domingo, 26 de outubro de 2008

José Fabrício das Neves (1)

Lagoa do Irani, nascente do rio Engano, afluente do rio Uruguai.



Fiquei sabendo da existência de José Fabrício das Neves num livro sobre a história de Concórdia, escrito por Geraldo Zanetti Ferreira, que o apresenta como o fundador da cidade e um coronel das antigas. Quando precisei de um tema para meu trabalho de conclusão de curso (História, Udesc, 2007) escolhi esse personagem. E me mandei para Concórdia junto com a companheira Margaret Grando, visando desvendar um pouco das façanhas do dito cujo.

Entre outras coisas, acabei descobrindo, ao ler um depoimento de Antônio Martins Fabrício das Neves, que José Fabrício havia participado do combate do Irani, em 22 de outubro de 1912. E mais: que ele tinha uma parceria com José Maria de Castro Agostinho, o monge José Maria, no assentamento de caboclos expulsos do vale do rio do Peixe e antigos maragatos vindos do Rio Grande do Sul.

Nos mandamos para o Irani, a procura de Vicente Telles.

José Maria

Nascido em Passo Fundo-RS, com 13 anos de idade José Fabrício participou de combates na Revolução federalista (1893-1895). Os Fabrício das Neves e outras famílias da região, se deslocaram para os campos de Palmas/Irani no final do século 19, a conselho de um monge que conhecia o lugar. Era quase desabitado. Na época, toda a região a oeste do rio do Peixe estava sob a administração do Paraná. E não demorou muito para que um fazendeiro de Palmas se apropriasse das terras, vendendo-as a uma companhia frigorífica e deixando esses antigos moradores na condição de posseiros, intrusos, invasores.

Foi quando apareceu José Maria, que de louco e exótico não tinha nada. Se assim o fosse, os homens e mulheres do Irani e região não o teriam acolhido, como fizeram. Estabelecido no Irani, José Maria foi chamado a Campos Novos e depois Curitibanos, acompanhado por José Fabrício e outros. Presente à festa do Divino em Taquaruçu (Curitibanos), provocou um ajuntamento que não agradou nenhum pouco o superintendente local, coronel Francisco Albuquerque, que chamou as autoridades policiais de Florianópolis.

O combate

Após deixar Taquaruçu com dezenas de homens e muitas mulheres, José Maria retornou ao Irani, pousando na casa de José Fabrício, depois na casa de um irmão deste, Thomaz Fabrício das Neves. Por fim se deslocou acompanhado de grande massa, para as terras de um tio de José e Thomaz, Miguel Fabrício das Neves. A eles se juntou um importante personagem desses instantes iniciais do Contestado, José Alves Perão (Perón), conhecido por José Felisberto.

Os Belchior, os Quitério, os Germano e dezenas de outras famílias também apoiavam José Maria. Quando a força policial comandada pelo coronel João Gualberto seguiu de Curitiba para dispersar o ajuntamento no Irani, os homens e mulheres sob o comando de José Maria e José Fabrício, decidiram resistir. E foi o que aconteceu. O famoso combate do Irani, travado no início da manhã do dia 22 de outubro de 1912, deixou oficialmente 21 mortos, 10 policiais e 11 caboclos. Entre eles João Gualberto, abatido por José Fabrício, e o próprio José Maria.

Esquecidos

Um inquérito aberto em Palmas condenou José Fabrício, José Perão e outros a prisão. Miguel e Thomaz Fabrício das Neves foram presos e levados a julgamento em Palmas, tendo sido inocentados. Daí para frente todos os participantes do combate ficaram marcados para sempre. É um pouco disso que vamos saber mais a frente. É importante destacar que essa minha pesquisa rendeu um livro, onde aproveito as 30 entrevistas que fiz e o Processo do Irani, documento com 500 e tantas páginas que se achava extraviado no Fórum de Palmas desde os anos 1950. O professor Paulo Pinheiro Machado me conseguiu uma cópia.

Os personagens que surgiram durante a pesquisa são quase completamente esquecidos da historiografia catarinense. Quem tiver paciência pode conferir. O único a citar José Fabrício é o historiador Nilson Thomé, mesmo assim superficialmente. José Perão sequer é citado, assim como as dezenas de outros combatentes. Quando muito passaram à posteridade como bandidos, meliantes perigosos, quando na verdade foram partícipes de um dos maiores movimentos sociais da história humana. Visando fazer justiça a essa gente é que resolvi divulgar mais amplamente um pouco do que apurei a esse respeito.





