Irani (SC).
Fazenda Bela Vista.
14 horas, dia 17 de outubro de 1990.
Antônio Martins Fabrício das Neves é entrevistado por Eunice Cadore Franzack e Delsi Fries, integrantes do Grupo Resgate do Museu Histórico de Concórdia-SC.
Fita nº 002. Transcrição: Alvair Santos (Iti). Datilografia: Dulce Joana Weirich.
Antônio é filho de João Damas Fabrício das Neves e Gertrudes Martins de Lima.
Abaixo os principais trechos da entrevista, tal como foi transcrita. As informações entre colchetes são minhas.
Antônio Fabrício das Neves (21.3.2007). Foto: Margaret Grando.
(1ª parte)
Eunice Cadore Franzack – O senhor vem de uma família numerosa? Quantos irmãos tinha?
Antônio Martins Fabrício das Neves – Nós era onze, onze irmão.
ECF – Todos nascidos aqui em Irani?
AMFN – Todos não. Uma parte muito grande em Passo Fundo, os mais novo, os cinco mais novo, nasceram aqui, a maioria já vieram de Passo Fundo.
Tudo bem Seu Antônio, nós hoje estamos aqui lhe entrevistando para que o Senhor nos conte alguma coisa a respeito dos seus antepassados; o Seu José Fabrício das Neves especialmente, que é nosso assunto preferido da nossa entrevista, por isso como nós já anteriormente conversamos, o senhor lembra, tem alguma informação a nos dar, desde o tempo em que o José Fabrício das Neves residia em Passo Fundo? O que o senhor pode nos dizer a respeito?
De Passo Fundo, a residência deles de Passo Fundo, eu só posso dar uma informação da vinda deles para cá. Porque eu já sou nascido aqui e a maioria da, da, do que eu conheço já foi coisas que aconteceu aqui. Que eles vieram para cá mandados do monge, foi meu pai e também da família dele né, que era a mesma família do Fabrício vieram para cá, pra, indicado, era um lugar muito bom, e eles estavam um pouco chocados lá, por que na guerra de noventa e três perderam o nosso avô, né, então nessa época passou esse monge, esse José, João Maria, e indicou que eles viessem para cá, então foi aonde aconteceu que eles vieram para cá arranjaram este sertão, foram os primeiros que entraram aqui, foi essa família. Aqui não existia ninguém, quando eles chegaram aqui só tinha índio, sertão e índio, então do Uruguai para cá eles vieram fazendo pique [picada, caminho], sofrendo, até chegar aonde eles estavam indicado para eles morar.
Esse monge João Maria, residia em Passo Fundo ou vinha de outro lugar?
Esse monge João Maria porque eu ouvi eles falarem, meus pais, meus avós, ele andava... ele não residia em lugar nenhum e lá ele pousou de passagem. Dizia ele, disse para eles que ele não ficava mais que um dia num lugar. Ele só pousou na frente da casa deles, não quis cômodo nenhum, e no outro dia seguiu viagem dele a mesma coisa.
Em que ano foi a passagem do monge João Maria por Passo Fundo?
Isso foi mais ou menos em oitocentos e noventa e quatro, noventa e cinco... porque desde que ele indicou eles só trataram de, de sair, vir para onde o monge indicou.
Então em que ano vieram os seus parentes residir nesta região?
Eles vieram mais ou menos aí por oitocentos e noventa e seis, noventa e sete, mais ou menos por aí assim.
Quantas pessoas vieram?
Bom, o total das pessoas eu não sei, eu sei que eles eram mais ou menos em dez ou onze famílias, isso eu sei, agora não posso distinguir quantas pessoas tinha em cada família. E eram famílias grandes, tudo, não tinha nenhum de pouca família assim porque eram umas famílias muito grande.
E essas famílias tinham que nomes?
Eram Fabrício e Soares.
A grande maioria, ou a totalidade?
A maioria, a maioria, os que não eram mas sempre por longe eram parentes, embora não fossem descendentes da família, mas eram parentes sim.
Como é que eles chegaram até aqui?
Até Marcelino Ramos [RS], diz eles, que vieram a cavalo, com cargueiro, é só, só, só com cavalo e cargueiro né, porque estrada para carroça eu nunca ouvi eles falar que tinha. E lá eles deixaram o comboio deles e vieram a pé, e depois de muito tempo eles fizeram um pique para ir trazendo o resto da mudança que eles deixaram do outro do Uruguai, que é Marcelino Ramos.
O Senhor falou que aqui eles chegando encontraram alguns índios, o Senhor podia nos dizer alguma coisa a respeito?
Pois é, eles falaram né, que só tinha índio, que não encontraram outras famílias morando aqui não.
Esses índios eram identificados como?
Eles diz... diziam eles que eram os índios Carijó, agora não, naquela época não distinguiam a raça dos índios como hoje existe, então nós conhecíamos aqueles índios, até que alguns eu cheguei a conhecer, por os índios Carijó.
