupo de cavalheiros, vindo na frente montado em um cavalo branco o Monge José Maria que ia abanando uma espada”.

Estava acompanhado por 80 a 100 homens, “tendo mais gente adiante”. Na seqüência ouviu de sua casa as descargas de tiros vindas do Banhado Grande. No dia seguinte resolveu “seguir para a cidade [Palmas] afim de dar parte as autoridades do ocorrido e passou pelo lugar em que se deu o combate”, tendo se deparado com 17 cadáveres, entre eles o de João Gualberto, “que achava-se fardado em um uniforme amarelo e o célebre Monge que achava-se para dentro de uma cerca”. (Processo do Irani-PI, fls 240b, 241, 242)


Sétima testemunha. João Pedrozo de Camargo, 55 anos, casado, lavrador, natural de São Paulo, residente em Palmas-PR, não sabia ler nem escrever.

Dada a palavra ao promotor, foram feitas algumas perguntas, às quais a testemunha respondeu: sabia, “por lhe constar, que Luiz, filho de João Luiz, foi ferido no combate”; que foi morto um filho de Bento Manoel dos Santos (Bento Quitério); “que não sabe nem lhe consta” que Miguel e Thomaz Fabrício das Neves “tivessem tomado parte no combate referido ou dado qualquer auxílio ao monge”. A palavra foi dada a Miguel e Thomaz e estes nada tinham “a contestar”.


Oitava testemunha. Braz da Costa Varella, 37 anos, casado, criador, natural de Santa Catarina, residente em Palmas-PR, sabendo ler e escrever.

Estava em Lages na ocasião do combate. Soube dos fatos por “diversas pessoas que daqui foram para lá”. Não sabe quem se envolveu com o monge, nem mesmo por ouvir dizer, se referindo também aos denunciados. Ignorava o intuito de José Maria ao ir para o Irani. “Disse mais que conhece os denunciados presentes há menos de um ano e que no lugar onde reside sempre foram tidos como homens de boa conduta e trabalhadores”. O promotor não quis fazer perguntas. Os denunciados nada disseram. (PI, fls 243)


Décima testemunha. Heleodoro Pereira da Silva, 35 anos, casado, negociante, natural do Rio Grande do Sul, residente em Palmas-PR, sabendo ler e escrever.

Sobre quem havia prestado auxílio ao monge respondeu que “os denunciados presentes”, José Fabrício das Neves, José Alves Perão, Dezidério Alves Perão, Praxedes Gomes [Damasceno], Raphael de Brum, Sebastião Baiano, Venâncio Lageano, Antônio Germano, Emiliano Glória, João Lemes, João Bello, Mathias Ermelindo e Clementino Gonçalves. Tomaram parte do combate: Emiliano Glória e um irmão cujo nome desconhece; Zózimo de Tal; "Luiz de Tal, filho de João Luiz" [...]; e José Fabrício das Neves.

Perguntado pelo promotor respondeu não saber se os denunciados presentes tomaram parte no combate. O julgamento foi suspenso. (PI, fls 248b-250)

(Segue)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A Lumber e o Contestado segundo Valentini

Foto: Claro Jansson (?)/Reprodução: J. L. Cibils.

VALENTINI , Delmir José. Atividades da Brazil Railway Company no Sul do Brasil: a instalação da Lumber e a Guerra na Região do Contestado (1906-1916). Porto Alegre: PUCRS, 2009. 300 f. Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em História, Porto Alegre, 2009.

Esta tese analisa a atuação da Brazil Railway Company, holding criada por Percival Farquhar em 1906 nos Estados Unidos e que atuou na Região do Contestado nos ramos ferroviário, madeireiro e colonizador. Através da subsidiária Southern Brazil Lumber & Colonization Company, a Brazil Railway instalou um grande complexo madeireiro extrativo exportador e promoveu a colonização de terras concedidas ou compradas, estabelecendo imigrantes e colonos nas áreas desmatadas.

