Cuidados com um sepultamento
Lançados num poço ou parte mais profunda do rio Irani, os corpos de José Fabrício das Neves e seus homens só foram retirados e enterrados cerca de seis dias depois da emboscada que resultou em mortes e degolas. O enterro foi providenciado por Thomaz Fabrício das Neves, irmão de José Fabrício por parte de mãe, com a ajuda de João Damas Fabrício das Neves, conta o filho Antônio Martins Fabrício das Neves, junto com "outros Fabrício".
Depois que Marcelino Ruas e seus homens se retiraram, “foram procurar, acharam ele jogado dentro da água”, junto com os demais, segundo Antônio. Em março de 2007, o túmulo retangular cercado de taipa, com cerca de três por onze metros, estava coberto pela vegetação e por isso de difícil localização. Junto há uma cruz de madeira, muito antiga. “Esse Thomaz Fabrício plantou flores, tem roseiras lá da grossura desse cano, subiu nas árvores, então floresce as árvores em cima”, acrescenta Antônio.
Depois que Marcelino Ruas e seus homens se retiraram, “foram procurar, acharam ele jogado dentro da água”, junto com os demais, segundo Antônio. Em março de 2007, o túmulo retangular cercado de taipa, com cerca de três por onze metros, estava coberto pela vegetação e por isso de difícil localização. Junto há uma cruz de madeira, muito antiga. “Esse Thomaz Fabrício plantou flores, tem roseiras lá da grossura desse cano, subiu nas árvores, então floresce as árvores em cima”, acrescenta Antônio.
Estado-maior de José Fabrício das Neves em dia de festa.
Catanduvas-SC, 1919. Acervo: Cecília Boroski (Concórdia-SC).
Catanduvas-SC, 1919. Acervo: Cecília Boroski (Concórdia-SC).
As roseiras continuam no local, próximo a ponte da BR-153 sobre o rio Irani, com acesso dificultado devido a extensão de uma cerca de arame farpado até o curso d’água. Ali, José Fabrício das Neves foi colocado numa cova separada. Em outra cova, um pouco maior, seus principais auxiliares. Um deles, Agostinho Ferreira, aparece de terno e gravata em uma foto ao lado de José Fabrício. José Gomes informa que nas ausências do caudilho, ele assumia o comando das atividades. “Era um homem muito bom, deixou lembrança para muita gente”, salienta Gomes.
Na foto já referida, também de terno e gravata, ao lado de Agostinho, está Cesário de Mattos, um dos “três irmãos Cesário” citados por Antônio das Neves. Eles teriam ficado juntos no túmulo e sobre os quais existem poucas informações, além de que seriam homens de extrema confiança de Fabrício. Outro que foi degolado e enterrado no mesmo túmulo é Teobaldo Madeira.
“Dentre os mortos”, informa outra fonte, estava Augustinho Frederico Wilke, “que se achava em Fragosos quando da visita do Sr. Victor Rauen a Itá em 1923”. (SILVA, 1987, p. 63) Paulo Antunes das Neves, neto de José Fabrício e filho de Afonso, residente em Pinhão-PR, diz que Wilke era conhecido por “Augustinho Pitoco”, um “segurança” do caudilho, e que teria sido o autor da morte do monge Nemézio, citado anteriormente.
No local podem estar sepultadas outras pessoas, mas foram esses os nomes que ficaram na memória oral ou registros escritos. Durante muitos anos o túmulo foi visitado por amigos e familiares. A vegetação era retirada periodicamente e a cruz de madeira substituída ao envelhecer, entre outros cuidados. Entre os que visitavam o túmulo, estava Vicente Lemos das Neves, casado com Francisca Martins Fabrício, que levava a família ao local pelo menos uma vez por ano, sempre em 20 de março, a data em que, na memória de Elvira Dalla Costa, filha do casal, seu antepassado teria morrido.
Nessas ocasiões, levavam muitos biscoitos, doces variados e vidrinhos com água, “porque eles morreram com sede e com fome”, diz dona Elvira. Estendiam uma “lona ou manta” no chão para que todos pudessem se acomodar e passavam o dia ali rezando. “O pai mandava levar foice para limpar o cemitério”, assinala. Certo dia, uma irmã de Elvira, Terezinha, se engasgou com um pedaço de casca de milho de pipoca e o pai mandou que ela fosse até o túmulo de José Fabrício. “O pai falava que aquelas águas”, armazenadas nos vidrinhos e que ficavam no local, eram “milagrosas, curavam qualquer coisa que se queira curar”.
