O blog e as fotos
As pesquisas sobre os antecedentes e personagens do combate do Irani deixaram como legado um corolário de perguntas, dúvidas e lacunas, mas que nos conduzem a novos caminhos. Essa é uma das razões desse blog: difundir a informação levantada, mesmo parcial e precária, como forma de incentivar novos trabalhos, alertar, chamar a atenção para aspectos até então pouco considerados, mas que diante de um novo quadro assumem diferentes significações. O blog permite esse diálogo, interrompe o monólogo.
As fotos, publicadas em volume significativo, muitas originais, estão divididas em três grupos: 1) reproduções em arquivos públicos e pessoais; 2) personagens entrevistados para o livro e o documentário em preparação, quase todos descendentes de combatentes do Contestado; 3) cenários e paisagens dos lugares percorridos. As fotos sem indicação de autoria são minhas, feitas com uma D-70, modelo simples da Nikon. Também fiz as reproduções, algumas tratadas por Ayrton Cruz para o livro “O mato do tigre e o campo do gato”.
Não vou entrar na discussão teórica sobre a imagem, porém estou entre os que enxergam a fotografia como fragmento do real (não como o real em si), mas uma visão (construção) do autor.
Uma visão de mundo
Abaixo, na íntegra, as Décimas de Antônio Martins Fabrício das Neves, escritas em meados da década de 1930, quando estava deixando a adolescência. Ele tomou como base os relatos de moradores mais velhos e parentes próximos. Para quem quiser se aprofundar na relação entre versos desse tipo e a importância da memória oral, pode consultar “Guerra do Contestado: mímesis e políticas da memória”, tese de doutorado de Susan Aparecida de Oliveira (UFSC, 2006). http://tede.ufsc.br/teses/PLIT0250.pdf
Décimas (*)
Antônio Martins Fabrício das Neves
Povoamento dos campos do Irani
"1: Falando em uma tragédia
quero contar em um segundo
que se deu cos moradores
que morava
quando o monge João Maria
caminhava pelo mundo
2: Na beira de uma estrada
o meu avô residia
na tarde de uma Sexta-feira
veja o que lhe acontecia
ele encontrou um velhinho
que ali ninguém conhecia
falando o velhinho disse
que era o monge João Maria
3: Falando, o monge indicava
A mais ou menos a 10 família
Que viessem embora
Para um lugar
que o monge conhecia
que era o sertão de Palmas
que nada lhe acontecia
4: Não ligaram ao que tinham
deixaram tudo de lado
muitos deles vieram a pé
carregando o revirado
a procura da floresta
que o monge tinha indicado
5: Vieram embora pro sertão
não foi atras de riqueza
vieram conhecer uma terra
toda cheia de beleza
ali criavam seus filhos
zelando da natureza
6: Nem um deles tinha estudo
mais tinham muita educação
usaram muito respeito,
muita consideração
assim fizeram sua vida
numa verdadeira união
7: Foi assim que eu fiquei
rico, cheio de tranqüilidade
essa riqueza que eu falo
é saúde e amizade
isto faz parte da vida
e traz muitas felicidades"
...
Combate do Irani
Esta é a recordação
do tempo da minha infância
pesquisei desde criança
gravando em minha memória
a realidade do passado
fui escrevendo rimando
a verdadeira história
João Gualberto já está vindo
Comandando um Batalhão
Trazendo em sua muamba
Metralhadora e canhão
Veio pra fazer banditismo
Com os caboclos do sertão
O monge mandou uma carta
escrita bem declarado
precisamos se falar
talvez teje mal informado
não precisamos brigar
por que não somos intrigado
Respeite meus sertanejos
que eu respeito teus soldados
não vamos fazer injusta
matar quem não é culpado
Coronel deu um sorriso
com olhar entusiasmado
eu não aceito esta carta
e muito menos o recado
porque já trouxe até as cordas
pra levar tudo amarrado
O monge ficou pensando
emocionado e indeciso
eu não queria brigar
mas brigo se for preciso
por que em Deus tenho confiança
palavra de corpo e alma
pra quem restar fica a herança
que há de servir de lembrança
Irani, sertão de Palmas
Foi assim que o Irani
serviu de cancha de guerra
viu seus filhinhos chorando
e as mulheres desesperadas
ver seus maridos em jornada
pra defender sua terra
O monge José Maria
com seu gesto de carinho
montou no seu cavalo
e disse ao Fabrício, baixinho
Eu vou na frente da tropa
Quero imitar uma choca
Quando está com seus pintinhos
Morrer na boca do bicho
Pra defender seus filhinhos
Fabrício vou te orientar
que vou morrer neste ato
mais tu não passe do meu sangue
volte de novo pro mato
no sertão tu será um tigre
e no campo vai ser um gato
Irani ficou em silêncio
o povo humilde rezando
as nossas mamães chorando
fazendo prece ao Senhor
de ver seus filhos lutando
manchado de sangue e suor
OH, nosso Pai Poderoso
olhaste para o Irani
ai pareceu milagre
da nossa Mãe Protetora
de vencer metralhadora
com facão de guamirim.