Durante o período de 1906 a 1916, a Região do Contestado passou por um processo de profundas transformações, que provocaram mudanças econômicas, sociais, culturais, políticas e ambientais. Estas mudanças foram fatores decisivos na deflagração da luta armada desencadeada em 1912, que se estendeu até 1916 e foi denominada de Guerra do Contestado.

A eclosão da Guerra do Contestado é abordada no contexto das transformações ocorridas com a inauguração da ferrovia São Paulo-Rio Grande, que cortou verticalmente a Região do Contestado em 1910, o início das atividades madeireiras e colonizadoras da Southern Brazil Lumber & Colonization Company em 1911 e a conseqüente ocupação das terras para projetos de colonização.

Os antigos moradores da Região do Contestado, muitos dos quais posseiros que ocupavam as terras devolutas que foram concedidas a Brazil Railway Company, revoltaram-se e destruíram estações ferroviárias, queimaram a madeireira da Lumber de Calmon e atacaram os colonos instalados pela Companhia no Rio das Antas. A Guerra do Contestado deixou um saldo de, aproximadamente, 8.000 mortos, a grande maioria, sertanejos pobres que viviam na Região do Contestado.

Este estudo foi elaborado a partir de uma pesquisa documental fundamentada nos arquivos públicos e particulares, nas bibliografias sobre o tema e, também, através da história oral, a partir de entrevistas realizadas com antigos trabalhadores da Southern Brazil Lumber & Colonization Company e seus descendentes.

Palavras-chave: 1. História do Brasil – História de Santa Catarina – História do Contestado. 2. Ferrovias – Madeireiras – Colonização - Guerra do Contestado.

(Texto elaborado pelo autor)

Defesa da tese

12 de janeiro de 2009 (segunda-feira)
Prédio 3, na sala 307
14 horas
Campus da PUC-RS (Porto Alegre)



Cinema da Lumber em 1992. Fotos J. L. Cibils.

Interior do cinema da Lumber na década de 1910.
Foto: Claro Jansson (?)/Reprodução: J. L. Cibils.


Funcionários da empresa madeireira de Três Barras-SC.
Foto: Claro Jansson (?)/Reprodução: J. L. Cibils.


terça-feira, 6 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (34)

Os papéis de Thomaz e Miguel Fabrício das Neves (2)

Thomaz Fabrício das Neves no lado direito
do governador Adolpho Konder (de bengala),
em Joaçaba. Foto de 1929*.

Miguel Fabrício das Neves estava com 64 anos de idade ao ser ouvido pelo comissário Domingos Nascimento Sobrinho no dia 20 de novembro de 1912, no Irani, na residência de seu genro, o comerciante João Roza.

Disse que no dia 15 de outubro último chegara à casa de seu sobrinho Thomaz, “um indivíduo intitulado Monge e de nome [...] José Maria de Castro Agostinho, acompanhado de sessenta homens a cavalo, entre estes o Capitão Praxedes, Fernandes de Tal, italiano, Joaquim Gomes e um velho de nome Delfino, todos vindos de Campos Novos, dizendo o Monge que vinha [...] e descansar seus cavalos para voltar para Campos Novos afim de ali atacarem o Cel Albuquerque; que estes homens estiveram quatro dias em casa de Thomaz Fabrício e daí seguiram para a casa do respondente onde estiveram acampados até o dia do combate”.

Lembrou que no dia 21, chegaram a sua casa o coronel Domingos Soares, acompanhado por Octávio Marcondes, José Júlio Farrapo, João Varella e Deco Cachoeira, “e ali conferenciaram com o Monge, depois de terem falado com o respondente e de cuja conferencia o respondente teve conhecimento por ter assistido, ficando então combinado que o povo que ali se achava reunido se retirasse, no dia seguinte até meia noite, pois no mato tinha muitos animais extraviados e que para reunir carecia do referido prazo”.

