sábado, 6 de dezembro de 2008

José Fabrício das Neves (21)

Monumento ao Contestado (Iranai-SC)


Miguel Fragoso na defensiva

Na avaliação dos historiadores paranaenses, no final da madrugada do dia 22 de outubro de 1912, houve uma “espera”, ou seja, uma emboscada, não um combate. As acusações chegaram a seus ouvidos e Miguel Fragoso resolveu se apresentar em Palmas, tendo conversado com as autoridades, transmitindo a imagem de um “sertanejo inteligente que pesava seus sentimentos e seus atos”.

Sua presença irritou praças e oficiais do Regimento de Segurança que “alçaram-se em um motim para linchá-lo, em vindita [vingança] dos companheiros tombados”, o que foi evitado pelo coronel Pyrrho, “que teve de desembainhar a espada afim de contê-los”. Fragoso, segundo Fredericindo Mares de Souza (1987, p. 133), “obedecia à orientação do coronel Soares, este até acusado de lhe dar proteção, talvez por serem ambos antigos maragatos”.

Fragoso tinha uma versão preparada com antecedência, visando convencer as autoridades de Palmas de que “não se envolvera em absoluto nos sucessos. Ao contrário, afastou muita gente de cair no fanatismo”. Ou seja, ele foi convincente, contando o que muitos autores reproduzem. Chamado por José Maria três vezes, não atendera, tendo procurado o coronel Domingos Soares quando ele esteve em Irani conferenciando com o monge. “Enquanto o esperava, conversou com José Maria. Teve com ele um começo de atrito ao tentar convencê-lo a retirar-se”, conta Souza (1987, p. 133). Ao tentar acalma-lo, José Maria o tratou por compadre, ouvindo de Fragoso um “não sou seu compadre”.

Antes de o inquérito ir “parar nas prateleiras do Cartório Criminal de Palmas”, após serem ouvidas dezenas de testemunhas, as autoridades do Paraná estavam convictas de que “a idéia de resistir coube sem dúvida ao monge e dirigiram a ação guerreira vários cabecilhas, entre os quais Juca Fabrício [José Fabrício das Neves] e os fiéis do Taquaruçu”, sendo citados José Nunes Paiva (também chamado José Felisberto), Brito Antônio, Praxedes Gomes Damasceno, Cirino Chato (Cirino Preto) e “o fiel escriba Clementino”, que após o combate “solicitou socorro na casa da família Kades”, tendo que “segurar nas mãos o maxilar arrebentado por um balázio de comblain”. Quanto a José Fabrício, ficou marcado como sendo um “famanaz [afamado] do crime” e que, “processado, fugiu” (SOUZA, 1987, p. 133).


Referência

SOUZA, Fredericindo Mares de. O presidente Carlos Cavalcanti e a revolta do Contestado. Curitiba: Lítero-Técnica, 1987.

Engenho Velho (Concórdia-SC), região de abrigo e
atividades
de Miguel Fragoso e José Fabrício das Neves

O testemunho no Processo do Irani (Palmas)

“Auto de perguntas feitas a Miguel Soares Fragoso”, em 5.11.1912. Tinha 56 anos, viúvo, industrial, natural de Rio Negro, filho de Honório Soares Fragoso, residente no Jacutinga, sabendo ler e escrever.

Disse que no dia 14 ou 15 de outubro (1912), “soube que no Faxinal dos Fabrícios, no Irani, se achava um monge receitando remédios, e como o respondente se achasse doente, ordenou a seu genro Augusto Ruth Schmidt [frei Tambosi escreve Schmitt] fosse ao Faxinal consultar com o tal monge, afim de ver se obtinha algum medicamento para cura de sua moléstia. [...] que tendo seu genro consultado ao Monge nesse sentido este disse ao genro do respondente que remédio não daria sem que o respondente fosse a sua presença”.

