segunda-feira, 17 de novembro de 2008

José Fabrício das Neves (12)

Antônio Martins Fabrício das Neves (Irani, 7.9.2007). Foto: Marco Cezar.


Paulo Pinheiro Machado entrevista Antônio Martins Fabrício das Neves (Iraní-SC), dia 11 de fevereiro de 1998. Na época estava com 75 anos de idade (nasceu em 1922). O músico e folclorista Vicente Telles acompanhou a conversa.


Antônio Martins Fabrício das Neves – “Eu era curioso e, em 1934, pro povo daqui tudo ainda estava quente, pro sentimento que eles tinham com tudo o que aconteceu, eles custaram muito a esquecer. Em 1934 eu já compreendia alguma coisa na escola, aquelas escolas que eram pagas pelos próprios pais, então eu gostava de escutar as conversas das pessoas mais antigas e fiz um caderninho de anotações, fui juntando todas as histórias porque eu sabia que a maioria deles não sabia nem escrever nada e eu queria guardar aquelas histórias. Esse professor que nós tivemos veio do Rio Grande, era um parente que eles mandavam buscar pra ensinar as crianças daqui. Aqui (no Iraní) não tinha outras famílias a não ser os Soares, os Fabrício e os Beirão. Do Rio Grande só veio esta gente. Eles vieram em mais ou menos umas dez famílias, em 1896, na época da guerra dos pica-paus (Revolução Federalista). A razão deles virem para cá foi a guerra, porque meu avô materno se chamava Salvador Inácio Cardoso e ele era coronel de fazenda, na guerra de 93, eles venceram a guerra, mas ai por 95 ou 96 o monge João Maria andou lá pelo Rio Grande e disse pro meu avô : Olha Cardoso, é melhor pegar tua família e ir pra outra região porque estes que perderam a guerra querem se vingar de vocês! Vieram dez famílias e seus agregados. O Monge deu a indicação bem certa, disse ao Cardoso que era para pegar a sua gente e ir para o Sertão de Palmas, que era como se chamava toda essa região que fica entre os rios Uruguai e Iguaçú. O monge ajudou a colonizar essa região, ele disse pro Cardoso: O que vocês tem aqui, tem lá! Hoje nós estamos numa fase em que o povo já não está mais pertencendo a essas coisas. Hoje com a ganância, e o orgulho, as pessoas já não dão valor às coisas que tem o seu valor. Porque o povo de Santa Catarina deve a vida pra esses homens."


(Neste momento ele fala de uma série de dificuldades que ele, Antônio Fabrício, e o folclorista Vicente Telles, enfrentaram no Município para convencer as autoridades locais da importância da comemoração da data da batalha do Iraní como feriado municipal e, até, estadual).


Paulo Pinheiro Machado – O pessoal que veio de Taquaruçú acompanhando o monge até aqui, o que foi feito deles após a batalha ?

AMFN – Não voltaram pra Taquaruçú nem ficaram aqui, procuraram esconderijo. Hoje o lugar se chama Eugênio Veiga, onde estão construindo uma barragem, naquela época eles chamavam de Volta Fechada, que é onde o rio Uruguai faz uma curva. Eu estive lá quando era pequeno, fui no colo a cavalo com a minha mãe porque o meu pai ficou um tempo escondido lá. Todo mundo daqui foi pra lá, só ficaram aqui as mulheres, crianças e os agregados e peões de fazenda, aqueles caboclos, homens de confiança, que eles traziam do Rio Grande. A turma que foi pra Volta Fechada ficou por lá uns 4 ou 5 anos. Eles sofreram muito porque naquela região só tinha mato e bichos, diziam que esse sertão parecia até azul, de tanto mato que tinha. A Vila do Iraní ficou guarnecida por muitos anos por uma tropa vinda de Curitiba. Eu me lembro até hoje dos toques de corneta, muitos anos depois, eles se retiravam um pouco mas depois voltavam.

Vicente Telles – Isto começou com a coluna comandada pelo Coronel Pyrrho, que, depois do combate do Iraní, foi mandado pra cá com uma expedição punitiva e de reconhecimento. Eles não sabiam quem morava por aqui, não conheciam nada da região. Eles queriam saber se tinha alguma coisa armada por trás daquele combate. Mas isto aconteceu entre 1912 e 1913, não era ainda a "operação limpeza" que aconteceu anos mais tarde.


PPM – Teve gente daqui que foi pra Taquaruçú ?

AMFN – Sim, teve gente que foi. O pessoal antigo falava muito disso, muitos foram e sofreram por lá.


PPM – E José Maria, ele era do Paraná ?

Antônio Fabrício : Dizem que parece que ele era uma praça aposentado da polícia de Curitiba, mas isto ninguém sabe ao certo. O certo mesmo é que era um homem com muita instrução, muito entendido.


PPM – Ele fazia curas ?

AMFN – Ele ensinava, mas ele nunca se propôs a ser um curador como diziam. Dizem até que o combate aconteceu porque ele construiu um santuário por aqui, uma bobeira, isso não é verdade. O combate se deu por causa da disputa do terreno daqui, que era Paraná. O velho Fabrício, quando chegou aqui, queria montar uma colônia com sua gente, com auxilio do monge. Esse pessoal chegou em paz aqui, não sei o que o que as autoridades de Curitiba pensaram pra mandar a força bater aqui: (versos da autoria de Antônio Fabrício, ele escreveu "conforme contavam os antigos").


