quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

José Fabrício das Neves (46)

Detalhe de uma foto de José Fabrício.
Acervo: Reinaldo Antunes (Pinhão-PR).

A “espera” no vassoural

As lembranças do que aconteceu depois do retorno de Fabrício e Ruas das lutas em São Paulo e Paraná ainda estão presentes entre os descendentes do caudilho. Afonso, o filho mais velho de José Fabrício, estava com cerca de 16 anos quando o pai foi apanhado numa “espera”, o mesmo que tocaia ou emboscada. “Meu pai contava que pegaram o Fabrício numa emboscada numa ponte, fecharam os dois lados da ponte, como um alçapão”, destaca Assis Antunes das Neves. Fabrício e seus homens foram presos e amarrados e “depois mandaram o meu pai embora e ele já estava longe quando escutou os tiros”, acrescenta o filho de Afonso.

Gabriel Fabrício das Neves, já referido por sua participação no combate de Irani, emprestou a Marcelino Ruas alguns cavalos para que ele pudesse seguir com seus homens a São Paulo. Sabendo que ele se encontrava de volta, acampado nas imediações do atual trevo das rodovias BR-282 e BR-153, mandou que o filho Emílio acompanhasse o morador Tomás Freitas até o local para reaver a tropa. Agenor, filho de Emílio e neto de Gabriel, conta o que aconteceu. Ao chegar, Emílio e Tomás Freitas também foram detidos e viram José Fabrício e seus homens amarrados.

“No outro dia até o meio dia continuaram amarrados”, lembra Agenor. Seu pai e Freitas continuavam detidos. “E quando foi uma hora um cara pediu para o meu pai que estava com sede e pediu água”, conta. Emílio pediu um copo de água e ouviu como resposta um “não, bandido não toma água”. Passado algum tempo, mandaram que reunisse a tropa de Gabriel e a levasse embora. “E não olhem para trás”, alguém disse. Emílio pediu seu revólver, não deram, mas “ofereceram uma Winchester, meu pai não quis. Era bem novinho, um revólver que o meu avô tinha comprado em Curitiba”. Emílio e Tomás Freitas já haviam se afastado cerca de 100 metros quando “começou o tiroteio”. O primeiro fez menção de voltar, mas o segundo, mais velho, achou melhor ir embora “que matam nós”, destaca Agenor.

Num artigo publicado no jornal O Estado (Florianópolis-SC) em 24 de julho de 1983, Dante Martorano constrói uma cena peculiar da morte de José Fabrício, que teria sido “carregado como fera, atarraxado quase no lombo da mula cargueira”, “tangido foi para fora do acampamento de Ruas”. Tão logo fora preso, Fabrício e seus homens seguiram “escoltados por um destacamento cruzando os caminhos da Fazenda do Campo Comprido, de Pelegrino Silvestre”, passando a poucos quilômetros de onde as forças do caudilho (“como bicho amarrado”) estavam acampadas, recém retornadas de São Paulo e Paraná. Era “arrastado por seus próprios caminhos”, observa Martorano, onde “força alguma antes ousara enfrentá-lo”. Paisagem onde “a lâmina das armas” do caudilho “atestava o destemor, a violência e a arrogância de quem deixa atrás de si e de seus rastros, a legenda da bravura”.

Waldomiro Silva, já citado por suas informações precisas, informa que no retorno de São Paulo e Paraná, as forças de Marcelino e Fabrício acamparam nos campos de Irani, distantes cerca de seis quilômetros uma da outra. “Constou”, assinala, que Marcelino Ruas “mandou convidar” o caudilho e “seu Estado-Maior para uma visita ao acampamento, o que foi aceito, uma vez que ambos eram amigos e defendiam a mesma causa”. Fabrício e seus “cinco ou seis companheiros” foram presos ao chegar no acampamento e “conduzidos de volta uns seis quilômetros e fuzilados à margem do rio São João, no lugar denominado Caçadorzinho” (SILVA, 1987, p. 62-63).

Ferreira (1992, p. 63-64) observa que o batalhão de Fabrício estava acampado na Costa do Rio do Mato, “onde atualmente está instalada a Celulose Irani”, e que Marcelino, “argumentando que embora rivais, tornaram-se amigos ao defender a mesma causa”, teria mandado um mensageiro “convidar Fabrício para um churrasco na Fazenda Velha, onde poderiam conversar sobre o resultado da revolução”. Além disso, Ruas “passaria ‘boas novas’ sobre os antigos problemas de Fabrício com o Governo”.

O caudilho não sabia que estava indo em direção a uma emboscada, visando “acabar com os ‘restos de jagunços’, como se referia Ruas a Fabrício e seu grupo”. E ao se dirigir ao local combinado, acompanhado de “seus seguidores, foi cercado pelo grupo de Ruas e assassinado” (FERREIRA, 1992, p. 64). Segundo Agenor Antunes das Neves, alguém no caminho teria avisado que se tratava de uma espera, mas Fabrício não acreditou. “Apearam o amordaçado caudilho no lugar denominado Caçadorzinho, a uma légua mais ou menos do acampamento de Marcelino Ruas”. Retirados das mulas, ele e seus homens foram “amontoados” e “quem de longe ouviu tantos tiros imaginou o festivo fogo de saudações”. Porém, “das carnes de Fabrício e de seus homens que receberam o chumbo, esvaiu-lhes o sangue”, descreve Dante Martorano artigo citado.

