quarta-feira, 5 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (6)

Bandeira do Contestado (lei nº 12.060 de 18.12.2001). Foto: Cibils

Maragatos de lenço branco

As regiões de Lages, Curitibanos, vale do rio do Peixe e o hoje chamado Oeste catarinense, serviram de refúgio aos combatentes maragatos (federalistas) da Revolução de 1893-1895. O professor Paulo Pinheiro Machado desenvolve uma linha de pesquisa nesse sentido. Fui descobrir isso depois de constatar a presença, no Irani, de antigos maragatos, como o próprio José Fabrício e o coronel Miguel Fragoso, personagem de quem falaremos na seqüência. Isso reforçado com as referências de Antônio Martins Fabrício das Neves de que os moradores vindos do Rio Grande do Sul para os campos de Palmas/Irani, atendiam um conselho do monge João Maria. Qual deles fica difícil dizer, mas vieram fugidos das perseguições. Tinham combatido ao lado dos federalistas derrotados.

O chamado Canudinho de Lages (1897), segundo Pinheiro Machado, foi um movimento que uniu a religiosidade de São João Maria com o federalismo remanescente. Uma evidência está na troca da cor dos lenços que usavam no pescoço: o vermelho tradicional dos maragatos pelo branco de São João Maria (mesmo que essa fosse a cor dos republicanos pica-paus, seus adversários). Cabe destacar que o monge José Maria de Castro Agostinho, chegou ao Irani pelas mãos de José Fabrício ou com o consentimento dele, também foi muito ligado a Miguel Fragoso, outro ex-maragato.

No vácuo do Estado

Muitos podem achar que estou querendo transformar José Fabrício da Neves de bandido em herói. Não é bem isso. Primeiro que nunca considerei José Fabrício um bandido. Segundo que não estamos em busca de heróis. Fabrício foi um produto de seu tempo, mais precisamente do espaço de tempo entre a República e a Revolução de 1930, quando prosperou o coronelismo (*). E que em resumo era o seguinte: na ausência das instituições do Estado, surgiam homens e grupos de homens que tomavam para si a administração das vilas e cidades, o que implicava, sobretudo, o monopólio do exercício da violência (principal característica do Estado, segundo autores como Sérgio Adorno e Simon Schwartzman).

Esse conceito até certo ponto complexo, a que me ative por algum tempo, estudando, foi resumido da seguinte forma pelo senhor Tranqüilo Petini, residente no Irani_SC: “Naquele tempo não tinha autoridade, então ele era o delegado e o juiz”. O senhor José Gomes segue na mesma linha. Diz que se houvesse um crime bárbaro, um latrocínio, por exemplo, e ficasse comprovada a culpa do sujeito, ele mandava matar. Esse jeito próprio de governar uma comunidade tinha respaldo oficial, nos diferentes escalões, envolvendo, a partir de 1918, no caso estudado, apoio eleitoral a dirigentes locais. Alguns aspectos desses envolvimentos vão ser detalhados adiante.

(*) Sobre fenômeno do coronelismo: José Murilo de Carvalho e Victor Nunes Leal. O contato com as obras desses autores antecedeu as pesquisas, quando tinha em mente o “coronel” José Fabrício que chancelou um acordo com a companhia colonizadora, dando origem ao nome do município de Concórdia-SC (anteriormente Queimados). Visava estudar o enfraquecimento do coronelismo em Santa Catarina através desse personagem.

Foi então que descobri o envolvimento de José Fabrício com o combate do Irani e sua parceria com o monge José Maria. Essa virada no rumo da pesquisa foi acompanhada de perto pelo professor Emerson César de Campos, meu orientador na Udesc, em Florianópolis-SC, com quem pude conversar a respeito. Ele assina a orelha do livro “O mato do tigre e o campo do gato”.

Fontes

Além das 30 entrevistas realizadas em cidades de Santa Catarina e do Paraná, e do Processo do Irani (1912, 518 páginas), estou me baseando também nos seguintes livros e autores:

O último jagunço, de Euclides Felippe (Curitibanos: Universidade do Contestado, 1995).

Voz de caboclo, de Pedro Aleixo Felisbino e Eliane Felisbino (Florianópolis: Ioesc, 2002).

Concórdia: o rastro de sua história, de Antenor Geraldo Zanetti Ferreira (Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992).

O Contestado: o sonho do milênio igualitário, de Ivone Gallo (Campinas: Ed. Unicamp, 1999).

Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado, de Maurício Vinhas de Queiroz (São Paulo: Ática, 1981).

O Oeste catarinense: memórias de um pioneiro, de José Waldomiro Silva (Florianópolis: Edição do Autor, 1987)

Lideranças do Contestado, de Paulo Pinheiro Machado (Campinas: Ed. da Unicamp, 2004).

Guerra do Contestado: a organização da irmandade cabocla, de Marli Auras (Florianópolis: Editora da UFSC, 1997, 3º ed.).

A Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado, organizado por Márcia Janete Espig e Paulo Pinheiro Machado (Florianópolis: Editora da UFSC, 2008).

Versos

Sexta-feira, dia 7, serão disponibilizadas as “Décimas” escritas por Antônio Martins Fabrício das Neves, versos que inspiram o título de “O mato do tigre e o campo do gato: José Fabrício das Neves e o combate do Irani” (Florianópolis: Insular, 2007). O material produzido pelo senhor Antônio foi cedido por Ivone Gallo a Paulo Pinheiro Machado, que o publicou na tese de doutorado (Unicamp-SP, 2001) e, a pedido, autorizou o uso aqui no blog. Machado também encaminhou uma entrevista que fez com o sr. Antônio (Irani, 11/02/98).




"Arsenal" usado por Vicente Telles (Irani-SC) nas performances pedagógicas com estudantes e demais visitantes.

Mapa da área conflagrada. Trabalho do artesão Meinhard Horn. Reprodução: Cibils


Próximo a Lages (BR-116), complexo com restaurante, venda de artesanato, parque infantil e área de lazer e descanso, onde se destaca a escultura de São João Maria.








2 comentários:

  1. Caro Celso,

    Gostaria de saber, se possivel a origem dos caboclos, supostamente acolhidos por Carlos Dhein em 1927, no barranco do Rio Chapeco, e que deram origem ao nome de Quilombo ao citado município. A duvida é maior, sobretudo, pela grafia estranha de um local, nas imediações, conhecido como Carlos Dahne.

    ResponderExcluir
  2. Autoria da indagação acima.

    Enorio Luiz Simon

    Tenho conta no Orkut

    ResponderExcluir