Que terrível madrugada
que terrível despedida
no espaço de uma hora
a causa foi decidida
hoje só nos resta o nome
de quem por nós deu sua vida
Rancho do Fabrício
1: Velho rancho de Taquara
na costa de um alagado
aonde nasce a saudade
quando recorda o passado
2: Velho rancho de taquara
tu não tá aqui pra bonito
recordação de um conflito
que deu no banhado grande
batalha do contestado
aonde foi derramado
miles de gotas de sangue.
3: Velho rancho de taquara
tu és medalha pra mim
foi de onde saiu marchando
um piquete desfilando
que terminaram peleando
nas coxilhas de Irani.
4: Velho rancho de taquara
eis o rancho do Fabrício
que aqui ainda resta um resquício
mais bem pouco que se escreve
trocar o nome está errado
mais o meu sempre assinado
como Fabrício das Neves.
Sertão de Palmas
1: Com licença meus amigos
vou contar onde fui criado
nasci em sertão de Palmas
um lugar muito falado
isto fica logo aí
num cantinho deste estado
2: Foi onde deu um combate
eu me gerei na fumaça
sô um xirú do trote duro
tenho um pouquinho de raça
num torneio de cultura
é difícil eu perde a taça
3: Oh, minha terra natal
tu não é mais como era
se acabou até meu ranchinho
na costa daquela serra
onde eu sentia o perfume
das flores da primavera
4:Querido sertão de Palmas
que hoje é Irani
que só me resta saudade
de quando eu te conheci
hoje não se vê mais nada
do que antigamente eu ví
era verde e amarelo
coberto de um céu anil
no oeste catarinense
era enfeito do Brasil
5: O velho sertão de Palmas
é a terra que eu nasci
é a minha terra natal
que eu amei desde guri
hoje só resta a saudade
de quando te conheci.
Canção do caboclo
1:Se me derem um espaço
a minha informa eu quero dar
eu hoje fui convidado
vir aqui para cantar
sou criado desta terra
para o senhor vou contar
as campinas Iranienses
é a minha terra natal
2: Na minha terra natal
me parece, estou falando
eu não sou profissional
canto só quando me mandam
com minha simplicidade
amigo, estou convidando
quem quiser nos visitar
nós recebemos cantando
3: Nós recebemos cantando
só com canções altaneiras
eu sou filho deste estado
desta terra brasileira
catarinense peitudo
que honra sua bandeira
é terra que já deu vida
pra muita raça estrangeira
4: Pra muita raça estrangeira
meu amigo, isto é verdade
mas somos todos irmãos
e usamos hospitalidade
pra cantar pra minha terra
meu peito sente vontade
pra vocês deixo um abraço
levo comigo a saudade
5: Levo comigo a saudade
deste macanudo povo
quem visitar nossa terra
se for velho fica novo
cantando pra minha gente
isto pra mim é um repouso
quem de mim sentir saudade
diga que eu volto de novo
6: se aqui eu voltar de novo
assim será meu desejo
onde sou bem recebido
pros mais velhos o meu abraço
e pras criancinhas um beijo
7: Pras criancinhas um beijo
meus amigos isto é verdade
sou filho de um sertanejo
nunca morei na cidade
sou um caboclo do sertão
e nunca me senti sozinho
vivendo com a natureza
no meio dos passarinhos
Exaltação da natureza
1: Alo, Alo Irani
hoje tu me vê cantando
eu canto pra espairecer
por que já nasci chorando
as belezas que tu tinha
teu filho está reclamando
2: Oh velho sertão de Palmas
Deferente hoje eu te vejo
Foi meu sertão favorito
Querência dos sertanejos
Foi tu que me viu nascer
Da mamãe ganhando beijo
3: A minha terra natal
quedele tuas belezas
os gananciosos chegaram
levaram tuas riquezas
tu não tem mais o que tinha
terminou até a natureza
4: Quedele o verde sertão
onde caía o sereno
aonde que eu morei
no tempo que era pequeno
hoje só vermelha a terra
ainda cheia de veneno
5: Quem conheceu minha terra
há trinta anos atrás
os campos cheios de gado
cerros cheios de pinhais
hoje quem te vê de novo
já não te conhece mais
6: Tudo isto aconteceu
só por causa do dinheiro
minha terra hoje pertence
só pros grandes fazendeiros
até os pobres passarinhos
os que não fugiram, morreram.
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