Eles eram amistosos ou eram ferozes?
Não, os índios daqui que nós conhecemos não. Eles tinham mais relação com os índios que viviam no sertão do Paraná, mas aqueles se mostravam... diziam aqueles índios que não convinha até o pessoal ter relação com eles porque eles eram perigosos.
Muito bem! E na visão do monge João Maria qual era o terreno, realmente indicado para ser colonizado?
Olha, ele indicou do Rio Iguaçu até o Rio Uruguai. Esse eram um território que ele dizia que era um terreno muito bom e estava despovoado, então ele indicou que eles deviam vir para cá, para ver se colonizavam. Com o tempo abriu os primeiros pique para ver o que hoje aconteceu que tá...
Bom, então os seus familiares instalaram-se em primeira mão nos campos de Irani.
Nos campos de Irani, é esse era os criadores, o que tinha eles distinguiam a terra de cultura e os criadores. Então aonde as terras eram magras eles aproveitavam para criar. Foi o caso do Fabrício se instalar em Concórdia, é terra de plantar, terra boa, e aqui em cima era campo, e no campo só dá para criar, então por isso é que eles tiveram essas duas paradas, paravam aqui e lá para bem de aproveitar o valor da terra que tinha, tanto para criar, como para plantar.
Então essas paradas que o Senhor diz, uma foi Concórdia, outra foi Irani.
Irani.
Em Concórdia residiu quem?
Olha residia mesmo os assessores do Fabrício, isso quase de todos os Fabrício porque eles lutavam na agricultura lá e criavam aqui, então eles tinham esse, essas duas paradas. Mas que morava mesmo efetivo era os assessores dele. Esses, esses dito coronel de fazenda.
E eles lá tomavam parte de que parte do povoado ou da região?
Não tinha parte, não tinha limite porque eles estavam, aquele pessoal antigo acreditava muito nessa história do monge, então o monge indicou esse território, e viu que antigamente diziam eles que era pequeno porque o mundo era despovoado, mas era um pedaço muito grande, então eles não tinham quantia certa para, para eles fazerem para se localizar. Esse intervalo do Rio Iguaçu até o Rio Uruguai ficou a dispor deles indicado por esse monge né?
E o coronel de fazenda Salva... Salvador Inácio, estava onde?
Esse era morto.
Era morto?
Era morto, esse morreu na guerra de noventa e três; ó, eu não sei se foi em Passo Fundo ou, eles contavam até o nome do combate onde ele morreu né, então esse foi coronel de campanha, ele foi a coronel por posto de ato de bravura.
Sim, e o coronel Luis Adão Jaques?
Bom, esse era coronel de fazenda, esse era coronel um assessor do Fabrício.
Residiu em Concórdia também?
Residiu, residiu em Concórdia.
E que localização mais ou menos o Senhor nos dá para o quartel General do Seu Fabrício das Neves em Concórdia?
Bom, era no antigo prédio do Marafon. Estava localizado justamente aonde era que o povo dizia o quartel General de Fabrício. Era bem aí, onde estava o prédio do Marafon, ali era que o Fabrício se localizasse. Que ele fazia as paradas quando ele ia daqui, da fazenda para lá. Era ali, naquele lugar ali.
O senhor identificaria hoje, em Concórdia o local?
Identificaria! Por ali onde está o Pitol por ali pra baixo ali era, ali tinha um limpo grande [área desmatada], ali ele pegava mais ou menos entre os piquete como eles diziam, os piquete era de botá os cavalos quando a gente viajava muito. Aí chegava lá eles tinha lá uns quatro ou cinco alqueire de terra meio limpo né, mas a totalidade da casa dele mesmo ali, até era uma casa mais ou menos, de madeira, mas era uma casa boa. Hoje existe a fotografia dele, na casa eu não pude ainda resgatar, mas o Vicente parece que tem. Eu falei com ele depois que a Senhora esteve aqui. O jornal daí mostra o x, onde ele tinha ali era onde ele parava, era ali.
Muito bem! O Senhor José Fabrício das Neves fazia o percurso de Irani a Concórdia, supervisionando o trabalho de seus assessores? O que o Senhor tem a nos dizer a respeito?
Bom, ele fazia esse trajeto daqui até lá, atendendo sempre o que eles tencionavam, né trabalhava direito, que não houvesse discórdia nenhuma com essa, com essa gente né, que eles queriam só prevendo para futuramente eles terem, cada um o seu patrimoniozinho né, que é o que a iniciativa dele sempre foi essa.
Em que ano o Seu José Fabrício das Neves instalou o seu quartel General em Concórdia?
