parede na casa da família Machado - interior de Vargem Bonita-SC.
Cenários e personagens de uma emboscada
Vamos conhecer algumas pessoas e situações relacionadas diretamente com a emboscada e morte de José Fabrício das Neves, ocorrida em janeiro de 1925 - aparentemente no dia 29. Os capítulos "Os Ruas" e "A compra da Fazenda Velha" foram publicados (com pequenas alterações) no livro "O mato do tigre e o campo do gato - José Fabrício das Neves e o combate do Irani" (Florianópolis: Insular, 2007).
Além disso, são reproduzidas as cinco páginas do contrato de compra e venda de uma fazenda entre os Ruas e José Fabrício, negócio apontado como um dos motivos da emboscada. O valor da transação nos dá uma idéia da riqueza acumulada por José Fabrício, um antigo maragato de 1893 e "jacunço" do Contestado, alçado a condição de "coronel". Ele controlava toda a região dos atuais municípios de Concórdia, Arabutã e Itá, entre outros, com iarticulação e nfluência em Campos Novos, todos em Santa Catarina, e cidades do Rio Grande do Sul e do Paraná.
Simão Ruas e Marcelino Ruas são citados como “pioneiros” de Joaçaba por Alexandre Muniz de Queiroz (QUEIROZ, 1967, p. 212), sendo comerciantes. Simão, “comerciante e comprador de erva-mate”, morava na margem direita do rio do Peixe, no lado oposto a então Estação Capinzal, desde os tempos em que a região pertencia ao Paraná. “O acesso era por uma balsa, tocada por Afonsinho Silva”, recorda Waldomiro Silva. Seu irmão, Francisco, conhecido por Chico Ruas, morava nas imediações (SILVA, 1987, p. 20).
Marcelino se casou com Elvira Pedrini, filha do coronel Pedrini Primo Biggin, de origem italiana, comerciante e um dos mais antigos moradores de Joaçaba. Outro filho de Biggin, Roberto Pedrini, se casou com Benvinda Ruas (QUEIROZ, 1967, p. 45). Chico Ruas seria mais tarde sogro desse mesmo Roberto. Pouco depois chegou de Passo Fundo-RS, Thomaz Camilo Ruas, “que tomou conta da casa comercial e compra de erva-mate”, enquanto Simão “viajava constantemente para o Rio Grande do Sul e Argentina” a negócios (SILVA, 1987, p. 21).
José Waldomiro Silva acompanhou de perto essa movimentação comercial, pois na época trabalhava como “caixeiro ou balconista do sr. Simão Ruas, onde também era empregado o caboclo Antônio de Oliveira, vulgo Antônio Lambança”. Simão “foi homem de muita sorte, pois chegou a acertar por duas vezes na loteria e ganhar o prêmio maior, que na época era de 50 contos de réis”, vindo se tornar um “grande empresário de erva-mate e proprietário de grandes fazendas (ervais)”, inclusive no Paraná, na localidade de Covó e município de Mangueirinha, na região de Clevelândia.
Mais tarde, por volta de 1921, Simão e seus irmãos adquiriram as casas, armazéns e outras instalações de Eugênio Lamaison, em Limeira (Joaçaba), que atuava no ramo de compra e venda da erva-mate. Simão construiu no local “a primeira casa de material” em Erval”, próximo a ponte Jorge Lacerda, com dois pavimentos, “onde residiu com sua família e manteve escritório no andar térreo”. Simão, entretanto, ao mesmo tempo que ganhava muito dinheiro, “gostava muito de corridas de cavalo e também de jogo de pôquer, talvez uma das razões de ter morrido em dificuldades financeiras (pobre)” (SILVA, 1987, p. 21).
