Esse Nosso Jornalismo (*)

Caro aluno, cara aluna: parabéns por ter escolhido o jornalismo.

Parabéns pela coragem de embarcar nesta aventura – a aventura de tentar contar as histórias que não se contam, parabéns por estar disposto a ir contra a maré, por ter decidido seguir pelas estradas secundárias, por não ter preferido os caminhos iluminados e seguros.

Parabéns por saber que um jornalista de verdade se faz caminhando, se faz nas conversas despretensiosas do dia-a-dia, nos ônibus, nos bares, se faz ao lado da gente anônima que se move nos movimentos populares, se faz contra o silêncio imposto, contra a ideologia da indiferença.

Parabéns por carregar o que de mais bonito pode ter um repórter: essa crença que as coisas podem melhorar, se o que está acontecendo for relatado com honestidade e olhar crítico. Se as histórias forem humanizadas e contextualizadas, será possível sonhar com o que virá. Porque o jornalismo, esse nosso jornalismo, “serve para despertar consciências”, como ensinou Sérgio de Souza.

Parabéns por não ser parte do rebanho tolo que nada faz além de lamentar e ganhar algum trocado com a desgraça e a ignorância alheia. Parabéns por não ter

ficado em silêncio, quando o bom senso dizia para calar, por ter se levantado quando todos ficaram sentados, por ter virado a mesa quando seria mais cômodo continuar dizendo sim, mesmo sabendo que o justo seria dizer não. Parabéns por ser desobediente.

Não esqueça: os desobedientes são os que mais se incomodam, mas são também os que mais se divertem.

Não existe criação, mudança, não existe novidade sem desobediência. Parabéns por ser curioso, por não ter medo de perguntar, parabéns por todos os desafios que você lançou neste ano. Parabéns por ter feito da Faculdade uma grande aventura prazerosa. Parabéns por ter mergulhado com competência e criatividade nessa contra-escola.

Leve com você essa contra-escola – que é a escola da rebeldia e da responsabilidade, é a escola do compromisso com os fatos e com o nosso tempo. Parabéns por não ter medo de sujar os sapatos, por ter coragem de ver aquilo que a maioria ignora. Parabéns por saber que o simples pode render grandes histórias, que uma boa pauta está em qualquer lugar, desde que se tenha os olhos bem abertos e os ouvidos bem atentos.

Parabéns por saber que a cultura, essa que se forma pelos caminhos e pelos livros, é o bem a que nenhum jornalista pode renunciar. Parabéns por ter desenvolvido ainda mais o amor pela palavra, palavra simples e sincera, palavra que diz o que precisa ser dito, sem firulas e sem gordura, palavra que não esconde, mas revela, que denuncia o que está errado e anuncia o que pode ser.

Parabéns por ter percebido que jornalista não pode e não deve ser neutro, simplesmente porque isso não existe. Parabéns por ter, desde já, tomado posição. Por ter descoberto que o jornalismo pode não ser uma arte, mas serve para transformar – porque senão é tudo inútil, ao menos em um país como o nosso.

Parabéns por acreditar que o jornalismo, esse nosso jornalismo, é a melhor profissão do mundo, como escreveu Gabriel García Márquez. E esse jornalismo, você sabe, só é possível se for movido por doses de entrega e de amor, se é que essas duas coisas se separam. E amar, como disse Lacan, é dar aquilo que não se tem.

Obrigado, caro aluno, cara aluna, por ter, muitas vezes, discordado das minhas idéias e ter me feito enxergar uma nova perspectiva. Obrigado por aquelas perguntas incômodas que eu não soube responder, pela dica daquele autor que eu não conhecia. Obrigado pelas coisas que você me ensinou.

Obrigado pelos nossos diálogos críticos, por ter sido sempre cético sem nunca ter sido cínico, por ter falado tudo o que você pensava, olho no olho, sem ter perdido a elegância e o humor.

Finalmente, parabéns por fazer parte de uma minoria inquieta e criativa, disposta a fazer alguma diferença.

Se você irá conseguir ninguém sabe e também pouco importa. O que importa é que pelo caminho você vai mudando a si mesmo – e isso já é extraordinário.

Em frente!

Fernando Evangelista

Novembro de 2008

(*) Carta de final de semestre escrita pelo professor Fernando Evangelista aos alunos do curso de jornalismo da Faculdade Estádio de Sá (Barreiros, São José). Publicado com autorização do autor.