O entrevero do Irani - 1ª parte
Vimos anteriormente que o coronel Domingos Soares, então prefeito de Palmas-PR, funcionou como um negociador da paz, tendo ido pessoalmente ao acampamento de José Maria nas terras de Miguel Fabrício das Neves. Pois bem! Quando retornou no final da tarde do dia 21 de outubro de 1912 ao encontro de João Gualberto, este já o o aguardava a poucos quilômetros do Banhado Grande. No depoimento de Domingos Soares tivemos alguns detalhes das conversações que os dois mantiveram.
Autores paranaenses como Fredericindo Mares de Souza e João Alves Rosa Filho, por exemplo, confirmam esse papel de negociador assumido pelo coronel de Palmas. Soares falou-lhe com a máxima lealdade sobre o que viu e ouviu. Procurou "demovê-lo de atacar o grupo”, mas os “seus esforços foram baldados”, pois “o afoito comandante estava de plano feito e não deu mais atenção ao velho político de Palmas” (SOUZA, 1987, p. 117).
Segundo o outro autor, Domingos Soares informara a João Gualberto que José Maria só precisava de garantias para retornar a Santa Catarina, “com os 40 homens que vieram com ele, dissolvendo, conseqüentemente, o reduto que era composto de paranaenses”. Queria um prazo de 24 horas para fazer a retirada, “tendo em vista que seus cavalos estavam espalhados pelo sertão e não podia reuní-los de um momento para o outro”. Forneceu detalhes quanto ao número de homens com o monge, armamento, procedimentos, e as “péssimas condições do local e as possibilidades de uma emboscada”. Outros que estavam com Domingos Soares fizeram o mesmo apelo, mas João Gualberto não recuou (ROSA FILHO, 1998).
Ele já havia sido ríspido numa discussão “acalorada” com o desembargador e chefe de polícia Vieira Cavalcanti, no momento em que dividira as tropas que comandava, seguindo ao encalço de João Maria com um contingente menor (SOUZA, 1987,p. 110). Naquele final de tarde do dia 21 de outubro de 1912, Soares disse a João Gualberto que não iria acompanhá-lo, ouvindo: “Pois coronel Soares, faça de contas que estamos de relações cortadas, e vou sempre assumindo toda a responsabilidade. O senhor nada tem com isso”. (ROSA FILHO, 1998).
E foi assim que João Gualberto partiu para o ataque no início da manhã de 22 de outubro de 1912.
Cenas de um combate (anotações de leitura)
A versão de Euclides Bandeira
Os "fanáticos" não pretendiam "entrar em luta com as forças, tanto que mandaram pedir ao comandante da tropa que se aproximava, algum tempo para se destroçarem pacificamente. Mas, um só momento não fora consentido aos fiéis de José Maria. Ao contrário: as cordas, que tinham sido levadas para amarrar os prisioneiros, foram rápidamente desembaraladas das garupas dos cargueiros".
Bandeira diz que ao ser atacado "o acampamento estava em reza e em reza permaneceu depois de serenado o ligeiro rumor produzido pela tropa que chegava precipitadamente". Assim, "logo ao primeiro impeto da força os jagunços que não possuíam grande quantidade de munição, detiveram-se algum tempo em fraca defensiva, sofrendo vivíssima fuzilaria por parte dos atacantes. De repente, investiram a facão, a foiçadas e a machadadas, em lances furiosos, vindo ao encontro corpo e corpo dos policiais que já se abeiravam dos abarrancamentos, num entrevero encarniçado".
Cabe destacar que entrevero é o combate com arma branca e, "qual uma verdadeira falange de loucos, os matutos se arrojaram sobre os soldados. Os Pares de França puseram em execução, pela primeira vez, as suas diabólicas cabriolas de esgrimistas". E a cada "crente tombado na sangrenta mistura, cumpria o seu juramento, via três e quatro combatentes cair mutilados antes do seu corpo derrear. Os jagunços passaram, instantaneamente, sem que contassem os atancantes. da frouxa defensiva a uma ofensiva violentíssima, desesperadora e cruel".
Terminado o combate, com as mortes de João Gualberto, José Maria e outros, como veremos adiante, houve uma debadada da força. "A retirada não pode, entretanto, despir dos característicos de uma debandada deastrosa porque, além das vítimas deixadas no campo, algumas armas ficaram em poder dos sertanejos". (p. 128-130)
Referência
BANDEIRA, Euclides. Respingos Históricos. Curitiba: Tipografia Favorita, 1939.