Na época em que inaugurou o estabelecimento, um cidadão de Porto União também se instalou na cidade e no mesmo ramo de erva-mate, abrindo seu negócio na casa e ferraria de João Perez, na região central do atual município de Joaçaba. “Para evitar concorrência”, conta José Waldomiro, “a firma Ruas começou a pressionar o concorrente”, que não se intimidou e prosseguiu com a empresa. Certo dia, os “rapazes dos Ruas”, segundo o citado autor, “armados de winchesteres e revólveres”, atacaram o escritório do concorrente e, “em número de cinco ou seis, entre os quais o de nome Nefre que tinha fama de bem bom”.
O comerciante de Porto União já esperava o ataque e assim que o grupo agressor chegou, “vindo da Empresa Ruas”, foi recebido à bala, “travando-se a seguir violento tiroteio, tendo os agressores se retirado com dois feridos”. Ninguém morreu, mas cinco ou seis pessoas de ambos os lados saíram feridas e “a vista disso, o moço de Porto União resolveu desistir de comprar erva-mate em Limeira” (SILVA, 1987, p. 39-40).
A memória oral em Irani registra a presença de uma fazenda como motivo das divergências entre Marcelino Ruas e José Fabrício. “Os irmãos Ruas lá de Limeira se davam bem com ele [Fabrício], depois eu sei lá o que, eles se desentenderam, então ficaram de contra, por causa de terra”, diz Antônio Fabrício das Neves, que cita a presença de uma “sociedade” e uma “fazenda”, “banco”, “dinheiro dos bois”. Os Ruas, segundo Antônio, “só vinham aqui pra querer matá ele, como de fato mataram. Não sei qual era o motivo, mas era por causa do terreno”.
Agenor Antunes das Neves acrescenta outras informações. Fabrício teria adquirido de Marcelino Ruas uma fazenda, “mas ele [Marcelino] não contou que era hipotecada” e “quando estava quase terminando de fazer o pagamento, faltava pouco, ele não podia, ele já tinha gastado o dinheiro, e diz que tinha de desempenhorar a fazenda”, ou seja, retirá-la da penhora em que se encontraria junto a algum banco. Agenor diz que para efetuar o pagamento da fazenda, Fabrício “derrubava não sei quantas mil toras por mês”, despachadas pelo rio Uruguai até São Tomé, na Argentina. Fabrício “pegava o recurso e ia pagar pro Ruas”, garante.
As falas de Antônio e Agenor fazem mais sentido quando examinamos um “Contrato de promessa de compra e venda”, assinado entre os proprietários da Simão Ruas & Cia, “industriais estabelecidos na Estação de Erval”, e “o comprador o cidadão Jozé Fabrício das Neves, casado, fazendeiro e residente em sua fazenda denominada Laranjeira”. O documento foi lavrado e assinado no dia 15 de junho de 1924, no Cartório de Paz do Distrito de Sertãzinho, município de Cruzeiro (Joaçaba), sob a guarda do Cartório de Paz de Irani. Como representante da firma Simão Ruas & Cia aparece Marcelino Camilo Ruas, “residente em Erval”.
O contrato possui 12 cláusulas. A primeira especifica o objeto de compra – a Fazenda Velha, “parte da Fazenda Irani”, com 21 milhões de metros quadrados – e define os limites do imóvel. A segunda estabelece o preço em seis contos de réis o milhão de metros quadrados e a terceira, quarta e quinta detalham a forma de pagamento. A primeira prestação, a ser paga em 30 dias, seria em terras e José Fabrício deveria entregar aos Ruas a escritura de compra e venda obtida da Companhia São Paulo-Rio Grande, num total de 12 colônias. Elas deveriam ser “escolhidas pelos outorgantes”, ou seja os irmãos Ruas.
A segunda prestação deveria ser paga até o dia 30 de agosto seguinte (1924), correspondente a “200 vigas de cedro classificados de primeira qualidade para exportação e com uma média de setenta centímetros de diâmetro da ponta fina”, e 23 palmos de comprimento, organizadas em duas balsas, atadas e em “condições de viajar para São Thomé”. Elas deveriam ser entregues “no porto da sede da colônia Itá”. Essa segunda prestação previa a entrega de “porco gordo”, no valor equivalente a cinco contos de réis. A mercadoria devia ser deixada na Estação de Erval até o dia 15 de agosto daquele mesmo ano. Os porcos seriam “pesados vivos” e cada quilo equivaleria a 1.200 réis.