Na ocasião, Miguel ouvira do coronel Soares “que sua atitude [do monge] era retirar-se para Campos Novos e que no Paraná ele não brigava, pois nada tinha com o povo deste Estado e que à presença do Comandante João Gualberto ele não ia, porque tinha receio de ser maltratado, tendo então o Cel Soares feito ver ao Monge que isso não aconteceria e que se o Monge quisesse acompanhá-lo, teria todas as garantias, ao que o Monge respondeu que se o Cel Soares fosse Governo ele o acompanharia e como não era não o acompanhava, dando com essas palavras a entender que não confiava na palavra do Cel Soares”.

Em conversa com Miguel, o coronel Soares “contou que vinha ali afim de dispersar aquele povo e que não queria que este povo fosse sacrificado; que as mesmas ponderações fez Octávio Marcondes dizendo conhecer aquele povo que em maioria eram arrendatários do Irani”. Em seguida o coronel se retirou “e o Monge deu ordens ao seu pessoal para que fossem seguindo os animais para no dia seguinte ao meio dia se retirarem para Campos Novos”. Nesse mesmo dia, à tarde, José Maria seguiu com “vinte ou vinte e quatro homens montados a cavalo e com ele na frente vieram em direção ao Banhado Grande de onde voltaram alta madrugada; que o respondente não viu ele chegar por estar deitado e com um pé destroncado”.

Segundo ele, no dia 21, José Maria deixara um piquete para o Banhado Grande. Na manhã de 22 de outubro, “muito cedo, chegou gente do piquete da frente, dizendo que o mesmo piquete estava tiroteando com as forças do Governo no Banhado Grande; que então o Monge mandou encilhar a cavalhada e saíram em disparada em direção ao Banhado Grande, vindo alguns a pé. Que momentos depois chegou em sua casa notícias, não sabendo quem as trouxe, que tinha se dado o combate e o Monge tinha morrido; que ele respondente e o Cel Fragoso que ainda se achava em sua casa, retirou-se às pressas levando o respondente sua família para o paiol de seu filho Alípio; que quando saía de sua casa passava o Cap Praxedes, a cavalo, com sangue em uma perna; que não conversou com este; que deixou sua casa aberta de onde roubaram muitos objetos seus”.

No dia 23, mandou “gente sua em sua casa e quando ali estavam, chegou um soldado da Polícia, disfarçado, dizendo-se alfaiate, e que estava com fome; que então deram-lhe o que comer e o ensinaram a estrada para a cidade; que as pessoas conhecidas suas que sabe, por ouvir dizer, que tomaram parte do combate foram somente José Fabrício, José Alves Perão e o filho de Bento Quitério que morreu; que as pessoas que morreram no combate, não são suas conhecidas ignorando por isso os seus nomes”.

O pessoal que seguiu José Maria no combate era em “número superior a cento e cinqüenta; que um indivíduo de nome José vindo de Capinzal de próprio do Cel Amazonas e do Comandante Pyhrro, contou ao depoente que um grupo com o Praxedes a frente tinha passado o Rio do Peixe, para Santa Catarina, e que o resto do pessoal, pode afirmar o respondente, que estão todos escondidos ou foragidos; supondo o respondente que José Fabrício e José Felisberto imigraram e por isso não se acham mais nessa zona; que o que sabe em relação é tão somente o que já disse”. [...]

Depois de encerrado o depoimento, Miguel comentou que havia presenteado José Maria com “uma guampa branca em a qual lê-se o seguinte: Santa Maria, 9 de agosto de 1912 e mais as suas iniciais que são MFN. Que o Monge na ocasião do combate montava um cavalo branco, cujo cavalo foi presenteado ao Monge pela senhora de Onofre Pereira, morador do Jacutinga. E que nada mais tem a declarar [...]”. (Processo do Irani-PI, fls 140b-143)


Prisão e julgamento
Principais momentos

- Miguel Fabrício das Neves e seu sobrinho Thomaz Fabrício das Neves são apresentados presos em Palmas-PR no dia 13 de abril de 1913
- Auto de qualificação. No dia 18 de abril de 1913, ainda em Palmas, foram levados “sob escolta” a sala de audiências do juízo para o auto de qualificação. Presente o juiz Júlio Abelardo Teixeira.
Miguel Fabrício das Neves, 63 anos, filho de José Fabrício das Neves, [outro José Fabrício, na época falecido] casado, lavrador, brasileiro, nascido em Passo Fundo-RS, sabe ler e escrever. (PI, fls 227b-230)

- No dia 28 de abril de 1913 Miguel e Thomaz foram novamente escoltados a audiência (julgamento).