No dia 19, “teve ciência que o referido Monge pretendia seguir com seu pessoal para o Jacutinga e também porque desejasse obter [....] com o mesmo”. Fragoso deixou sua casa acompanhado de 20 homens e “dirigiu-se ao acampamento do monge, tendo pernoitado no lugar denominado Engano, de onde saiu no dia seguinte pela manhã, além dos que já tinha em sua companhia, pernoitando nesse mesmo dia no acampamento do Monge onde chegou acompanhado de 38 homens, alguns dos quais lhe alcançaram em caminho”.

Ao chegar ao acampamento de JM, este “ordenou” que os homens de Fragoso recebessem fitas brancas para por nos chapéus, “tendo o respondente recusado-se a isto”. Alegou que “não estava tratando de guerra e que se o Monge quisesse brigar que saísse para o campo e não ficasse [...] sacrificando tantas famílias, porque o respondente não queria ver seus parentes e amigos mutilados por bala, apesar de ter ele Monge feito convencer à sua gente que balas de inimigos não os atingia, pois era sair da boca da arma e cair no chão sem ofendê-los, pois para o inimigo era bastante chegar a facão, tendo então o respondente feito ver ao Monge o que era o resultado de um combate, do qual o respondente tem prática, que feito pelo respondente estas ponderações o Monge demonstrou-se contrariado, não trocando, desde então, mais palavra com o respondente; que nessa noite o respondente encontrou o Monge que disse chamar-se José Maria de Castro Agustinho [assinalado no original], hospedado na casa de Miguel Fabrício das Neves [...] que na casa estavam armadas muitas barracas”.

“[...] no dia seguinte, o respondente notou que o número de homens que ali se achavam era de duzentos e cinqüenta, mais ou menos, entre os quais o respondente lembrasse de ter visto José Fabrício das Neves, José Perão, vulgo José Felisberto, Dezidério Perão, Bento Quiterio, Thomaz Fabrício das Neves, Miguel Mato-Grosso que é um indivíduo de vinte e cinco anos de idade, bigode, cabelo e barba preta, de estatura regular, filho de José Matto-Grosso, um cunhado de Miguel Matto-Grosso de nome Germano de Tal, de estatura regular, gordo, moreno, tipo de Paraguaio, regulando vinte e oito anos, mais ou menos, e um vacariano de nome Pedro Felix que fazia parte dos doze pares do Monge, que tendo chegado no acampamento do Monge no dia vinte, ai pernoitou e passou o dia seguinte vinte e um onde novamente pernoitou”.

“[...] que no dia vinte e um chegou ao acampamento do Monge às onze horas o dia uma comissão composta do Coronel Domingos Soares, Octávio Marcondes, João Varella, José Júlio Farrapo e Déco Cachoeira, que ali foram conferenciar com o Monge de cuja conferência o respondente fez parte, tendo ouvido o Coronel Soares perguntar o que significava aquele pessoal ali acampado e armado, [...] daquela zona, afirmando o Monge que nada tinha com o Governo nem com o povo do Paraná e que ali estava devido terem levantado em Curitibanos uma calúnia contra ele, acusando-o de ter tentado restaurar a Monarquia no povoado denominado Taquaruçu, no Estado de Santa Catarina, tendo então o Coronel Soares aconselhado ao Monge que procurasse seus direitos por meios legais, constituindo para isso um advogado e que reuniões daquela natureza o Governo não consentia, tendo nessa ocasião o Monge feito ver que de Santa Catarina tinha vindo atropelado e se o governo do Paraná o perseguisse também, ele seria obrigado a [...]”.

Na ocasião Soares teria dito que “o Monge podia ir deixando ali as pessoas do lugar que eram homens pacíficos e ordeiros”. José Maria “disse as seguintes palavras: ‘Pois que estóre ou que arrebente”. Diante disso, Soares “muito incomodado, disse ainda algumas palavras ao Monge e em seguida retirou-se para uma sala próxima; neste momento Octávio Marcondes entrou em conversa com o Monge e após ter feito a este muitas ponderações, fez ver ao Monge que diversas pessoas que ali se achavam ao lado deste eram arrendatários da Fazenda Iranÿ e pelos quais Octávio Marcondes se interessava muito, não tendo o respondente ouvido o Monge dizer coisa alguma a Octávio em resposta as suas palavras”.