A terceira prestação da compra da Fazenda Velha, a ser paga até 15 de setembro daquele ano de 1924, seria em 300 vigas de cedro (40 mil réis por unidade), com as mesmas dimensões das citadas anteriormente, e teriam que ser deixadas nas barrancas do rio Uruguai. O restante do pagamento, segundo o contrato, “será dividido em dez prestações iguais em madeira de cedro e louro”, em vigas, a ser feito a cada trimestre.
A sexta cláusula do referido contrato previa que os Ruas “obrigam-se” a emitir “recibo bem claro de todas as prestações que este [Fabrício] for efetuando em madeiras, porcos ou dinheiro”. Ao final dos pagamentos, os Ruas estariam obrigados a entregar a “competente e pública escritura de venda”. A cláusula seguinte (sétima), estabelece que na entrega da escritura, José Fabrício devolveria aos Ruas “os valores correspondentes ao imposto territorial que estes houverem pago, de esta data a data em que for escriturada”.
José Fabrício poderia usufruir o imóvel desde o momento da assinatura do contrato (15 de junho de 1924) e em caso do não pagamento de uma das prestações, teria 90 dias para fazê-lo. Se deixasse de quitar a dívida, o contrato ficaria anulado (cláusulas oitava e nona). Se os Ruas não cumprissem o previsto no contrato, deveriam indenizar Fabrício com o dobro das prestações pagas até o momento em que surgisse o problema (cláusula décima). O contrato teria vigor por dois anos e meio e caso o pagamento integral fosse efetuado dentro de um ano, haveria um desconto de 10%, segundo a cláusula décima primeira.
Por fim, prevê a 12ª cláusula, os 21 milhões de metros quadrados da Fazenda Velha custariam um total de 126 contos de réis. A assinatura do contrato entre José Fabrício e Marcelino Ruas (Simão Ruas & Cia), foi testemunhada por Sílvio Neves Bley, e Dinarte José Antunes, que também assina o documento. Não foi possível prosseguir as pesquisas e acompanhar os detalhes do cumprimento desse contrato, estando disponível num primeiro momento apenas parte da memória oral e escrita e outras informações daqueles tempos.
Neto de José Fabrício das Neves, residente em Pinhão-PR, Assis Antunes das Neves também garante que seu avô pagou rigorosamente as prestações. Essa informação ele ouviu mais de uma vez de seu pai, Afonso Antunes das Neves. “O José Fabrício comprou os campos do Irani, pagou o combinado, mas o Marcelino Ruas não tinha como dar a escritura por causa da penhora no banco”, explica Assis. “A única saída dele era matar o Fabrício e os capangas dele”, pois caso contrário seria morto. Afinal, seu avô “lidava com erva-mate, madeira, porco, tinha armazém, trabalhava com muita gente, dava serviço para muita gente. E ele tinha o povo das batalhas e o povo que trabalhava", garante.
Agenor Antunes das Neves é primo de Assis, os dois nunca se conheceram, mas a versão deles é semelhante, ou seja, Marcelino Ruas ficou sem saída. “Ele sabia que o Fabrício tinha muita gente lá, tinha gente da pesada”, então “fizeram essa emboscada”. Em outro momento da entrevista enfatiza: “Ele [Fabrício] tinha muitos capangas, se trouxesse virava em nada os Ruas”, observa Assis.
Referências
QUEIROZ, Alexandre Muniz de. Álbum comemorativo do centenário do município de Joaçaba. Joaçaba: IP-Paraná, 1967.
SILVA, José Waldomiro. O Oeste Catarinens: memórias de um pioneiro. Florianópolis: Edição do Autor, 1987.
