Com quanta aleivosia
se faz um José Maria (1)
Iniciamos hoje uma jornada de três edições visando fornecer elementos para um novo perfil de José Maria de Castro Agostinho, o monge José Maria. Pouco se sabe realmente, até agora, quem foi esse personagem, o que deixa espaço para especulações variadas. Se alguém sabe de algo além do que foi escrito, deve estar guardando o segredo a sete chaves.
É possível que os descendentes de Clementino Fabrício das Neves, secretário de José Maria, responsável pelas anotações, tenham alguma coisa. Mas onde andarão essas pessoas? E José Maria? Quem são seus antepassados, onde estariam os possíveis parentes ou eventuais descendentes? O nome completo que adotamos com base no Processo do Irani é seu nome verdadeiro?
Esses são desafios talvez insuperáveis para quem deseja construir uma biografia do personagem. Mas existem pistas, tênues é verdade, que podem nos levar até algum manuscrito daqueles tempos. Ouvi falar em minhas andanças de um “caderno tirado lá do reduto” – do Irani! Está em mãos incertas, mas existem movimentos na sua direção.
Enquanto isso não acontece e é quase certo que não role, temos os raros fragmentos a respeito do personagem. Por ser um tema tão em aberto, me limito a disponibilizar as anotações das leituras que fiz sobre o tema, ainda incompletas, mas que fornecem elementos importantes.
Comungo a posição de Vicente Telles, no Irani, que em uma canção trabalha o que teria sido a máxima de José Maria e da religiosidade de São João Maria: “Quem tem, mói, quem não tem, mói também”. Fotógrafo e músico residente em Concórdia, Julio Gomes abordou em uma música esse aspecto central do que se considera ter sido o ideário de José Maria.
“Tudo do que se tem dito, escrito e publicado sobre José Maria, seu brevíssimo tempo de vida aqui e seus atos, é necessário ser revisto para recolocar a verdade histórica em seu legítimo lugar”, defende Euclides Felippe, topógrafo que residiu várias décadas na região, conversando com antigos combatentes e testemunhas do Contestado.
“Interesses maquiavélicos baralharam sua identidade e proveniência”, diz em relação a José Maria. “Sua personalidade foi destroçada; seu comportamento particular, seus atos públicos, sua influência no Movimento do Contestado, por uns foram incompreendidos e por outro, denegridos de tal forma, que passaram refletir com muito desfavor e prejuízo, principalmente em relação à honradez, à educação moral e à altivez que nosso sertanejo traz por índole e tradição”. (p. 73)
Há também a posição de Pedro Aleixo Felisbino e Eliane Felisbino no livro “Voz de Caboclo” em defesa de José Maria. “Algumas pessoas, talvez por falta de conhecimento, falavam que José Maria abusava sexualmente das virgens, que elas estavam mais para servir José Maria do que transmitir saúde para o povo. As virgens eram filhas de famílias respeitadas e honradas. Com certeza, se José Maria tivesse abusado de algumas das virgens, teria morrido no Taquaruçu e não no Irani, pois os pais delas não iriam aceitar tamanha desonra, e quem o mataria seriam eles”. (p. 37)
Referências
FELIPPE, Euclides J. O último jagunço: Folclore na História da Guerra do Contestado. Curitibanos-SC: UnC Curitibanos, 1995.
FELISBINO, Pedro; FELISBINO, Eliane. Voz de Caboclo: a saga do contestado revivida nas lembranças dos sobreviventes do reduto de Taquaruçu. Florianópolis: Ioesc, 2002.
Retornaremos com as argumentações de Felippe e dos Felisbino.
Abaixo as visões de alguns autores sobre José Maria.