Depoimento de Antônio Pinho Ribas
Processo do Irani, folhas 51 e 52 (inquérito)
Palmas-PR,1º.11.1912. Tinha 34 anos, solteiro, negociante, natural da Lapa-PR (onde residia), filho de Torquato de Pinho Ribas, sabendo ler e escrever.
No dia 22 de outubro de 1912, esteve no Irani a convite de João Gualberto, tendo assistido “ao combate renhido entre as forças do Governo, que era em número de 50 praças, mais ou menos, contra o grupo de fanáticos comandados pelo monge José Maria”, que ele calcula em “duzentos e tantos homens”. O tiroteio começou às 7 horas, “mais ou menos”, “e durou cerca de meia hora”.
Antônio “viu quando os fanáticos armados de facão e arma de fogo, avançaram sobre as fileiras, comandadas pelo coronel João Gualberto, matando e ferindo a torto e a direito”. A certa altura, “vendo o perigo iminente em que se achava, convidou a Amazonas Pimpão e retiraram-se do lugar do combate, tomando a picada em direção a São João [...].” No caminho encontrou o tenente Júlio Xavier. Este o informou que “a força do Governo estava quase perdida, pois que os fanáticos estavam de posse da situação [...]”.
Disse ter ouvido de Domingos Soares que Miguel Fragoso e Miguel Fabrício estavam no acampamento do monge e “faziam parte do grupo deste”, não sabendo se haviam ou não tomado “parte do combate”. No dia 23, Antônio soube que o coronel João Gualberto havia morrido na luta, além do “célebre monge”. Entre os policiais havia 10 mortos, segundo o depoente; da parte do monge morreu “grande número de pessoas”.
Durante o combate presenciou que “das descargas, que eram firmes, e continuadas, via-se baixar muitos cavaleiros”. Os fatos também foram presenciados por Amazonas Pimpão “e um camarada deste” [...]. Acredita que o monge tivesse 800 homens a seu lado, o que ele “ouviu, por diversas vezes” de pessoas que conheciam o acampamento do monge. José Maria gozava de simpatia “entre os moradores da zona de Irani”.
Depoimento de Francisco Carneiro
Processo do Irani, folhas 106 e 107 (inquérito)
Palmas, 13.11.1912. Tinha 26 anos, solteiro, lavrador, filho de João Marques Carneiro, natural e residente em Clevelândia, lia e e escrevia.
No dia 18 de outubro (1912), ele e seu irmão Antônio Carneiro estavam de pouso na casa de Felippe Bueno, no Coxilhão, quando o coronel João Gualberto os chamou para conduzirem a sua tropa até o Irani. Ajeitadas as coisas e combinado o preço, seguiram. Fizeram pouso na Fazenda do Alegrete. No dia seguinte foram para São João de Irani, chegando às 17 horas. No dia seguinte, acamparam em Caçadorzinho, de onde saíram às 3 horas do dia 22, chegando no Banhado Grande às 6h30 (“mais ou menos”). Foi "onde então deu-se renhido tiroteio” entre as duas forças.
Ele e seu irmão abriram a facão os cunhetes de munição para entregar a “força que se achava colocada em linha de atiradores sobre uma casa, próxima ao caminho”. Os dois puderam abrir apenas três cunhetes (caixas), pois logo “um grupo de cavaleiros, em número de 200 e tantos, saíra, repentinamente, de uma mata próxima e avançaram sobre as fileiras do Governo e travaram luta a ferro branco, pois o tiroteio feito pela força do Governo era serrado e continuado, sendo todas as descargas feitas com rapidez”.
O depoente viu “jagunços caídos atingidos por balas, assim como lembra-se de ter visto o coronel João Gualberto receber um balaço desfechado pelos jagunços" que, em número de seis, avançaram sobre ele. Na ocasião do ferimento do comandante, o depoente viu “um moço” que naquele momento reconhece como sendo o comissário Nascimento- que conduziu o inuquérito do combate.
Durante o entrevero os dois irmãos se retiraram em direção a Palmas e em Caçadorzinho, encontraram o tenente Busse e o alferes Adolfito, “que saíram do combate com o respondente”, acompanhados de “três ou quatro praças”. Recorda ter visto “um moço a paisana puxar seu cavalo e dar ao coronel João Gualberto que tentou montá-lo, não o conseguindo mais”.
Ao se retirar do local do combate o respondente “deixou o comissário Nascimento de arma em mãos atirando sobre os agressores do comandante”. E viu a seu lado “e na frente do comandante diversos soldados mortos”. Na retirada o respondente ouviu um soldado dizer o seguinte: ‘Ao menos o Monge morreu’”. Não soube informar as pessoas que lutaram ao lado do Monge, pois era primeira vez que ia ao Irani.
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