terça-feira, 28 de outubro de 2008

José Fabrício das Neves (2)















Antes de prosseguir a narrativa é preciso colocar a importância de São João Maria para as populações sertanejas do interior do Brasil, entre o Mato Grosso e o Rio Grande do Sul, sobretudo na região entre os vales dos rios Iguaçu e Uruguai. O primeiro foi João Maria de Agostini, italiano, chegado por volta de 1844. Após ter perambulado por vários lugares, como Sorocaba-SP, e erguido um santuário nas proximidades de Santa Maria-RS, foi preso, deixado algum tempo na ilha do Arvoredo (Florianópolis-SC) e depois levado ao Rio de Janeiro.

O segundo João Maria, Anastás Marcaf, era de origem síria, segundo uns, ou drusa, segundo o repórter cinematográfico Marco Nascimento, devido ao formato de seu boné (ver foto). Estamos investigando isso. Foi o segundo monge que apoiou os rebeldes federalistas, esteve na Lapa-PR, e indicou a moradores de Passo Fundo-RS e imediações, os campos de Palmas e Irani. Desapareceu na primeira década do século. No seu lugar surgiu José Maria. Segundo o Processo de Irani que apurou as circunstâncias do combate de 22 de outubro de 1912, se chamava José Maria de Castro Agostinho.

Esses são os monges apontados até agora pela historiografia. Mas existem registros da presença de muitos outros. Para os caboclos devotos, entretanto, só existe um: São João Maria, ainda hoje reverenciado. As fontes ao lado das quais ele acampou algum dia, foram preservadas e servem para batismos de crianças. As águas também são coletadas para fins medicinais e de oração e para o trato animal. ncias do combate de 22 de outubro de 1912 no Irani, se chamava Josdicou a diversos moradores de Passo Fundo-RS e imediaç_______

Apocalipse de São João

Uma carta localizada por Pedro Aleixo Felisbino nas mãos de João Maria Palhano (seo Lica), em Taquaruçu, que teria sido escrita em 1880 por João Maria de Agostini, apresenta “orações, conselhos e alentos”. A “oração milagrosa, achada no capim, na Santa Sepultura de Nosso Senhor Jesus Cristo”, foi “feita por mão dadivosa”. Aquele que possuir uma cópia da oração em casa “não sofrerá castigo, nem raios, nem riscos e nem tormentas”.

Há um conselho – “meus filhos não abusem com a religião católica, façam caridade com a pobreza” – e um pedido para que “façam as minhas vontades, que eu só cuido vê-las e olho meus filhos”. Na seqüência, ameaça com castigos aos incrédulos, “guerra de vez”. Não se deve trabalhar aos sábados, sendo preciso jejuar na sexta-feira da Quaresma, guardar os dias santos e São Sebastião “para livrar dos castigos, que há de vir três dias de escuridão”.

Aqui fica evidente o apelo ao Apocalipse, como no anúncio do aparecimento de três línguas de fogo que poderão “abrir a terra”, sinal de que em três dias “aparecerá uma mancha vermelha no céu, passando três dias incendiará o mundo em fumaça”. E mais: no dia 3 de agosto aparecerá uma “grande cobra que terá sete metros de comprimento”, enquanto em setembro e outubro será a vez de uma “grande peste na criação e no povo, como nas crianças”. O mês de novembro reserva o aparecimento nas casas de “vento para menos correr” e uma multidão de gafanhotos.

Ideário

A cópia em mãos de seo Lica em Taquaruçu guarda semelhança com a encontrada por militares em Curitibanos durante o Contestado e publicada por vários autores, entre eles Douglas Teixeira Monteiro. Nas duas narrativas, se destacam as profecias apocalípticas de João Maria.

No dia 24 de junho de 1939, Euclides Felippe participou da festa de São João Maria, em Curitibanos, quando ganhou de Emídio Conceição uma cópia dos “Mandamentos das Leis da Natureza”, também de autoria do monge. “A terra é nossa mãe. A água é o sangue da terra-mãe. Cuspir e urinar na água, é o mesmo que escarrar e urinar na boca de sua mãe”, diz o sexto mandamento. “O cavaleiro que passar perto da lagoa ou cruzar uma corrente de água e não der de beber ao animal, morrerá de garganta seca”, destaca o décimo mandamento. Colhido em Palmas por Paulo Pinheiro Machado, o documento condena a mentira, o ódio e a inveja, o logro e o roubo, a calúnia e a avareza, ao lado de apelos ao respeito às famílias, a defesa da vida humana e animal.

Todos esses elementos integram o ideário do “monge”, seguido por andarilhos e curandeiros desde meados do século XIX. Guardadas as peculiaridades de cada um desses monges, eles seguem o modelo do primeiro, carregado de simbolismos e alegorias, sendo reconhecidos de imediato pelos caboclos. Para se habilitar ao papel de monge, o sujeito deve seguir esses preceitos e, além disso, ser dado a curas, através de infusões com plantas e outras receitas.

Os músicos Vicente Telles, residente no Irani, e Julio Gomes, em Concórdia, fizeram composições onde lembram o ideário de igualdade pregado por José Maria. “Zé Maria queria o bem/ Quem tem mói/ Quem não tem, mói também”, diz Telles, incorporando a memória popular sobre o tema. Gomes fez o mesmo.




Confraria do Monge, próximo a Lages-SC, nas margens da BR-116.





Parque Monge João Maria (Porto União-SC).




Interior do salão paroquial da Catedral de Porto União-SC.


Pintura sem identificação de autoria. Casa da Cultura/Porto União_SC



Portal de acesso a Porto União-SC (geral e detalhe).






Dois retratos clássicos de São João Maria, encontrando em muitas residências de caboclos do antigo Contestado (RS, PR e SC).
















Três imagens de São João Maria feitas pelo artista Willy Zumblick (Tubarão-SC, 1913-2008).












O quadro gigante do artista Ulisses Teixeira está fixado no prédio da Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras de União da Vitória-PR (cidade gêmea de Porto União-SC).


Segundo João Maria (Anastás Marcaf). Apoiou os maragatos durante a revolução de 1893-1895. É possível que ele tenha indicado os campos de Palmas/Irani às famílias residentes em Passo Fundo e região.


Fonte de São João Maria no interior do município de Cel Domingos Soares





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