Além disso, são reproduzidas as cinco páginas do contrato de compra e venda de uma fazenda entre os Ruas e José Fabrício, negócio apontado como um dos motivos da emboscada. O valor da transação nos dá uma idéia da riqueza acumulada por José Fabrício, um antigo maragato de 1893 e "jacunço" do Contestado, alçado a condição de "coronel". Ele controlava toda a região dos atuais municípios de Concórdia, Arabutã e Itá, entre outros, com iarticulação e nfluência em Campos Novos, todos em Santa Catarina, e cidades do Rio Grande do Sul e do Paraná.
Os Ruas
Simão Ruas e Marcelino Ruas são citados como “pioneiros” de Joaçaba por Alexandre Muniz de Queiroz (QUEIROZ, 1967, p. 212), sendo comerciantes. Simão, “comerciante e comprador de erva-mate”, morava na margem direita do rio do Peixe, no lado oposto a então Estação Capinzal, desde os tempos em que a região pertencia ao Paraná. “O acesso era por uma balsa, tocada por Afonsinho Silva”, recorda Waldomiro Silva. Seu irmão, Francisco, conhecido por Chico Ruas, morava nas imediações (SILVA, 1987, p. 20).
Marcelino se casou com Elvira Pedrini, filha do coronel Pedrini Primo Biggin, de origem italiana, comerciante e um dos mais antigos moradores de Joaçaba. Outro filho de Biggin, Roberto Pedrini, se casou com Benvinda Ruas (QUEIROZ, 1967, p. 45). Chico Ruas seria mais tarde sogro desse mesmo Roberto. Pouco depois chegou de Passo Fundo-RS, Thomaz Camilo Ruas, “que tomou conta da casa comercial e compra de erva-mate”, enquanto Simão “viajava constantemente para o Rio Grande do Sul e Argentina” a negócios (SILVA, 1987, p. 21).
José Waldomiro Silva acompanhou de perto essa movimentação comercial, pois na época trabalhava como “caixeiro ou balconista do sr. Simão Ruas, onde também era empregado o caboclo Antônio de Oliveira, vulgo Antônio Lambança”. Simão “foi homem de muita sorte, pois chegou a acertar por duas vezes na loteria e ganhar o prêmio maior, que na época era de 50 contos de réis”, vindo se tornar um “grande empresário de erva-mate e proprietário de grandes fazendas (ervais)”, inclusive no Paraná, na localidade de Covó e município de Mangueirinha, na região de Clevelândia.
Mais tarde, por volta de 1921, Simão e seus irmãos adquiriram as casas, armazéns e outras instalações de Eugênio Lamaison, em Limeira (Joaçaba), que atuava no ramo de compra e venda da erva-mate. Simão construiu no local “a primeira casa de material” em Erval”, próximo a ponte Jorge Lacerda, com dois pavimentos, “onde residiu com sua família e manteve escritório no andar térreo”. Simão, entretanto, ao mesmo tempo que ganhava muito dinheiro, “gostava muito de corridas de cavalo e também de jogo de pôquer, talvez uma das razões de ter morrido em dificuldades financeiras (pobre)” (SILVA, 1987, p. 21).
Na época em que inaugurou o estabelecimento, um cidadão de Porto União também se instalou na cidade e no mesmo ramo de erva-mate, abrindo seu negócio na casa e ferraria de João Perez, na região central do atual município de Joaçaba. “Para evitar concorrência”, conta José Waldomiro, “a firma Ruas começou a pressionar o concorrente”, que não se intimidou e prosseguiu com a empresa. Certo dia, os “rapazes dos Ruas”, segundo o citado autor, “armados de winchesteres e revólveres”, atacaram o escritório do concorrente e, “em número de cinco ou seis, entre os quais o de nome Nefre que tinha fama de bem bom”.
O comerciante de Porto União já esperava o ataque e assim que o grupo agressor chegou, “vindo da Empresa Ruas”, foi recebido à bala, “travando-se a seguir violento tiroteio, tendo os agressores se retirado com dois feridos”. Ninguém morreu, mas cinco ou seis pessoas de ambos os lados saíram feridas e “a vista disso, o moço de Porto União resolveu desistir de comprar erva-mate em Limeira” (SILVA, 1987, p. 39-40).
