quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Uma resenha de Anéas Athanázio

O combate do Irani (*)

Enéas Athanázio

Muitos aspectos da chamada Guerra do Contestado (1912/1916) ainda são desconhecidos ou obscuros. Embora a bibliografia sobre o tema venha crescendo sem cessar, revelando o interesse que desperta, muitos fatos e personagens ainda precisam ser pesquisados, respondendo, inclusive, a algumas perguntas básicas até hoje sem resposta convincente. Creio que o tabu em que foi transformada a Guerra na região durante tantos anos contribuiu para dificultar as pesquisas em face do desaparecimento de muitas fontes. Havia um certo pudor de tocar no assunto, como se fosse algo vergonhoso ou feio, tanto que nos colégios onde estudei sempre reinou completo silêncio a respeito. Mas hoje, graças ao esforço de dedicados pesquisadores, a situação começa a mudar e o panorama completo daqueles acontecimentos vai se formando, permitindo uma visão confiável do que de fato aconteceu e seus verdadeiros motivos.

Entre os personagens pouco conhecidos está José Fabrício das Neves (1880/85(?)-1925), que teve participação ativa no chamado Combate do Irani, em 22 de outubro de 1912, e depois se entregou a outras atividades, sempre na região, e, no entanto, é quase ignorado pela historiografia catarinense. Graças a um livro recente, de autoria de Celso Martins, essa figura reaparece e tem sua existência descrita com base em fontes confiáveis, recuperando um espaço de que fora alijado pelo esquecimento. Trata-se de “O mato do tigre e o campo do gato – José Fabrício das Neves e o combate do Irani”, publicado pela Editora Insular (Florianópolis, 2007), em que o autor, depois de muita pesquisa bibliográfica, entrevistas, andanças em diversos lugares e inumeráveis indagações, conseguiu rastrear com segurança os passos desse controvertido “coronel”, homem dos mais conhecidos, temido por uns e admirado por outros, ora elevado à condição de herói, ora alcunhado de sanguinário bandido. Ao final, bem pesados os fatos e as circunstâncias, ressalta a influência que exerceu e as conseqüências graves de sua ausência, vítima de traiçoeira emboscada, em 1925.

Parece fora de dúvida que Fabrício participou do célebre Combate do Irani, nas cercanias do Banhado Grande, onde aconteceu o entrevero das tropas legais com os caboclos, falecendo na ocasião o coronel João Gualberto e o “monge” José Maria, líderes de ambas as facções. Segundo alguns, a participação de Fabrício teria sido decisiva na morte do comandante militar, acusação que o perseguiu pela vida toda e teve graves conseqüências. Pelo sim pelo não, o fato é que a partir dali ele não exerceu atividades guerreiras, limitando-se a cuidar de seus negócios e defender os posseiros espoliados pelas colonizadoras, além de se manter em permanente vigilância para continuar vivo. Após seu desaparecimento precoce, aos 40 ou 45 anos, ficaram os posseiros sem proteção e teve início sua dispersão, forçados a abandonar as terras que ocupavam de forma pacífica há muitos anos, às vezes por gerações. Foi uma diáspora nem sempre registrada pela história regional. No fundo, conclui o autor, a Guerra do Contestado e as constantes ondas de violência tiveram como motivo a questão fundiária, o uso da terra. E Fabrício, - segundo disse alguém-, foi enterrado como bandido e ressuscitou como herói graças a esse livro.

(*) Artigo publicado no jornal Página 3 (Balneário Camboriú) de 23.2.2008, pg. 45. Republicação autorizada pelo autor.


Perfil

Enéas Athanázio é ficcionista, crítico e biógrafo com extensa bibliografia. Reside em Camboriú, SC. Nasceu em Campos Novos (SC). Começou a escrever ainda nos tempos acadêmicos, mas seu primeiro livro só foi lançado em 1973 – O Peão Negro, coletânea de contos. Desde então deu a público outros 37 livros e 13 opúsculos, totalizando 51 obras individuais em volumes nos gêneros novela, conto, crônica, ensaio, reportagem, crítica e jurídico. Participou até agora em 125 antologias organizadas em vários Estados e algumas no Exterior. Como ficcionista, foi enquadrado pela crítica entre os regionalistas dos Campos Gerais, na trilha de Tito Carvalho e Guido Wilmar Sassi, embora sem sofrer influência deles. Seus trabalhos são publicados com freqüência em antologias, revistas, suplementos e jornais de vários pontos do País.
(Fonte: http://contosbrasileiros.blogspot.com/2007/09/enas-athanzio.html)


Confira um pouco do trabalho de Enéas Athanázio
http://www.jornaldepoesia.jor.br/eneasathanazio.html

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