(2ª parte )
Continuação da entrevista de Antônio Martins Fabrício das Neves a Eunice Cadore Franzack e Delsi Fries (Grupo Resgate/Museu Histórico de Concórdia, Concórdia-SC). Fazenda Bela Vista (Irani-SC) em 16 de outubro de 1990. Abaixo os principais trechos da entrevista, tal como foi transcrita. As informações entre colchetes são minhas.
Eunice Cadore Franzack – O Senhor José Fabrício das Neves participou da batalha do Irani em mil novecentos e doze?
Antônio Martins Fabrício das Neves – Participou, contavam eles que participou.
ECF – Como soldado, como comandante?
AMFN – Ele participou como assessor, ele era dos de mais confiança do monge José Maria. Até o José Maria disse que ajudou muito ele nessa, nesse ideal de colonização, então depois ficaram muito conhecido, muito amigo, e o, e o Maria tinha ele como um dos assessor dele né, mas um assessorava o outro porque não tinha um posto um maior que o outro, só na, na, no dia do combate ali o Maria disse para ele que se, se era para morrer gente ele ia morrer, diz, porque eu não vou deixar essa coloniada tudo aí na frente e eu ficar lá atrás, e nós temos que ir na frente, inclusive nós estamos com, a tanto tempo eles junto com nós de acordo nós também não podemos se prevalecer dessa gente, vamos enfrentar nós, e se eu morrer você pega essas armas que nós temos aí, que era por sinal não era muita arma, mas era espingarda, revólver, espeto e facão de, de madeira, diz, e cuide essa gente, guarneça esse sertão aí, porque diz, está sujeito a morrer e eu vou lá conhecer esse homem, que era o João Dalberto; foi o que ele disse para o Fabrício.
O monge José Maria foi indicado pelo monge João Maria para auxiliar o povo que aqui estava.
Não, o monge João Maria não falava no José Maria, nunca falou.
Ele foi simplesmente um substituto?
Do monge João Maria?
É.
Dizia ele que estava no lugar dele porque ele venceu o tempo dele, agora não sei porque isso; dizia os moradores antigo daqui que o José Maria dizia isso aqui e, mas aí existe, existe alguma coisa, algumas idéias tinha uns que acreditavam, outros não, né, então aí a gente não tem uma coisa certa, né, mas não que, isso eu ouvia só, essas dúvidas que os antigo, meus avós, meus pais falavam que, que eles conversavam quase um dia com o monge João Maria, de um por um porque o monge João Maria não queria junção mais do que dois não era para ir nem onde ele estava, então eles entrevistaram muito e o João Maria nunca falou no José Maria, diz que dizia os moradores daqui que ele era um substituto, agora aí ficou a dúvida, a gente não sabe se era ou não.
No seu ver, o monge José Maria era que tipo de pessoa?
Olha! Pelo que a gente vê na estátua, porque eu não cheguei a conhecer ele, eu acredito que ele, eu acredito que ele era uma pessoa que só pensava para o bem, ele, acho acho que ele era mesmo um legítimo monge.
No dia da batalha do contestado, primeiramente ele rezou a missa, depois aconselhou os habitantes daqui.
Si. Esse foi o José Maria, José Maria era um homem muito inteligente, muito, ele falava onze línguas e, e rezava uma missa como os padre antigo rezavam, né, porque os de hoje já rezam meio por cima, não é, mas, diz ele rezou uma missa, diz ele preveu que que ia morrer porque ele disse para o Fabrício, diz eu vou morrer, mas você não passe do meu sangue que você vai ser um herói do mato. Agora se você vai para a cidade no campo você vai ser um gato, no mato você é uma onça e no campo você é um gato. Não passe.
Esse era um conselho que ele dava para evitar que o José Fabrício fosse morto.
É, para evitar né, senão, venha até onde nós brigamos e vencemos e volte para trás, diz, não passe, não passe do nosso sangue que nós derramamos, mesmo porque daí você só vai mal. No mato você é uma onça e lá no campo você é um gato. Então, respeite isso aí. E foi o que aconteceu o Fabrício se iludiu, passou, e aconteceu terminando morrendo né.
Exato. A verdadeira razão da batalha do Contestado?