A compra da Fazenda Velha
A memória oral em Irani registra a presença de uma fazenda como motivo das divergências entre Marcelino Ruas e José Fabrício. “Os irmãos Ruas lá de Limeira se davam bem com ele [Fabrício], depois eu sei lá o que, eles se desentenderam, então ficaram de contra, por causa de terra”, diz Antônio Fabrício das Neves, que cita a presença de uma “sociedade” e uma “fazenda”, “banco”, “dinheiro dos bois”. Os Ruas, segundo Antônio, “só vinham aqui pra querer matá ele, como de fato mataram. Não sei qual era o motivo, mas era por causa do terreno”.
Agenor Antunes das Neves acrescenta outras informações. Fabrício teria adquirido de Marcelino Ruas uma fazenda, “mas ele [Marcelino] não contou que era hipotecada” e “quando estava quase terminando de fazer o pagamento, faltava pouco, ele não podia, ele já tinha gastado o dinheiro, e diz que tinha de desempenhorar a fazenda”, ou seja, retirá-la da penhora em que se encontraria junto a algum banco. Agenor diz que para efetuar o pagamento da fazenda, Fabrício “derrubava não sei quantas mil toras por mês”, despachadas pelo rio Uruguai até São Tomé, na Argentina. Fabrício “pegava o recurso e ia pagar pro Ruas”, garante.
As falas de Antônio e Agenor fazem mais sentido quando examinamos um “Contrato de promessa de compra e venda”, assinado entre os proprietários da Simão Ruas & Cia, “industriais estabelecidos na Estação de Erval”, e “o comprador o cidadão Jozé Fabrício das Neves, casado, fazendeiro e residente em sua fazenda denominada Laranjeira”. O documento foi lavrado e assinado no dia 15 de junho de 1924, no Cartório de Paz do Distrito de Sertãzinho, município de Cruzeiro (Joaçaba), sob a guarda do Cartório de Paz de Irani. Como representante da firma Simão Ruas & Cia aparece Marcelino Camilo Ruas, “residente em Erval”.
O contrato possui 12 cláusulas. A primeira especifica o objeto de compra – a Fazenda Velha, “parte da Fazenda Irani”, com 21 milhões de metros quadrados – e define os limites do imóvel. A segunda estabelece o preço em seis contos de réis o milhão de metros quadrados e a terceira, quarta e quinta detalham a forma de pagamento. A primeira prestação, a ser paga em 30 dias, seria em terras e José Fabrício deveria entregar aos Ruas a escritura de compra e venda obtida da Companhia São Paulo-Rio Grande, num total de 12 colônias. Elas deveriam ser “escolhidas pelos outorgantes”, ou seja os irmãos Ruas.
A segunda prestação deveria ser paga até o dia 30 de agosto seguinte (1924), correspondente a “200 vigas de cedro classificados de primeira qualidade para exportação e com uma média de setenta centímetros de diâmetro da ponta fina”, e 23 palmos de comprimento, organizadas em duas balsas, atadas e em “condições de viajar para São Thomé”. Elas deveriam ser entregues “no porto da sede da colônia Itá”. Essa segunda prestação previa a entrega de “porco gordo”, no valor equivalente a cinco contos de réis. A mercadoria devia ser deixada na Estação de Erval até o dia 15 de agosto daquele mesmo ano. Os porcos seriam “pesados vivos” e cada quilo equivaleria a 1.200 réis.
A terceira prestação da compra da Fazenda Velha, a ser paga até 15 de setembro daquele ano de 1924, seria em 300 vigas de cedro (40 mil réis por unidade), com as mesmas dimensões das citadas anteriormente, e teriam que ser deixadas nas barrancas do rio Uruguai. O restante do pagamento, segundo o contrato, “será dividido em dez prestações iguais em madeira de cedro e louro”, em vigas, a ser feito a cada trimestre.