Um dos homens de Marcelino era Luiz Adão Jacques. Sua filha, Ana Sílvia Jacques, contou a Antenor Ferreira que cerca de 50 homens aguardaram a chegada de Fabrício, escondidos num “vassoural na beira do caminho”. O caudilho estaria com cerca de 15 homens e foi tomado de surpresa, sem “possibilitar reação”, sendo desarmando. Ruas teria dito que Fabrício “pagaria pelo jaguncismo que praticou na região ao lado de José Maria”. O caudilho afirmou não ter “medo de morrer, que não precisava de cerimônias e que podia atirar”. Um dos homens de Ruas passou o laço de um arreio no pescoço dos homens, “conduzidos às margens do rio Irani, distante mais ou menos 300 metros, onde após libertarem alguns dos acompanhantes de Fabrício, fuzilaram-no no barranco do rio, juntamente com sete companheiros” (FERREIRA, 1992, p. 65).


Frei Tambosi anotou em suas Crônicas da Capela de Engenho Velho que Fabrício estava acompanhado de “seis valentes” quando foi “preso e fuzilado. Diz-se que ao ser baleado deu uma gargalhada, pois queria morrer como valente. E em seguida foi decapitado, não se encontrando mais a cabeça” (TAMBOSI, 1941). José Gomes lembra do aviso dado por Guilherme Rossato para que Fabrício não deixasse “o couro por lá”, como já foi citado. Na ocasião, o caudilho teria dito: “Não tem perigo, os sujeitos são meus amigos. E foi onde ele caiu. Caiu friamente. Acabou o Fabrício”, assinala.

Ferreira (1992, p. 65) ouviu de Sílvia Jacques que Fabrício fora degolado e sua cabeça “levada para Herval do Oeste”, de onde, “pelo trem, foi mandada para Curitiba à viúva do coronel João Gualberto”. Ela teria prometido 40 contos “pela cabeça do assassino do marido”. Outro autor afirma: “Conta-se que a viúva do coronel João Gualberto prometera 40 contos a quem lhe entregasse a cabeça do traidor de seu falecido marido”. O responsável por sua morte, “José Ruas”, segundo frei Tambosi, que era “parente mas inimizado com Fabrício, quis provavelmente receber o prêmio, fugindo em seguida para a Argentina” (TAMBOSI, 1941).

José Gomes, residente em Colombo-PR.

“A mulher do falecido João Gualberto pagou os Ruas para prenderem ele, foi o que eles inventaram lá em Joaçaba, um churrasco”, conta José Gomes. “Levaram a cabeça pra viúva pra provar que estava morto, e daí a viúva mandou levar de volta, botar junto com o corpo dele, onde foi enterrado”, acrescenta, não havendo confirmação de que a devolução tenha sido feita. Segundo Antônio Fabrício das Neves, “o certo da morte dele [José Fabrício] mesmo, diziam eles que era uma vingança, uma empreitada”, contratada pela citada viúva. “Agora se é verdade ou não é eu não sei, segundo o que contavam era isso”.

Dante Martorano, no mesmo artigo, assegura que a notícia da morte do caudilho “andou pelo Brasil”. Ao Palácio do Governo, em Florianópolis, “chegaram telegramas candentes de recriminações e de revolta”, sobretudo pela maneira como tudo ocorreu. Observa que “até do marechal Rondon, veio via telégrafo, a repulsa à traição e ao assassinato de José Fabrício das Neves”. Rondon, segundo Martorano, teria se referido assim a Fabrício: “Valente em armas como o Exército Nacional, na sustentação da legalidade personificada no governo do Presidente da República – Arthur Bernardes”.


Referências

FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia: o rastro de sua história. Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992.

SILVA, José Waldomiro. O Oeste Catarinens: memórias de um pioneiro. Florianópolis: Edição do Autor, 1987.

TAMBOSI, Valentin. Livro de Crônicas para a Capela de Nossa Senhora Aparecida de Engenho Velho. Paróquia N. S. do Rosário, Concórdia, Diocese de Lages. [1941]. 50f. [manuscrito]. (Fotocópia das primeiras páginas cedida por José Puntel. Concórdia, abril
2007).



O TÚMULO DE JOSÉ FABRÍCIO DAS NEVES

Repórter-fotográfico Marco Cezar registra o
túmulo de José Fabrício das Neves e seus homens,
localizado na margem direita do rio Irani
(município de Vargem Bonita-SC)
.

Detalhes do túmulo de José Fabrício: um
retangulo de taipa com cerca de 3x11 metros.

Trecho do rio Irani, próximo ao túmulo.

O repórter-cinematográfico Marco Nascimento
se dirigeao local do túmulo e grava imagens
dos butieiros que assinalam a localização.


Nenhum comentário:

Postar um comentário