David Carneiro
“Perigoso chefe de malta”
“[...] um sujeito de maus antecedentes, conhecido por ‘Monge’, meio hipócrita meio fanático, cujo nome efetivo seria o de José Maria, seguido de numeroso bando [...]”. (CARNEIRO, David, p. 250)
“Já havia estado em diversos pontos do estado do Paraná e em outros de Santa Catarina, fazendo-se médico e profeta. Embriagado, excitado pelo ambiente de respeito que ao seu derredor se formou, todo e qualquer absurdo que retalhos fantásticos de romances lhe sugerissem, ele os aceitava no intuito de impor-se cada vez mais, hipertrofiado o seu orgulho doentio. Lera romance cujas cenas eram do ciclo de Carlos Magno, e logo resolveu fazer-se chefe de cavaleiros da nova Távola”.
“A ignorância extrema do nosso caboclo do interior, facilitou a tarefa do chefe: Organizou um piquete cujos elementos montavam cavalos brancos, e seguido dessa guarda de honra (verdadeiramente estranha no século XX) percorrera o planalto. Si apenas fora desequilibrado e inofensivo no princípio, logo passou a ser um perigoso chefe de malta, cujo início no plano inclinado do crime, fora ao que parece, acobertar crimes da sua comitiva.” (CARNEIRO, David, p. 250-251) “[...] numerosos fanáticos sacrificados à ambição de um desequilibrado [...]”.(CARNEIRO, David, p. 273)
Fonte: CARNEIRO, David. Duas Histórias em Três Vidas: O Tiro Rio Branco através de seu patrono e do seu fundador. Curitiba: Papelaria Universal, 1939.
Demerval Peixoto
“Fingia viver para o bem”
“...famigerado monge”, diz Euclides Bandeira (p. 63). “Espertalhão dos modernos tempos, José Maria não passava de um embusteiro caçador de dinheiros e também de amores. Tinha em seu convívio íntimo, numa mesma barraca, a pretexto de praticar curas, as mais lindas moçoilas filhas dos seus adeptos”. (PEIXOTO, Demerval. Rio, 1916, p. 64)
“...fingia viver para o bem e dava conselhos aos fiéis que o rodeavam com veneração, vendo nele um verdadeiro enviado do Monge...”. (p. 124)
Fonte: PEIXOTO, Demerval. A Campanha do Contestado. Episódios e Impressões, 1916.
Aujor Ávila da Luz
“Degenerado moral”
“...tendo desertado da polícia do Paraná, internou-se nos sertões daquele estado e começou a exercer o curandeirismo. Na práticas de curandeirice granjeou a fama e a confiança dos sertanejos e logo investiu para o profetismo: começou a vaticinar desgraças e acontecimentos.
Sabendo ler e caindo-lhe nas mãos A História de Carlos Magno ou os Doze Pares de França, resolveu fazer-se chefe de cavaleiros de uma nova ‘Távola Redonda’. O livro impressionou tanto a sua mentalidade primitiva que se lhe tornou uma idéia fixa o levar uma vida romanesca”.
“Em conseqüência de um crime de dfloramento esteve preso, algum tempo, ma cadeia de Palmas, mas o prefeito, tendo-se compadecido dele, conseguiu sua soltura...”.
“Era um caboclo desempenado, com a cara raspada, usando um gorro de couro de jaguatirica e bastante falador...”. (p. 153)
Obs: Ao mesmo tempo que informa ter José Maria a “cara raspada”, mostra o desenho o monge barbudo. (p. 154)
“...mentalidade bronca”. (p. 158)
“Estigmas físicos de degeneração se patenteiam na fisionomia” [de José Maria]: “descontando as catacterísticas raciais do tipo caboclo – tal o era – os seus lábios são grossos, o nariz grande e ahctado, os zigomas salientes, a fronte curta, as orelhas grandes: tipo desempenado, mas baixo e corpulento, a cabeça grande e em desproporção com os membros curtos”. (p. 159)
José Maria foi soldado “do Exército” e depois “praça da polícia do Paraná, da qual desertou”, chamando-se Miguel Lucena de Boaventura”, tendo trocado o nome para José Maria. “...tudo indica o seu temperamento instável”. “O tipo perfeito do fraudador e mistificador, diz-se irmãos do monge João Maria ou ser ele mesmo, deixa crescer a barba para impressionar o povo simples e crédulo, impinge-se como profeta; reivindicador, quer restaurar a monarquia. Instintivo, os delitos sexuais estigmatizam a sua moralidade aberrante. Tudo está a caracterizar em José Maria a sua personalidade de degenerado moral”. (p. 159-160)
Fonte: LUZ, Aujor Ávila da. Os Fanáticos – Crimes e aberrações da religiosidade dos nossos caboclos. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.