Fragoso deixou o quarto e se dirigiu a uma sala onde estava Domingos Soares e convidou este, bem como a José Fabrício, para conversarem no sentido de verem se conseguiam retirar o pessoal de José Fabrício, dispersando estes”. Soares e Fragoso aconselharam “a José Fabrício no sentido de ordenar a dissolução do seu pessoal respondeu este que se achava em tratamento de sua saúde em casa de seu irmão Thomaz onde estava acampado um grupo de homens armados ao lado do monge e que se a gente do Governo viesse metia bala [assinalado no original], dizendo o Coronel Soares a José Fabrício que se ele pusesse bala na força que viesse o Governo mandaria para ali força necessária para a manutenção da ordem, perguntando o Coronel Soares a José Fabrício que motivo havia para quererem brigar contra o Governo, tendo nessa ocasião José Fabrício ficado cabisbaixo sem proferir palavra, retirando-se dali o respondente e o Coronel Soares”.

Fragoso teria dito a Soares que o Monge “estava zangado” e que ia falar novamente com ele, para ver se “conseguia encaminhar aquele povo para suas casas; de acordo com o Coronel Soares falou o respondente novamente com o Monge, fazendo ver a este que o Coronel Soares era o chefe do pessoal daquela zona e pelo qual muito se interessava e que por isso ele, Monge, devia entrar em acordo com o Coronel Soares”. José Maria pediu a Fragoso que “este garantisse a passagem dele, Monge, dali para o Estado de Santa Catarina”. Fragoso chamou Soares e transmitiu o pedido, “tendo o Coronel Soares dito-lhe que de sua parte estava garantido; que o Monge podia sair em direção ao Campo-Erê onde nada lhe aconteceria, esta promessa o Coronel Soares fez no sentido de facilitar a prisão do Monge”.

Momentos depois o Coronel Soares “e seus companheiros se despediram do Monge e retiraram-se em direção ao campo; que nesta ocasião o respondente viu Octávio Marcondes tirar do bolso uma carta e entregar ao Monge; que este lendo-a disse o seguinte: ‘Pois eu então sou homem de receber cartas escritas a lápis?’ não tendo o respondente ouvido qual foi a resposta de Octávio; que a tarde o respondente notou que o Monge estava bastante zangado e que daí a pouco encilhar a cavalhada e depois de formado o piquete composto de quarenta homens armados o Monge montou a cavalo e partiu com o piquete a toda disparada em direção a saída do campo, de onde voltou as três horas da madrugada”.

Fragoso viu quando José Maria “entrou na casa de Miguel Fabrício, onde se achava hospedado”. Na manhã seguinte, 22 de oututro de 1912, Fragoso “ordenou que o pessoal que andava com sigo procurassem seus animais para voltarem para o Jacutinga, onde morava”. Por volta das 6h30, “mais ou menos”, “chegou ao acampamento do Monge um indivíduo que o respondente não conhece dizendo ao Monge que as forças do Governo já estavam no campo fazendo tiroteio; sabendo o Monge desta notícia, mandou, a toda pressa, encilhar a cavalhada, que já estava a cabresto, e montou a cavalo saindo na frente da força que era composta de cinqüenta homens mais ou menos, o célebre Monge José Maria [...] pronunciando em frente do piquete as seguintes palavras: Quem experimentar José Maria uma vez, a outra vez, não quererá nem com açúcar [assinalado no original]; e após muitos vivas que partiram do povo da força o Monge disse o seguinte: Alegrem o coração rapaziada, e, em seguida partiu em direção ao campo onde em caminho juntou-se com José Fabrício que com muita gente fazia, no mato, a guarda avançada, em quanto isto o respondente pôs-se a frente de um grupo de cento e tantos homens a pé e conseguiu que todos abandonassem o Monge e se retirassem para suas casas o que fizeram; que momentos depois o respondente ouviu cerrado tiroteio o qual calculou ser efetuado no Banhado Grande próximo ao mato”.