A sexta cláusula do referido contrato previa que os Ruas “obrigam-se” a emitir “recibo bem claro de todas as prestações que este [Fabrício] for efetuando em madeiras, porcos ou dinheiro”. Ao final dos pagamentos, os Ruas estariam obrigados a entregar a “competente e pública escritura de venda”. A cláusula seguinte (sétima), estabelece que na entrega da escritura, José Fabrício devolveria aos Ruas “os valores correspondentes ao imposto territorial que estes houverem pago, de esta data a data em que for escriturada”.
José Fabrício poderia usufruir o imóvel desde o momento da assinatura do contrato (15 de junho de 1924) e em caso do não pagamento de uma das prestações, teria 90 dias para fazê-lo. Se deixasse de quitar a dívida, o contrato ficaria anulado (cláusulas oitava e nona). Se os Ruas não cumprissem o previsto no contrato, deveriam indenizar Fabrício com o dobro das prestações pagas até o momento em que surgisse o problema (cláusula décima). O contrato teria vigor por dois anos e meio e caso o pagamento integral fosse efetuado dentro de um ano, haveria um desconto de 10%, segundo a cláusula décima primeira.
Por fim, prevê a 12ª cláusula, os 21 milhões de metros quadrados da Fazenda Velha custariam um total de 126 contos de réis. A assinatura do contrato entre José Fabrício e Marcelino Ruas (Simão Ruas & Cia), foi testemunhada por Sílvio Neves Bley, e Dinarte José Antunes, que também assina o documento. Não foi possível prosseguir as pesquisas e acompanhar os detalhes do cumprimento desse contrato, estando disponível num primeiro momento apenas parte da memória oral e escrita e outras informações daqueles tempos.
Neto de José Fabrício das Neves, residente em Pinhão-PR, Assis Antunes das Neves também garante que seu avô pagou rigorosamente as prestações. Essa informação ele ouviu mais de uma vez de seu pai, Afonso Antunes das Neves. “O José Fabrício comprou os campos do Irani, pagou o combinado, mas o Marcelino Ruas não tinha como dar a escritura por causa da penhora no banco”, explica Assis. “A única saída dele era matar o Fabrício e os capangas dele”, pois caso contrário seria morto. Afinal, seu avô “lidava com erva-mate, madeira, porco, tinha armazém, trabalhava com muita gente, dava serviço para muita gente. E ele tinha o povo das batalhas e o povo que trabalhava", garante.
Agenor Antunes das Neves é primo de Assis, os dois nunca se conheceram, mas a versão deles é semelhante, ou seja, Marcelino Ruas ficou sem saída. “Ele sabia que o Fabrício tinha muita gente lá, tinha gente da pesada”, então “fizeram essa emboscada”. Em outro momento da entrevista enfatiza: “Ele [Fabrício] tinha muitos capangas, se trouxesse virava em nada os Ruas”, observa Assis.
Referências
QUEIROZ, Alexandre Muniz de. Álbum comemorativo do centenário do município de Joaçaba. Joaçaba: IP-Paraná, 1967.
SILVA, José Waldomiro. O Oeste Catarinens: memórias de um pioneiro. Florianópolis: Edição do Autor, 1987.
Contrato de compra e venda da Fazenda Velha
(Irani-SC), assinado no dia 15 de junho de 1924,
no Cartório de Paz do Distrito de Sertãzinho,
município então de Cruzeiro (Joaçaba-SC)
(Irani-SC), assinado no dia 15 de junho de 1924,
no Cartório de Paz do Distrito de Sertãzinho,
município então de Cruzeiro (Joaçaba-SC)
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O documento original se encontra no Cartório do Irani
(Irani-SC). Livro de Notas aberto em 7 de maio de 1918.
As cinco folhas foram copiadas e autenticadas.
(Irani-SC). Livro de Notas aberto em 7 de maio de 1918.
As cinco folhas foram copiadas e autenticadas.
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