terça-feira, 30 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (31)

José Felisberto, combatente (3)

Juca Perão e sua esposa Sebastiana (Vó Bástia).
Coronel Vivida-PR, 14 de dezembro de 2007.

Segunda parte da entrevista com José da Silva Perão (Juca Perão), filho de José Alves Perão (José Felisberto) e de Júlia Olímpia da Silva. A conversa aconteceu no dia 22 de julho de 2007 na localidade de Jacutinga (Coronel Vivida-PR), onde os Perão se refugiaram das perseguições. Presentes eu, Vicente Telles (sobrinho de Juca e neto do velho Perão) e o repórter-fotográfico Marco Cezar.

O senhor disse há pouco que seu pai "não tirava o José Fabrício da boca”. O que ele falava de José Fabrício?

Juca – Ah! Dizia que sempre nos combate sempre iam juntos, porque eles eram companheiros, eu não lembro, mas só tinha que ser, né.

Telles – Era companheiro do José Fabrício?

Juca – É, claro, é.

Telles – Sempre foi?

Juca – Sempre foi, sempre foi.

Telles – Então ele fazia parte daquelas cavalhadas lá... [ver foto abaixo]

Juca – Era cavalhada, claro, claro!

Telles – Fabrício tinha um monte, tinha um exército de cavaleiros junto com ele.

Juca – Ihhh! É, é! José Fabrício! Ele não tirava da boca. Todo que [tinha contato] com a lida dele, Fabrício tava no meio.

O senhor se lembra das lutas de que seu pai participava junto com o José Fabrício, além do combate do Irani?

Juca – Não. E o Fabrício eu não cheguei a conhecer também. [...]

O seu pai também participou da revolução do Gumercindo no Rio Grande do Sul?

Juca – Não, que eu saiba não. Eu só sei lá do Irani.

E ele tinha quantos anos quando faleceu?

Juca – Ele estava beirando os 90 anos.

Então ele tinha idade para ter participado em 1893.

Juca – Essa foi bem antes do Irani?

Sim.

Juca – Ah! Então participaram, participaram... Eu não lembro que ele falasse nessa, né. Mas participou com certeza.

Ele é de Passo Fundo também, não?

Juca – É, ele é... não sei de que região, não lembro também, não lembro.

Vimos registros no cartório de Irani indicando o sobrenome dele como Perón, depois mudou para Perão...

Juca - ...só agora que estão operando com o ão, mas meu pai e outros irmão do pai são Perón.

[...]

Juca - ...outra que ouvi contar que eles faziam, porque o velho meu pai só morou no sertão, no sertão do Irani, Concórdia e tal, então, quando nascia um filho, para ele não se esquecer, ele pegava um caderno, isso o Vicente sabe disso, tomava nota, ponhava o nome tal que queria, tomava nota do dia e a hora em que nasceu. Quando tinha uns oito ou 10 para registrar, ele ia em Palmas pra registrar, naquela época. [...] Era assim...

[...]

José Fabrício ficou com fama de bandido na região...

Juca – [Não era bandido] era um salvador do povo humilde. Salvava o pessoal miúdo, e o velho meu pai era a mesma coisa, acompanhava Fabrício. E mais outros por lá que era meio antigo, mas eu não me lembro hoje de tipo nenhum. De tipo nenhum eu me lembro mais. De outros que o meu pai falava, desse Fabrício.

Falava de Miguel Fragoso?

Juca – O que ele dizia de Miguel Fragoso? ...também, também, era amigo do peito dele...

Era do time.

Juca - ... era, era do time. Outro que morava no irani que até depois foi meu padrinho, o nome eu não lembro agora, ele falava muito...

...João Damas?

Juca – Não, não era... Agora eu fiquei mais ruim da idéia, dei mais uma cabeçada... Domingos Marcolino ou Antônio Marcolino, sei que era um Marcolino... daí, depois que carmô a tal revolução, todas elas, que eles começaram a se reunir, o meu pai me pegou e levou nesse Marcolino lá no Irani pra me batizar, né.

Telles – Antônio Marcolino, mas diz que era Rodrigues, chamam de Marcolino não sei porque.

O senhor se lembra de algum episódio em que José Fabrício tenha atuado como salvador do povo miúdo, que tenha ajudado?

Juca – O que ele fazia? Ele ia em todos os combate, encilhava os cavalos, e não saía um sem se reunirem todos eles, né. Ia em todos os combate, ajudava, e daí atendia aquele povo miúdo e iam pelear com os fazendeiros às vezes lá no...