Sugestão de leitura na rede
Relevância e atualidade do Contestado na historiografia nacional. Reavaliando um velho livro de Duglas Teixeira Monteiro. Vicente Dobroruka, Professor de História Antiga da Universidade de Brasília (UNB).
Cacho de butieiro (Irani-SC).
Internet: informação sem qualidade
“[...] Este era conhecido inicialmente como um curandeiro de ervas, tendo se apresentado com o nome de José Maria de Santo Agostinho, ainda que, de acordo com um laudo da polícia da Vila de Palmas, Estado do Paraná, ele fosse, na verdade, um soldado desertor condenado por estupro, de nome Miguel Lucena de Boaventura. [...]”.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_do_Contestado. Acesso em 21.11.2008, às 19h11.
“José Maria
O terceiro monge, José Maria, surgiu em 1911, em Campos Novos (SC), e foi, segundo alguns historiadores, um ex-militar. Segundo um laudo da polícia de Vila de Palmas, no Paraná, seu verdadeiro nome era Miguel Lucena de Boaventura, e era um soldado desertor condenado por estupro. Dizia ser irmão do primeiro monge e adotou o nome de João Maria de Santo Agostinho. Utilizava, também, os mesmos métodos de cura dos primeiros, com ervas e água, mas, ao contrário do isolamento de seus antecessores, organizava agrupamentos, fundando os “Quadros Santos”, acampamentos com vida própria, e os “Pares de França”, uma guarda especial formada por 24 homens que o acompanhavam. A região onde atuava era palco de disputas por limites e, sob a alegação de que o monge queria a volta da monarquia, foi pedida a intervenção do Governo Estadual de Santa Catarina, o que foi entendido como uma afronta pelo Governo do Paraná, que enviou uma força militar para a região. A força militar chefiada pelo coronel João Gualberto Gomes de Sá invadiu o “Quadro Santo” de Irani (SC), e morreram no combate tanto o monge João Maria quanto o coronel, o que determinou o fim do ciclo dos monges e a eclosão franca da Guerra do Contestado”.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Monge_Jo%C3%A3o_Maria. Acesso em 21.11.2008, às 19h12.
“[...] Em 1912, em Campos Novos, surge o monge José Maria, ex-soldado do Exército, Miguel Lucena de Boaventura, que não aceitava os problemas sociais que atingiam a população sertaneja do planalto.
O agrupamento que começou a se formar em torno do monge, composto principalmente de caboclos saídos de Curitibanos, se instala nos Campos do Irani. Esta área, sob o controle do Paraná, teme os "invasores catarinenses" e mobiliza o seu Regimento de Segurança, pois esta invasão ocorre, justamente, naquele momento de litígio entre os dois Estados.
Em novembro de 1912, o acampamento de Irani é atacado pela força policial paranaense e trava-se sangrento combate, com a perda de muitos homens e de grande quantidade de material bélico do Paraná, o que fez desencadear novos confrontos, além do agravamento das relações entre Paraná e Santa Catarina. [...]”.
Fonte: http://www.sc.gov.br/conteudo/santacatarina/historia/paginas/13contestado.html.
Acesso em 21.11.2008, às 19h19.
Irani (SC).
Celso meu amigo. Muito boa matéria. Se há alguém que consegue aliar história com jornalismo de forma maestral é tu! Sucesso sempre. Aliás, sucesso tu já alcançou.
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