- Terceira testemunha. Ireno Gonçalves da Rocha, 43, casado, lavrador, natural do Rio Grande do Sul, residente no município de Palmas, sabendo ler e escrever. Era primo da mulher de Miguel (Feliciana Gonçalves dos Santos) e de Clementino Gonçalves, “pelo que o juiz deixou de definir-lhe o compromisso legal e em seguida sobre os fatos constantes da denúncia”. Disse que em 21 de outubro de 1912, “indo ele, defronte a casa do denunciado Miguel Fabrício da Neves”, observou “um ajuntamento de pessoas quase todas estranhas”, tendo reconhcido “as seguintes: Miguel Fabrício das Neves, Thomaz Fabrício das Neves, José Felisberto, Paulo Ramos, Cândido [...] e João Belchior”.
Revelou que “sabe por ouvir dizer” que o ajuntamento era comandado por José Maria de Castro Agostinho e alguns detalhes do combate. Ajudou e tratou o alferes Sarmento, não esteve no reduto, nem participou do entrevero, mas ouviu dizer que José Fabrício “tomou parte no combate travado no Banhado Grande e esteve ao lado do monge”. Respondendo a uma pergunta do promotor, disse: “[...] sabe que o alferes Sarmento foi saqueado em um relógio e 100 mil réis”, o que Sarmento lhe contou. “Dada a palavra aos denunciados, declararam que nada tinham a contestar”. (PI, fls 236-237)

- Por “requerimento” do promotor a audiência foi suspensa, “devido a hora achar-se adiantada”. Os réus e testemunhas foram intimados para o dia seguinte. Testemunhas: João Antônio da Roza, João Pedroso de Camargo, Braz da Costa Varella e o coronel Domingos Soares. Réus: Miguel e Thomaz Fabrício das Neves. A nova audiência foi marcada para o dia seguinte, 29 de abril de 1913. (PI, fls 240)

(Segue)

* Foto publicada no Álbum comemorativo do cinquentenário do município de Joaçaba, de Alexandre Muniz de Queiroz. Curitiba: IP, 1967.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Valentini defende tese sobre a Lumber


"Atividades da Brazil Railway Company no sul do Brasil: a instalação da Lumber e a guerra na região do Contestado (1906-1916)" é o título da tese de doutorado que o professor Delmir Valentini defende na próxima segunda-feira, em Porto Alegre. "Estamos fazendo diversas novas revelações a respeito do conflito", destaca Delmir.

A banca será composta pelos professores doutores Núncia Santoro de Constantino (orientadora, PUC-RS), Marli Auras (UFSC), Maria Letícia M. Ferreira (UFPEL), Heliane Müller de Souza Nunes (PUCRS/FACE) e Cláudia Musa Fay (PUCRS/PPGH).

Data: 12/01/2009
Local: Prédio 03, na sala 307
Horário: 14 horas
Campus da PUC-RS (Porto Alegre)


As imagens foram encaminhadas pelo repórter-fotográfico J. L. Cibils para o Fragmentos do tempo, produzidas em 1992. É bem possível que as fotos em preto e branco tenham sido feitas pelo fotógrafo Claro Jansson, que por muitos anos viveu em Porto União-SC. É dele a maioria das fotos sobre a ferrovia do Contestado e as instalações e cotidiano da Lumber que circula por aí.

Almoxarifado da Lumber.

Armazem da empresa.

Sede da serraria da Lumber (Três Barras-SC).

Cartões-postais produzidos pela madeireira.

Extração mecanizada das toras de pinheiro e outras árvores.