Quando fomos ao Irani-SC pela primeira vez, em março de 2007, buscando os rastros da participação de José Fabrício das Neves no combate inicial do movimento do Contestado, tinha em mente a localização de seu túmulo. Antônio Martins Fabrício das Neves, numa entrevista ao Museu Histórico de Concórdia (Concórdia-SC), faz diversas referências a esse túmulo, ao pé de roseira que foi plantado no local e sua localização nas margens do rio Irani, próximo a uma ponte.
Depois de conversar com Vicente Telles e almoçar num restaurante junto ao trevo das rodovias BR-282 e BR-153, decidimos eu e Margaret Grando procurar por conta própria o túmulo. Seguimos na direção da ponte sobre o rio Irani pela SC-282, a mesma que liga a Capital do Estado, Florianópolis, ao Extremo-Oeste catarinense, na fronteira com a Argentina. Ao desembarcar do carro e observar o local, notei a falta de alguns elementos descritos pelo sr Antônio. Talvez não fosse alí, pensamos.
Avistamos um grupo de pessoas próximo a um restaurante e nos dirigimos até elas.
- Boa tarde!
- Boa tarde! Podem chegar.
- Tudo bem com o senhor?
- Tudo bem enquanto estivermos apertando as mãos.
Explicamos a ele nosso interesse, a localização do túmulo de José Fabrício das Neves.
- Mas não é nessa ponte...! Fica perto da ponte sobre o rio Irani na BR-153 - a famosa Transbrasiliana.
Ele se dispôs a nos acompanhar até o local. Foi até sua casa, colocou botas e um facão na cintura.
- Vamos lá!
O carro ficou estacionado próximo a ponte, com o pisca-alerta ligado. Tivemos que nos esgueirar por uma cerca de arame-farpado para entrar na área da Celulose Irani e alcançar a margem do rio. Seguimos por dentro da densa mata ciliar.
- Se a gente for por aqui não tem como não achar...
E seguimos. Com o facão ele abria caminho. As árvores encobriam o sol das 15 horas diminuindo o calor. Havia uma profusão de flores nativas, orquídeas, bromélias e outras espécies pelo caminho. Cerca de 400 a 500 metros a frente ele ficou em dúvida, olhou para os lados, mas seguiu em frente. Os pássaros trinavam.
- Chegamos!
Foi então que avistamos pela primeira vez um retângulo de taipa escondido entre árvores de médio e grande portes. Uma cruz de madeira esverdeada por musgos assinala o local. Ao lado uma vela apagada. Mais a frente restos de velas derretidas. Sinais de que o túmulo continua sendo visitado. Margaret tratou de medir com passos a área: três por onze metros, aproximadamente.
- Vem muita gente pescar aqui, informa o senhor que nos levou até o local.
De fato, existem lixos em vários pontos e uma área sem vegetação junto ao rio. Também há um pé de louro tombado, escavado em vários pontos para ganhar placas sem nenhuma inscrição.
- Dizem que cada placa é para um morto...
Permanecemos no local por cerca de meia hora, fizemos fotos e fomos embora. Nossa missão por aqueles dias estava cumprida. Não retornamos pela mesma trilha. Cerca de 30 metros adiante há uma estrada paralela ao curso do rio, onde existem três pés de butieiros "indicando" o local do túmulo. E retornamos ao ponto em que havíamos deixado o carro por esse caminho, ladeado pela mata ciliar à direita e uma floresta de pinus à esquerda.
Nota
O primeiro texto - Água milagrosa -, integra o livro O mato do tigre e o campo do gato: José Fabrício das Neves e o Combate do Irani (Florianópolis: Insular, 2007).
Na foto já referida, também de terno e gravata, ao lado de Agostinho, está Cesário de Mattos, um dos “três irmãos Cesário” citados por Antônio das Neves. Eles teriam ficado juntos no túmulo e sobre os quais existem poucas informações, além de que seriam homens de extrema confiança de Fabrício. Outro que foi degolado e enterrado no mesmo túmulo é Teobaldo Madeira.
“Dentre os mortos”, informa outra fonte, estava Augustinho Frederico Wilke, “que se achava em Fragosos quando da visita do Sr. Victor Rauen a Itá em 1923”. (SILVA, 1987, p. 63) Paulo Antunes das Neves, neto de José Fabrício e filho de Afonso, residente em Pinhão-PR, diz que Wilke era conhecido por “Augustinho Pitoco”, um “segurança” do caudilho, e que teria sido o autor da morte do monge Nemézio, citado anteriormente.
No local podem estar sepultadas outras pessoas, mas foram esses os nomes que ficaram na memória oral ou registros escritos. Durante muitos anos o túmulo foi visitado por amigos e familiares. A vegetação era retirada periodicamente e a cruz de madeira substituída ao envelhecer, entre outros cuidados. Entre os que visitavam o túmulo, estava Vicente Lemos das Neves, casado com Francisca Martins Fabrício, que levava a família ao local pelo menos uma vez por ano, sempre em 20 de março, a data em que, na memória de Elvira Dalla Costa, filha do casal, seu antepassado teria morrido.