Olha a verdadeira razão da batalha do Contestado existia muitas idéias, mas, o que o povo sem estudo previa aqui no mato eu concordo que eles estavam certo, que essa que eles, havia qualquer interesse sobre o terreno, e esses general lá, esses comandante do exército juntaram aquilo como para não vir simplesmente vir aqui matar ou fazer lá o que eles queriam, inventaram aquilo, que eles aqui estavam formando um reduto de jagunço, a santidade, um, como eles diziam antigamente uma coisa, um escândalo aqui no sertão. E não era verdade, não era verdade porque esse José Maria era um homem de muito estudo de muito respeito, e eles tinham ele como um bandido, mas bandido que não tinha morte, não houve nada, portanto tinha centros de colonos trabalhando com eles aí a espera da iniciativa que eles tinham. Então eu acho que essa, esse combate aí havia algum interesse particular.
De quem?
Eu acho que de, de, alguns prevendo não deixar eles fazer o que eles queriam.
E que era a posse da terra?
Que era a posse da terra para todo mundo né, e sabe naquele tempo existia muita região como Palmas, Curitibanos, lá mais para a costa do mar já tinha essa gente muito rica, tinha essas, esses donos que trabalhavam na estrada de ferro, porque já queriam eles colonizar. Então eu acredito que o pessoal ficou nessa suspeita, que houve isso por causa do próprio terreno, não foi por outra coisa.
O José Fabrício e os seus comandados foram mal interpretados, por algumas pessoas especialmente da região de Palmas [PR], quando eles se organizaram para ir buscar os títulos de posse das suas terras, houve um pequeno combate. O Senhor sabe me dizer a razão de que?
Olha, aí é que ficou a legítima dúvida, aí é que se fortaleceu mais aquele ideal que o povo sempre pensava porque nem tanto culpado o cartório de Palmas, porque ele tinha mandado para o Fabrício que fosse lá, fosse lá, que ele ajudava e fazia o possível de documentar todo esse pessoal que ele levasse, mas o interesse de outra gente, de algum, o interesse de algum outro pegar aquela frente que o Fabrício estava praticando para, para fazer essa colonização. Tudo isso era o nosso povo, a fabriciada daqui como a Senhora dizia, ficou, nessa suspeita, e eu concordo com eles que isso quase que seria uma realidade.
O Senhor classifica o jagunço como? Com que tipo de pessoa?
Olha, como que eu classifico o jagunço não por eu ser descendente de jagunço, mas como uma pessoa de muito valor, homem disposto, homem de coragem, homem justo, que já vimos que a autoridade naquele tempo a autoridade era muito rara, não existia como tem hoje, né, então era feito de um para outro, então aí é que a gente distinguia os homens justos e corajosos e fazendo que era de justo, então eu classifico o jagunço nesse tipo, gente disposta, gente que, gente simples, tipo o gaúcho, então eu não, não desligo muito o gaúcho do jagunço, é quase, eu para mim é quase o mesmo estilo de gente.
Mas esse jagunço que se formou aqui nesta região eram todos descendentes do povo do Rio Grande do Sul?
Tudo gaúcho, tudo, tudo, tudo, não tinha nenhum de outra região, a não ser o dito Maria que esse ninguém soube como é que ele veio apareceu por aí, meio imitando mesmo o monge João Maria. Mas o mais era tudo gente do Rio Grande, tudo, tudo.
Os jagunços eram muito unidos?
Muito, muito, muito. Para isso até eu fiz, muito unido e muito inteligente, e que eu até tenho aquela poesia que a Senhora viu ali, que eles consideravam a união o respeito com a riqueza, e, e é uma realidade mesmo, a nossa felicidade é a união e o respeito, então aí surgiu muito não sei se eles, e essa herança eles trouxeram do Rio Grande do Sul. Então por isso que eu digo que o jagunço e o gaúcho é quase a mesma coisa, que a tradição deles era a mesma.
Depois dos combates do Irani alguns chefes esconderam-se em outras regiões. O Senhor saberia me dizer o nome de algum? O motivo real que eles estavam afastados dessa região?
Depois do combate?
Exato.
Olha, eu não, não tenho conhecimento disso, o único chefe que ficou, que nós conhecemos por aqui foi o Fabrício. Depois teve outros que tinha, o Deodato, também era um chefão do, que no fim o Deodato também fez a, ele vendeu-se para os fazendeiros de Curitibanos, Lages, pra lá, não sei lá, que eram os que mais queriam nos massacrar né, e os outros não, não tenho conhecimento do nome deles, o mais que eu conheci era o Praxeti. Prazeti ele, esse eu conheci, não eles mas estive falando com o filho dele em Tauaruçu não faz muito tempo, né, esse morava em Taquaruçu mas já posto lá pelo Maria e o Fabrício. E ele era também mas aquele não, não, não se envolveu muito né, ele só tratava de guardar a guardinha dele lá onde ele foi posto, mas eu, eu, do mago dos jagunço como nós falava que eu tenho conhecimento só do Fabrício.
