Estamos de volta ao personagem principal, José Fabrício, braço direito do monge José Maria – José Maria de Castro Agostinho, segundo o processo aberto em Palmas para apurar as circunstâncias do combate de 22 de outubro de 1912, no Irani. Ele desenvolvia na região de Queimados (Concórdia), atividades de corte de madeira e criação de porco associadas ao plantio do milho. Eram as duas atividades principais.
O sistema porco/milho é interessante, desenvolvido mais tarde pelos colonos de origem italiana e alemã e que originaram as agroindústrias. Era costume abrir um claro na densa floresta e ali plantar o milho. Uma vez maduro era feita a colheita para o consumo das famílias, guardada em paióis. O restante permanecia no local, onde eram soltos os porcos para se alimentar. Muitos desses animais eram transportados a outros lugares para venda, dando origem a tropeiros de porcos.
O sistema, introduzido no Irani e região, continuou a ser desenvolvido no Sudoeste do Paraná e imediações, para onde seguiu boa parte, talvez a maioria, dos caboclos sobreviventes do Contestado. Colhi depoimentos a respeito em Coronel Domingos Soares-PR, antigo distrito de Palmas, da professora Aurora Fabrício das Neves Tortelli.
Má-fama
O corte de madeira nas margens do rio Uruguai foi uma atividade econômica importante na região. As toras eram serradas, transportadas até o rio e amarradas em forma de jangadas. No auge do período das chuvas, quando o curso d’água se tornava caudaloso, essas jangadas eram transportadas por dias a fio até São Tomé, na Argentina, centro de comércio madeireiro na época. José Fabrício ganhou muito dinheiro com a atividade, empregando um contingente de até 600 homens, incluindo os que se dedicavam ao plantio do milho e engorda dos porcos.
O que chamou atenção sobre José Fabrício foi a fama de acusações feitas a ele, algumas pesadas, beirando o exagero. A má-fama percorreu os tempos e chegou até hoje, como podemos verificar no site da Polícia Militar do Estado do Paraná (http://www.pm.pr.gov.br/visualizarNoticia.php?seq=27484), onde é tratado como “assassino”. Ou seja, aquele que matou o coronel João Gualberto durante o combate do Irani no dia 22 de outubro de 1912. Morte ocorrida durante violento entrevero e não por emboscada (espera) ou pelas costas.
José Fabrício ficou marcado o resto da vida por causa desse seu envolvimento. Condenado no processo em Palmas-PR, teve que se refugiar na região de Engenho Velho (Concórdia), local hoje coberto pelo lago da usina hidroelétrica de Itá. Circulava muito, sempre fugindo da ameaça de prisão e morte. Existem registros de que se deslocava pelos municípios gaúchos no outro lado do rio Uruguai, possuía terras e gado em Campos Novos-SC, interesses em Palmitos-SC, apoiadores em cidades do Paraná como Irati.
Fontes
Disse anteriormente que a historiografia catarinense ignora a existência e o papel de José Fabrício, dos Perão e outros personagens fundamentais na história do Contestado. A historiografia paranaense, por outro lado, destaca a presença de José Fabrício, exatamente por seu envolvimento na morte do coronel João Gualberto em combate. Nas três dezenas de entrevistas que fiz para o TCC no curso de História (Udesc), a presença dele e de outros Fabrício das Neves também fica evidenciada.
No dia em que apresentei o trabalho, o professor Paulo Pinheiro Machado, membro da banca, me entregou dois CDs com a cópia integral do processo do combate do Irani, extraviado desde os anos 1950. O escritor Maurício Vinhas de Queiroz, que cita informações do processo, o faz com base em anotações de terceiros. Não pôs as mãos no documento, precioso por nos revelar uma infinidade de personagens, homens e mulheres, ativos partícipes de um movimento social da envergadura que foi o Contestado. Muitos deles e delas vão ser apresentados aqui, há seu tempo.
Canga
Gostaria de encerrar por hoje destacando o documentário feito no início dos anos 1980 por Sérgio Rubin (Canga) e Dario de Almeida Prado. Os Fabrício das Neves estão ali bem destacados, e o combate do Irani apresentado numa dimensão bem mais abrangente do que a encontrada na historiografia. Rubin mantém um blog na internet que deve ser consultado (http://contestadoaguerradesconhecida.blogspot.com/). O Canga não sabe, mas o Vicente Telles exibiu há pouco o documentário a estudantes de Coronel Vivida-PR, fazendo grande sucesso.
As fotos foram feitas na localidade de Engenho Velho (Concórdia-SC), região controlada por José Fabrício das Neves, antes e depois do Combate do Irani em 1912.
Trecho do rio Jacutinga (Concórdia-SC).
(Concórdia-SC). Barra do rio Jacutinga junto ao rio Uruguai. Um pouco mais acima do rio Jacutinga desemboca o rio Fragosos, ponto em que José Fabrício mantinha um engenho de madeira e cana-de-açucar/aguardente. O engenho foi erguido pelo coronel da Guarda Nacional Miguel Fragoso, depois arrendado a Fabrício, tendo sido a primeira unidade industrial do município de Concórdia-SC.
Rio Uruguai. No fundo (dir) a ponte ligando Santa Catarina ao Rio Grande do Sul - BR-153.
Praça central de Concórdia-SC, onde José Fabrício iniciou o assentamento de caboclos. Nessa área também ficava um de seus inúmeros locais de descanso, chamado de "quartel-general de José Fabrício" pelo historiador Zanetti Ferreira. Essa construção de madeira ficava na altura de onde está hoje a loja Pitol Calçados.
Conjunto de imagens na varanda da residência de Salatiel Machado (interior de Vargem Bonita-SC), falecido, hoje ocupada pelos filhos e filhas. No alto Getúlio Vargas, no lado esquerdo o pai de Salatiel, companheiro de José Fabrício e, no lado direito, o próprio José Fabrício e seu estado-maior (foto publicada no primeiro poste). No fundo um cartaz com alegorias bíblicas.
Mais uma vez, uma seqüência de imagens e histórias surpreendentes, meu pai. Parabéns!
ResponderExcluirum beijo
Anita
Meu caro Celsinho,o que você faz aqui é algo que orgulha os catarinenses. Parabéns pelo teu trabalho. Que isso se transforme em mais e mais belos livros de História. Santa Catarina agradece a tua dedicação talentosa! Abraços, Damião
ResponderExcluirparabens pelo trabalho!!
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