Vicente Lemos das Neves com a esposa Francisca e os filhos.
Dona Elvira está junto ao pai. Acervo: Vicente Telles (Irani-SC).
Dona Elvira está junto ao pai. Acervo: Vicente Telles (Irani-SC).
Nessas ocasiões, levavam muitos biscoitos, doces variados e vidrinhos com água, “porque eles morreram com sede e com fome”, diz dona Elvira. Estendiam uma “lona ou manta” no chão para que todos pudessem se acomodar e passavam o dia ali rezando. “O pai mandava levar foice para limpar o cemitério”, assinala. Certo dia, uma irmã de Elvira, Terezinha, se engasgou com um pedaço de casca de milho de pipoca e o pai mandou que ela fosse até o túmulo de José Fabrício. “O pai falava que aquelas águas”, armazenadas nos vidrinhos e que ficavam no local, eram “milagrosas, curavam qualquer coisa que se queira curar”.
Procurando sepulturas
Quando fomos ao Irani-SC pela primeira vez, em março de 2007, buscando os rastros da participação de José Fabrício das Neves no combate inicial do movimento do Contestado, tinha em mente a localização de seu túmulo. Antônio Martins Fabrício das Neves, numa entrevista ao Museu Histórico de Concórdia (Concórdia-SC), faz diversas referências a esse túmulo, ao pé de roseira que foi plantado no local e sua localização nas margens do rio Irani, próximo a uma ponte.
Depois de conversar com Vicente Telles e almoçar num restaurante junto ao trevo das rodovias BR-282 e BR-153, decidimos eu e Margaret Grando procurar por conta própria o túmulo. Seguimos na direção da ponte sobre o rio Irani pela SC-282, a mesma que liga a Capital do Estado, Florianópolis, ao Extremo-Oeste catarinense, na fronteira com a Argentina. Ao desembarcar do carro e observar o local, notei a falta de alguns elementos descritos pelo sr Antônio. Talvez não fosse alí, pensamos.
Avistamos um grupo de pessoas próximo a um restaurante e nos dirigimos até elas.
- Boa tarde!
- Boa tarde! Podem chegar.
- Tudo bem com o senhor?
- Tudo bem enquanto estivermos apertando as mãos.
Explicamos a ele nosso interesse, a localização do túmulo de José Fabrício das Neves.
- Mas não é nessa ponte...! Fica perto da ponte sobre o rio Irani na BR-153 - a famosa Transbrasiliana.
Ele se dispôs a nos acompanhar até o local. Foi até sua casa, colocou botas e um facão na cintura.
- Vamos lá!
O carro ficou estacionado próximo a ponte, com o pisca-alerta ligado. Tivemos que nos esgueirar por uma cerca de arame-farpado para entrar na área da Celulose Irani e alcançar a margem do rio. Seguimos por dentro da densa mata ciliar.
- Se a gente for por aqui não tem como não achar...
E seguimos. Com o facão ele abria caminho. As árvores encobriam o sol das 15 horas diminuindo o calor. Havia uma profusão de flores nativas, orquídeas, bromélias e outras espécies pelo caminho. Cerca de 400 a 500 metros a frente ele ficou em dúvida, olhou para os lados, mas seguiu em frente. Os pássaros trinavam.
- Chegamos!
Foi então que avistamos pela primeira vez um retângulo de taipa escondido entre árvores de médio e grande portes. Uma cruz de madeira esverdeada por musgos assinala o local. Ao lado uma vela apagada. Mais a frente restos de velas derretidas. Sinais de que o túmulo continua sendo visitado. Margaret tratou de medir com passos a área: três por onze metros, aproximadamente.
- Vem muita gente pescar aqui, informa o senhor que nos levou até o local.
De fato, existem lixos em vários pontos e uma área sem vegetação junto ao rio. Também há um pé de louro tombado, escavado em vários pontos para ganhar placas sem nenhuma inscrição.
- Dizem que cada placa é para um morto...
Permanecemos no local por cerca de meia hora, fizemos fotos e fomos embora. Nossa missão por aqueles dias estava cumprida. Não retornamos pela mesma trilha. Cerca de 30 metros adiante há uma estrada paralela ao curso do rio, onde existem três pés de butieiros "indicando" o local do túmulo. E retornamos ao ponto em que havíamos deixado o carro por esse caminho, ladeado pela mata ciliar à direita e uma floresta de pinus à esquerda.
Nota
O primeiro texto - Água milagrosa -, integra o livro O mato do tigre e o campo do gato: José Fabrício das Neves e o Combate do Irani (Florianópolis: Insular, 2007).
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