Telles – Você está vendo aí a operação limpeza! Me diz uma coisa, tio: depois do combate de Irani, o Fabrício e os que seguiam ele, eles tiveram muitos combates isolados pelos sertão, uma briga aqui, outra lá, tudo porque tinha nego... uma inclinação, cara ruim, fazia justiça...

Juca - ... é faziam essa justiça...

Telles – E quando achava... Os bandidos também tinham a turma deles...

Juca - E eu lembro ainda que eles contavam: hoje tão campiando aqui, amanhã vão campiar... campiar no mato! Os tal que eles queriam. De repente a gente ouvia [tiros] saiu os tiro lá...

Telles - ...mas era com a polícia ou era só nos civis?

Juca - ... aí eu não lembro... Mas com certeza era a polícia contra os colono.

Telles - ...caboclos.

Juca – Contra o caboclos, justamente. E depois ficaram morando por lá muito tempo. Porque aqui em Vista Alegre, aqui bem pertinho, morreu um homem velho, que ajudou em todas as ronda. Chamava-se Sinfronho [Sinfrônio Honório do Canto, indiciado no Processo do Irani]... Esse então, quando ele ia pousar lá no meu pai às vezes, porque moravam longe naquela época, e viajavam a pé, eu gostava de escuitar os causos dos dois e um dia ouvi ele contar, ele contando pro véio, pro veio Perão. Diz: oh, aquele fulano lá, assim, assim, nós se encontramo só nós dois, de pelo a pelo, num carreiro, e quando ele puxou do revólver e atirou no peito dele e ele mandava nós vê a bala que ficou nas costas desse véio, e esse véio morreu... viveu até poucos anos aqui. Mas ele dizia: Mas também cum a minha espada da cabeça dele eu fiz duas. [risos] Ele levou uma bala no corpo, mas na cabeça do inimigo. Esse eu fiquei conhecendo bem ele depois aqui no Paraná.

Telles – Diz que muita gente veio para cá. Diz que eram levas e levas que passava por Passos Maia. Ali tem um vão que passavam, hoje o município de Passos Maia [SC] quer transformar aquele ponto num ponto turístico, contando a história dos fugitivos vindos daquela região do Irani para Coronel Vivida e região. Fecha tudo com o que eles me falaram lá.

[...]

Juca - ... veio corrido decerto, ainda tavam brigando, não sei... Família grande, chamada Varga [Vargas], e era do Irani, vieram a pé pelo mato e antes de chegar aqui, onde nós moramos hoje, ficou uma criança deles doente, no mato, e eles esperaram morrer, sepultar, para depois seguir viagem, né. Isso eles contavam até pouco tempo. E quando eles viram que não tinha remédio, que eles não achavam jeito de curar aquela criança, uma menina grande, diz que grandinha já, quando viram aí pararam... Moravam em Vista Alegre.

Telles – Veio muita gente... fuga da operação limpeza na década de 40, tinha a Sinhana Cordeiro, ela contava essas histórias, que os ataques enchiam os rios de cadáveres, não podia beber água e não podia comer carne de porco, porque só comiam cadáver, e todo dia um cachorro vinha pra dentro de casa com uma mão, um dedo, uma cabeça...

[...]

Juca - ...quando tavam no mato diz que eles tinham que assar a carona do cavalo que eles encilhavam. Assar, torrar, pra comer torrado... A carona, o pelego também, porque o pelego tem uma carne, o couro torrado dá pra pururucar!

[...]

Juca - ...naqueles pousinho miúdo [...] o véio Perão, o véio Fabrício, e esse tal de Sinfronho [Sinfrônio] aqui que eram os chefe, eles tinham que dar um jeito do povo comer, então quando achavam uma rês no trecho, por exemplo, então matavam, mas diz que era um aperitivo, né! Mas eles levavam mesmo controlado, eles não comiam demais, deixavam pra amanhã, podia não achar outra, não é mesmo? Mas é como eles sempre contavam: chegar a comer a carona assada é brabo né? Que tempo brabo a tal revolução, meu Deus do Céu!

(A terceira e última parte da entrevista com Juca Perão será postada no dia 1º de janeiro de 2009, quinta-feira)

Foto referida por Vicente Telles. É possível de José Alves Perão (José Felisberto), pai de Juca Perão e avô materno de Telles, esteja entre os integrantes do piquete. A frente, vestido de branco, está José Fabrício das Neves. A seu lado, montado, um menor, seu filho Afonso Antunes das Neves. Acervo: Reinaldo Antunes (Pinhão-PR).

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