Ao se dirigir para sua casa, disse Fragoso, “foi alcançado por Gabriel Cordeiro que tinha estado no tiroteio que disse ao respondente que o Monge tinha tiroteado com as forças do Governo, constando ter estas acabado com o pessoal do piquete e que o Monge também tinha morrido; que Gabriel apartando-se tomou o rumo da [serra]”, enquanto Fragoso e seus homens seguiram viagem.

“[...] que o respondente sabe que José Fabrício das Neves, José Alves Perão, Miguel Matto-Grosso, Bento Quitério e Dezidério Perão, tomaram parte ativa no combate de vinte e dois, ao lado de José Maria, bem como um indivíduo conhecido por comandante Praxedes, Pedro Felix, Cláudio, João e Antônio Belchior, e Clementino Fabrício que servia de Secretário do Monge”.

Fragoso diz em seu depoimento que “o homem que mais confiança merecia do monge era José Fabrício das Neves que era encarregado de reunir o pessoal para seguir o Monge”. Garante que não lutou ao lado do Monge, e que “apenas alguns dos rapazes que vieram consigo aceitaram o distintivo do Monge, pondo uma fita branca no chapéu; que o respondente desconfia que alguns destes houvessem logrado a sua atividade e acompanhado as forças do Monge, porque em regresso para sua casa verificou que alguns deles não tinham aparecido, entre esses João Leme, Antônio Palhano, Francisco Leme e Paulo de Tal”.

Disse ainda que, a caminho, soube que “o tal comandante Praxedes tinha saído ferido e tinha tomado a direção do Jacutinga”, o que ficou sabendo “por um de seus filhos que tinha ficado na invernada do acampamento procurando um animal que estava extraviado e que encontrou-se com o mesmo Praxedes quando este ferido entrava no mato após o combate; sabendo também que Sebastião Baiano que estava com o Monge também saiu ferido”.

Sobre Miguel Fabrício das Neves disse que até o dia 21 de outubro, este “conservou-se sempre ao lado do Monge”. Tanto é que “na tarde do mesmo dia, quando o Monge saiu do acampamento com todo o seu pessoal, voltando para ali às três horas da madrugada, Miguel Fabrício ficou com o piquete ao lado do Monge, voltando Miguel Fabrício adoentado devido ter destroncado seu pé proveniente de ter rodado o animal em que montava, motivo este que fez Miguel ficar em casa no dia do combate”. Fragoso, entretanto, “acredita que se Miguel não estivesse doente teria tomado parte saliente no combate ao lado do Monge”.

A caminho de Palmas, onde ia depor, soube que no lugar Macaquinhos tinha aparecido diversas pessoas do grupo do Monge que fugiram depois do combate e que lá mesmo tinha chegado um indivíduo gravemente ferido que faleceu no dia seguinte”, [...] e alguns deixaram no local animais do Governo. Soube por Eleodoro Silveira que onze pessoas haviam morrido, inclusive o coronel João Gualberto.

O coronel viu “os doze pares do Monge, todos montados em animais claros os quais viviam garrados ao Monge; que o Monge dava a esses homens o título de ‘Doze Pares de França’”. Através de José Fragoso, Miguel Fragoso “também soube que depois do combate José Fabrício das Neves ficou no campo de luta recadando tudo quanto ali estava, inclusive tudo quanto o Monge tinha em seu poder assim como dinheiro, relógio e outros objetos, sendo provável que a mesma coisa fizesse Fabrício levando o dinheiro e objetos do Coronel João Gualberto”. Que no acampamento do Monge, “falavam que este carregava consigo muito dinheiro”.

Miguel Fragoso “ouviu propalarem que parte das forças do Governo não tinha [enfrentado] os fanáticos, tendo logo recuado, deixando assim enfraquecido o pessoal que se batia, no entrevero, aparecendo ao respondente que se a força do Governo fizesse resistência parelha teria feito completa derrota no pessoal do Monge, pois quando partiu o Monge com seu pessoal, o respondente calculou que nenhum deles voltasse com vida, pois, o respondente estava certo que as forças do Governo seriam vitoriosas”. No final, disse não reconhecer uma “guampa” e um “arreador” que lhes foram mostrados - “não reconhece, ignorando que sejam seus donos”.

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