Vales que substituíam a moeda nacional entre os funcionários da Lumber.

domingo, 4 de janeiro de 2009

José Fabrício das Neves (33)

Os papéis de Thomaz e Miguel Fabrício das Neves (1)

Thomaz e seus familiares. Irani, meados da década de 1920.
Acervo: Thomaz Oliveira Neves (Palmas-PR)


Sete dos 63 arrolados no inquérito aberto em Palmas no dia 23 de outubro de 1912, foram efetivamente condenados ao final do processo: José Fabrício das Neves, José Alves Perão (José Felisberto), Praxedes Gomes Damasceno (líder em Taquaruçu, Fraiburgo-SC), “Luiz de Tal filho de João Luiz”, Manoel Barreto, Emiliano Glória e “Maurílio de Tal, vulgo Pepino Branco”.

Miguel Fabrício das Neves, então com 64 anos de idade, e seu sobrinho Thomaz Fabrício das Neves, 37, irmão de José Fabrício das Neves, foram presos e conduzidos a Palmas pelo delegado de polícia Gonçalino Silva, aonde chegaram em 13 de abril de 1913, permanecendo 38 dias “a ferros”. Foram liberados em 21 de maio do mesmo ano.

Vamos nos deter um pouco nesses dois personagens, o tio e o sobrinho. Sobre o segundo (Thomaz) foi possível obter muitas informações, inclusive localizar muitos de seus descendentes no Paraná. Em relação ao primeiro (Miguel), permanece uma série de dúvidas, inclusive quanto a seu destino e dos descendentes.



Miguel Fabrício das Neves

Não era fácil assistir e alimentar toda aquela gente, os animais de montaria e carga, garantir cama e cobertura, dar conta dos dejetos e lixos. Aos que se juntavam para a luta, estava quem simplesmente buscava a atenção do monge José Maria, seus conselhos, receitas, rezas e missas.

Desde o dia 18 de outubro de 1912, quando o sobrinho Thomaz Fabrício apareceu com o grupo do monge, a propriedade de Miguel Fabrício das Neves fervilhava de gente. Alguns conhecidos, outros completamente estranhos. Mas ninguém deveria passar necessidade. Hospitalidade, uma característica ainda presente na região.

Com 64 anos, nascido na região de Passo Fundo, Miguel lutou na Revolução Federalista (1893-1895) e foi um dos muitos Fabrício que se juntaram aos Soares, aos Kades e a outras famílias, para ocupar os campos de Irani. Era uma região quase desabitada, localizada na zona “indicada pelo monge”, segundo Antônio Martins Fabrício das Neves.

Foi da casa dele que José Maria saiu com um grupo de homens, no amanhecer de 22 de outubro de 1912, para combater as forças do coronel João Gualberto. Miguel certamente não combateu, assim como o coronel Miguel Fragoso, mas forneceram a infra-estrutura e os homens que foram para o combate. Não entraram na luta porque não foi necessário. O efetivo de José Maria foi suficiente.

Assim que chegaram as primeiras notícias do resultado do combate, Miguel Fabrício e o coronel Miguel Fragoso se retiraram “às pressas”, encontrando no caminho Praxedes Gomes Damasceno, chamado de capitão Praxedes, a cavalo e com muito sangue em uma perna. Teria passado direto, sem falar com ninguém. Miguel foi se refugiar com a família num paiol de seu filho Alípio.

No caminho encontraram Emiliano Martins Moreira, 48 anos, viúvo, lavrador, que acompanhou o deslocamento da caravana formada por Miguel Fabrício e seus familiares, filhos e genros.

- Ele disse que ia de mudança para o outro lado do rio Jacutinga, porque o pessoal de José Maria tinha tido um encontro com as forças do Governo e que estavam brigando, teria dito Emiliano no depoimento.

Miguel, segundo Emiliano, estava com jeito de quem “havia corrido após o combate”.

Miguel Fabrício das Neves presenteou José Maria com uma guampa branca onde se lia o seguinte: “Santa Maria, 9 de agosto de 1912. MFN”.