Olha, esse tinha que ser mais ou menos pelo tempo que eles vieram do Rio Grande para cá, eu acho que eles instalou-se aí por mil e oitocentos e noventa e quatro, noventa e três, por aí assim né, porque isso foi depois que eles já tiveram uns quantos tempo meio já conhecendo aqui a região né, depois que ele voltou a se instalar tencionando ser definitivo, aquela localidade deles lá para cultura. Para criador aqui em cima e para cultura lá, Concórdia que eles agradaram muito do terreno né, do Rio Uruguai até Concórdia, terra muito boa, e gente que trabalhava, conheciam o que, o que era a natureza né, terra boa, terra de criar, então essa era a iniciativa deles.
Porque o nome de Queimados?
Sim. Os queimados, justamente pegou esse nome porque eles quiseram fazer um limpado para se fazer as comunidades deles ali, e a maneira mais fácil que eles acharam foi botar fogo, então por isso que ele ganhou o nome de Queimados, aquela costeira do rio ali e abrangendo mais esse terreno no jeito que hoje é Fragoso porque justamente nós conhecia mais esse terreno no jeito que hoje é Fragoso porque justamente nós conhecia mais os queimados em cima das lona, lá em cima. Lá na lona o fogo trabalhou mais então por sinal eles dizem que até sofreram bastante para poder evitar o fogo porque estava atingindo já uma área que eles não queriam, então... mas hoje já atinge de Concórdia até lá e lá eu acho que nem Queimados não é mais, já é... nem sei como é que chama aquela linha lá em cima. [Linha São Paulo, bairro Fragosos, Concórdia-SC]
[...]
Então explicando melhor, o fogo fugiu do controle das pessoas que atearam.
Sim, é, eles precisavam uma coisa e o fogo se formou muito forte né, então ele queimou um bom pedaço de terreno.
E sobre a lenda que dizem de cadáveres queimados?
Não. Aquilo ali eu acho que não é verdade, isto é, é umas emendas que ponharam porque sabe, como a gente as vezes, como meus antigos previam ia hoje, e as vezes eu mesmo estou pensando, eu acho que atrás disso aí tinha alguma coisa. Então cada um conta o seu né, puxa a sua, então por isso é que bem esses, essas coisas que às vezes não aconteceu, como ali de fato sobre o Queimado, esse eu tenho certeza que não aconteceu porque esse eu sabia que era os Queimado por intermédio do fogo lá no mato, não que queimassem gente. Porque não havia necessidade de queimar então que jogasse no mato, era sertão, ninguém ia ver, acho que isso daí não é verdade.
Conta-se também que Fabrício era uma pessoa muito boa.
Bom, é como eu falava agora, cada um puxa o seu lado, não é por ele ser meu parente, que ele é meu primo irmão. O Fabrício, mas os que conheceram eles, portanto ele teve tudo esses assessores que vieram para cá à procura dele. Inclusive meu sogro conheceu muito ele que morou comigo aqui né, conheceu ele de fundo, do tempo antigo que ele também veio do Rio Grande a muitos anos atrás e veio e veio diretamente informado pelo Fabrício. Ele contava que fiz que ele nunca viu nada, só viu um homem disposto e pronto a servir os outros, que ele diz que foi muito socorrido pelo Fabrício.
Como era o nome do seu sogro?
José Bortolin.
Bortolin?
É.
Outras coisas a respeito do seu Fabrício das Neves que o senhor possa nos dizer? A região de Fragosos, a região de Itá, adiante ainda de Irani, por onde ele circulava, quais eram as atividades dele nessas regiões?
A atividade dele sempre prevendo pra, pra cultura, pra, pra formar pecuária e dar boa agricultura, sempre foi a iniciativa deles foi essa.
Quais eram os tipos de cultura que eles praticavam?
Ó essa era a maioria roça, mas roças muito grandes, feitas nas matas, porque naquele tempo eles faziam aí duas, três colônias de roça como diz, que eles faziam, era quatro cinco colônias de roças eles faziam, e depois soltavam os porco para que fosse criar lá, fosse consumir, cada um enchia o seu paiol de milho, né, porque comércio não tinha que tirasse, que se abastecesse, que desse para o homem e depois soltava a criação para criar carne, soltava vaca, porco, era o que mais eles lutavam por isso.
Então a produção era quase que essencialmente para o consumo?
Só para o consumo deles mesmo, porque comércio aqui não tinha.
(Continua dia 13.11.2008, quinta-feira)
Quadro do pintor Willy Zumblick (Tubarão-SC, 1913-2008). Obra: "Terno-de-Reis do Irani".
Imagem de São João Maria. Reprodução: Dario de Almeida Prado. Acervo: Sérgio Rubin (Canga).
Concórdia-SC em 1926. Acervo: Museu Histórico de Concórdia.
Concórdia-SC na década de 1920. Acervo: Museu Histórico de Concórdia.
Campos do Irani-SC.
Muito bom resgatar essas figuras de nossa História.
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