Túmulo de José Maria (Irani-SC), fotografado por Felipe Corte Real de Camargo (dir) e Marco Nascimento.



José Alves Perão (José Felisberto) e sua esposa Júlia Olímpia. O Perão se origina de Peron. Combatente do Contestado (Irani e outros combates). Acervo de Vicente Telles (Irani-SC).



Thomaz Fabrício das Neves e a esposa Elíbia, com os filhos. Foto de meados da década de 1920 (Irani-SC). Acervo de Thomaz de Oliveira Neves, residente em Palmas-PR.



José Fabrício e seus homens, todos armados. É possível que essa foto tenha sido tirada em Catanduva (20 de agosto de 1919). Acervo de Reinaldo Antunes (Pinhão-PR)



José Fabrício e seu estado-maior, possivelmente no dia 20 de agosto de 1919, em Catanduva-SC. O menino que está no meio é seu filho Afonso. Acervo de Cecília Boroski Talim, filha de José Fabrício, residente em Concórdia-SC.



José Fabrício das Neves ao lado de um Miguel (não identificado). Acervo de seu bisneto Reinaldo Antunes, residente em Pinhão-PR






O pesquisador Pedro Aleixo Felisbino apanhou as três imagens atribuídas a José Maria e as mostrou a antigos moradores de Taquaruçu (Fraiburgo). Nenhum deles reconheceu nas fotos a verdadeira face de José Maria: um bem gordo e nutrido, outro com cara de maluco e um terceiro entre "virgens". Todos bem diferentes entre sí. A divulgação dessas imagens teve o objetivo de denegrir o papel de José Maria, alvo das mais variadas calúnias.











2 comentários:

  1. A pesquisa de Celso Martins, na busca de Fabrício das Neves, acabou por encontrar um grande processo de colonização, resistência e luta social no Irani e região de Concórdia, nas primeiras décadas do século XX. Os acontecimentos se referem a lutas ocorridas antes, durante (como o combate do Irani) e após a Guerra do Contestado. O resultado deste trabalho se encontra no livro primoroso "O Mato do Tigre e o Campo do Gato", publicado em Florianópolis pela Editora Insular.

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  2. Caro Celso,

    As obras - já se disse - entram mais pelos olhos que pelos ouvidos.Todavia, nossa alma se rende mais pelo que vê do que pelo que ouve ou lê. Você conseguiu a proeza de promover a rendição de nossas almas pela arte da palavra e da foto.. Quanto às flores do Cemitério, a mão profana que as exterminaram já recebeu a recompensa: foi banida do município pela imposição das urnas. A segunda sentença, está contida na profecia de ROUSSEAU:- "POR MAIOR QUE SEJAM OS NOSSOS PECADOS, DEUS PERDOA. POR MENOR QUE SEJAM OS CRIMES PRATICADOS CONTRA A NATUREZA, ELA VINGA." Elas, as flores, vingarão o crime. Voltarão mais exuberantes, a exemplo dos três Monges do Contestado - João, João e José, todos Maria, que. "NO SUMIÇO DE UM SURGIA OUTRO ILUMINADO, REDIVIVO". Embora diferentes na imagem,. para os nativos qualquer deles era mesmo.As flores, nascidas no solo fertilizado pelo sangue inocente, são como os Monges: também no sumiço de uma vem outra. Herança do povo encantado é assim: não morre de morte morrida. Apenas passa para o lado de lá, incorporado no Exército Encantado de São Sebastião, comprometido com o regresso, em seus cavalos de fogo, sob o comando do Monge, para guerrear contra o Dragão. Por isso que as flores renascerão para inebriar a magia do solo sagrado com seu encantamento aromático, inspirando fotos, poesias e fermentando entusiasmo na sua gloriosa missão, Celso - a de ressuscitar os heróis enterrados como bandidos e irrigar as flores com lágrimas, fotos e poesias nutridas pela fé em SÃO JOÃO MARIA..
    Parabéns, mais uma vez.

    Vicente Telles

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