Depois da batalha do contestado em mil novecentos e doze, um pelotão do exército permaneceu aqui em Irani por muitos anos.
Permaneceu uns quantos anos.
E esse não foi o motivo do afastamento do José Fabrício das Neves da região?
É, ele se cuidava muito né, ele não, dizia que ele correu, que nem os outros, daqui, os moradores daqui não ficaram aqui, nenhum, ficou só mulher e as criança. Eles foram para Itá, eles diziam pro sertão, naquele tempo, que o sertão não era Itá, quando aqui já estavam no sertão, lá diziam que era sertão. Então, mas o Fabrício transitava daqui lá mas tocando o mesmo serviço, a mesma, o mesmo ideal que eles tinham, lidando com criação, fazenda, lavoura, ele não, não, nunca correu pra, é ele nunca correu para dar lado pros outros né, ele ficava na dele, nunca provocou ninguém mas também não correu, ele cuidou da vida dele como ele sempre tinha aquele ideal.
Nesta mesma época, José Fabrício montou uma pequena colônia no Engenho Velho.
É ele tinha. É como nós falava, esse território era muito grande, e eles queriam, sempre recebiam, diziam eles que sempre recebiam ah muitos pedidos do Rio Grande do Sul, então eles seguravam o que puderam. Conhecendo, não assegurando, conhecendo os lugares, então eles montaram muitos, muitos lugares, muitas regiões que eles, que hoje dizem comunidades, né, então ele fazia muitas comunidades, ele cuidava, quando viesse aquele povo botava lá se se agradava, se não ia pra cá, a escolha do pessoal que fazia aqueles pedidos de terreno para ele.
E na região de Fragosos, quem habitou lá?
Na região de Fragosos quem habitou foi os maiores assessores do Fabrício. Eram três irmãos, era uma família Cesário diziam eles, e até estão no retrato com o Fabrício. Eles eram muito conhecidos dentro do Rio Grande do Sul então, aqueles moravam nos Fragosos, era Cesário e Fragoso, Fragoso era duas famílias, Fragoso era um nome de gente, que até eu acho que a Senhora conheceu o Pedro Fragoso?
Conheci.
É descendente daquela gente. Aquele é descendente dessa gente, e então os que moravam lá é esse, que por sinal morreram junto co Fabrício, da mesma traição que o Fabrício fez, que fizeram com Fabrício, mataram esses três irmãos.
Sobre os empregados da estrada de ferro, depois que eles estavam desempregados, que acabou-se a construção da, da estrada ali, eles ajudaram o José Fabrício, eles se aliaram ao Fabrício, ou quem foram essas pessoas?
Não, eles não queriam relação com o Fabrício, nunca quiseram, essa, essa empresa que, que eles falaram de estrada de ferro, eles eram muito contra o ideal do Fabrício e não, então aí é que surgiu as dúvidas e deu essa briga que deu no Banhado Grande, porque essa gente da estrada de ferro eram muito contra essa, essa colonização desse intervalo desses dois rios, que é o Iguaçu e o Uruguai.
As primeiras colonizadoras dessa região vieram do Rio Grande do Sul. Conta-se que houve um acordo entre o José Fabrício das Neves e as colonizadoras, o Senhor sabe me dizer alguma coisa?
Nunca ouvi falar, não é do meu conhecimento, porque se tivesse alguma relação, alguma coisa o meu, o meu pai, meus avós sabiam disso, mas eles nunca falaram sobre isso. Eu acho que isso aí nunca, nunca houve.
(A terceira última parte do depoimento de Antônio Martins Fabrício das Neves ao Museu Histórico de Concórdia será postada no próximo sábado, dia 15.11)
ENSAIO FOTOGRÁFICO DE J. L. CIBILS
Capitel no município de Lebon Régis (SC).
Imagens do Irani (SC) em 2002. As três primeiras fotos são do Cemitério do Contestado. A última é do monumento Mãos de Cimento (artista Mano Alvim).
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