Que Miguel Fabrício, também tendo sob suas ordens muita gente, deixou de comparecer ao combate, tendo na véspera destroncado um pé, dizem uns, por ocasião de fazer um reconhecimento”. “[...] dizem outras pessoas de casa e ele próprio, por ocasião de ir fazer uma visita a um seu parente”. “[...] tendo, porém, entrado em combate contra as forças legais e tomado nele parte saliente, os indivíduos que serviam sob suas ordens”. (Terceira conclusão. Relatório do Inquérito)


Thomaz Fabrício das Neves

Thomaz Fabrício das Neves foi ouvido durante a fase de inquérito pelo comissário Nascimento Sobrinho, no dia 20 de novembro de 1912, na residência do comerciante João Roza, no Faxinal dos Fabrício (Irani). O irmão de José Fabrício das Neves estava com 37 anos de idade, casado com Elíbia Fabrício das Neves, atuava como lavrador, era natural do Rio Grande do Sul e residente no Banhado Grande, “distante do local do combate 700 metros”.

Disse que no dia 14 de outubro de 1912, “chegou em sua casa um indivíduo de nome José Maria, intitulado Monge, acompanhado de cento e cinqüenta homens, uns a pé e outros a cavalo, e todos armados, dizendo andar a passeio e vindo de Curitibanos, entre eles recorda-se de um de nome Praxedes e que também o Monge trazia consigo doze indivíduos, bem montados, cujos nomes ignora, aos quais dava o título de 12 pares de França; que esses homens estiveram em sua casa durante quatro dias, retirando-se depois para a casa de Miguel Fabrício”.

Thomaz alegou que não sabia “o nome de nenhum dos homens que acompanhavam o Monge” e que seguira José Maria e seus homens na retirada para a casa de Miguel, retornando “no mesmo dia para sua casa”. No dia 21 de outubro, véspera do combate, ao chegar ao reduto, vira “ali o coronel Soares conferenciando com o Monge". Soube"ter ficado combinado a retirada do Monge com seu pessoal, no dia seguinte, para Campos Novos; que nessa ocasião não pode notar o número de pessoas que rodeavam o Monge, e que com pouca demora retirou-se para a sua casa”.

Nessa mesma noite de 21 de outubro de 1912, Thomaz “ouviu muito barulho na estrada, de cavaleiros e falas, e que ao amanhecer ouviu forte tiroteio, e, como as balas estivessem cruzando por cima de sua casa, retirou-se com sua família pela estrada vindo para a casa de João Roza, seu próximo, onde deixou sua família e foi se esconder no fundo do potreiro, que fica na direção do Banhado Grande [assinalado no original], não vendo por isso as pessoas que passavam na estrada”. De onde estava conseguia avistar a casa de João Roza, para onde retornou.

Afirmou ao comissário que permaneceu três dias em seu paiol, “vindo em sua casa e regressando no mesmo dia para o mesmo paiol de onde só regressou a tardinha”. Ali foi visitado por “seu cunhado Gabriel Fabrício, inspetor do Quarteirão”, que o convidou “para ir ajudar a enterrar os cadáveres”. Ao chegar no Banhado Grande “encontraram vinte e um cadáveres que ali deram sepultura”, entre os quais José Maria e o coronel João Gualberto e “que esses cadáveres apresentavam sinais de saque pois os bolsos se achavam todos virados para fora”.

Disse ignorar se moradores locais “tomaram ou não parte do combate”, garantindo que nesse dia, seu tio Miguel Fabrício se achava de cama com um pé destroncado. Por fim alegou “que devido a sua ignorância, nunca desconfiou que os planos de José Maria fossem reais; que nada mais pode informar [...]”. (Processo do Irani - fls 138-139)


Detalhe do baú que pertenceu a Thomaz Fabrício das Neves, exposto no Museu do Jagunço (Taquaruçu, Fraiburgo-SC) e que estava em poder de Sílvia Neves. Junto ao baú estão o garfo e faca de prata que teriam sido usados por José Maria por volta de 1911 (pertenceu a Maria Padilha e foi cedido ao Museu por Pedro Felisbino). A tesoura também teria sido usada por José Maria para cortar os cabelos dos caboclos (cedida ao Museu por Sérgio de Lorenzi).