João Gualberto está chegando

E assim foi procurado

O Monge mandou uma carta

Escrita bem declarado

Não precisamo brigá

Porque não somo intrigado

Não vamo fazê ajuste

Nem matar quem não é culpado


Coronel deu um sorriso

Com o olhar entusiasmado (para aquele que foi levar a carta do monge)

E não aceito esta carta

E muito menos o recado

Porque já trouxe as cordas

E vou levar tudo a laço

(Ele afirma que as cadernetas que possuem os versos completos sobre o combate no Iraní estão com o senhor Rubem Lang, que mora no Rio Grande, que levou emprestado.)


Daí houve a conversa entre o Monge e Fabrício :


O monge ficou pensando

E disse ao Fabrício

Emocionado e indeciso :

Nós não queria brigá

Mas brigamo se for preciso


PPM – Quando chegou o monge José Maria vindo de Taquaruçú para cá, as famílias daqui o receberam bem ?

AMFN – Receberam muito bem, porque era gente da mesma tradição.

VT – Alguns livros dizem que José Maria tinha amigos por aqui, será que tinha mesmo?

AMFN – Tinha, acho que ele conhecia daqui o Major Fragoso, Major de Fazenda (da Guarda Nacional) que era chamado por aqui de Coronel Fragoso. O Coronel Fragoso era um antigo federalista gaúcho que veio pra cá por 1896 ou 97. Depois do combate do Iraní a polícia ficou muito tempo procurando ele. Tinha também um tal de Teobaldo Madeira, que também era amigo do monge e tinha inclusive uma foto dele junto ao Fabrício. Certamente ele (o monge) quando veio aqui para esse sertão tinha alguém conhecido, poderia ter ficado em Catanduvas, Joaçaba, mas aqui era mais abrigado. Ele naturalmente se dava muito bem com o Fabrício. Dizia o Fabrício que o ideal do monge era formar uma colonização, com famílias, neste terreno daqui, não é como diziam que ia ser um reduto de jagunços e bandidos.

VT – E as pessoas que vieram com o José Maria de Taquaruçú, eram muitas ?

AMFN - Não vieram muitos. Eram poucos como eles falavam, mas eles já tinham conhecimento com essa gente daqui, eles já tinham uma relação com a gente daqui. Eles tinham amigos em que podiam depositar confiança. Da gente de Taquaruçú que veio aqui foram muito poucos que participaram do combate.


PPM – A maior parte do pessoal que participou do combate era daqui ?

AMFN – Sem dúvida, era o povo do Irani. Era muita gente que vinha dos fundões da fronteira daqui, gente reunida pelo Fabrício.

VT - Dizem alguns historiadores que vieram 40 cavaleiros de Taquaruçú junto com o monge José Maria, não sei se chegou a esse número. Como na batalha se estima que eram mais de 200 atacantes (contra a força chefiada pelo Capitão João Gualberto), então realmente a maioria do pessoal era daqui.

AMFN – Sim, diziam eles que eram mais de 200. Daquela região que hoje é Concórdia, já tinha bastante morador naquela época, veio essa gente de lá pro combate daqui, gente liderada por aquele Coronel Fragoso e pelo Fabrício.

VT – A grande maioria era de gente do Rio Grande, que tinha experiência de guerra, era gente de briga, bem treinada, muitos tinham participado da Revolução Federalista.

AMFN – Era gente com experiência em combate e prática de mato. Senão como eles iam vencer a batalha sem armas ? Eles souberam distribuir bem o pessoal na mata, esperaram o Gualberto avançar e só depois é que se mexeram.


PPM – O pessoal realmente achava que o José Maria ia ressuscitar ?

AMFN – Muitos acharam, mas aqueles homens mais antigos não acreditavam nessa história. Até eles diziam, nós temos que nos preparar para brigar. Naquela parte da minha escrita tem um pedaço que é assim, o Zé Maria fala ao Fabrício :


Fabrício vou te dizer

Que está escrito no relato

Tu não passa do meu sangue

Volta de novo pro mato

Que no sertão serás um tigre

E no campo serás um gato


Então era essa a mensagem, eles tinham que se preparar para se defender.


(A seguir Antônio Fabrício faz uma série de críticas à educação e à escola atuais, fazendo uma defesa dos antigos valores de justiça, caráter e inteligência, "as coisas puras estão no tempo passado ").


PPM – José Maria e seus devotos diziam que o mundo ia acabar, não?

AMFN – Não mesmo! O próprio monge dizia e perguntava se todo mundo sabia rezar Glória ao Pai. As pessoas só sabiam um pedacinho. Na verdade a reza completa terminava com ' pai e glória do filho e do espírito santo, por séculos e séculos sem fim, amém !',

VT – Quem profetizava o fim do mundo era o monge João Maria.

AMFN – Ele contava o que está acontecendo agora, esse João Maria. Lembro que eu já era meio grandinho, meu pai dizia que o João Maria leu o livro(?) e já tinha avisado de que no futuro iam acontecer umas mudanças que não seriam boas, muita gente de bem seria enganada e traída. As pessoas irão sofrer muito. As famílias tradicionalistas, que procuram educar seus filhos no caminho certo, que são contra a ganância, vão sofrer muito e ser exploradas. As coisas mudaram muito mesmo, e para pior, vi isto nesses meus mais de 70 anos de vida. Em todos os setores onde há mudança, é sempre pra pior. Aquele político que diz que vai mudar tudo, acho um perigo, porque na realidade ele só vai massacrar mais a pobreza, vai fazer sofrer os caboclos, esse pessoal mais humilde.


PPM - O pessoal que acompanhava o monge José Maria era chamado de fanático, o senhor concorda com isso ?

AMFN – Não. Isso aí é o que eles (os inimigos) queriam dizer para desacreditar o homem. Queriam dizer que ele estava mentindo. Que ele se dizia ser um santo, eu nunca ouvi dizer que alguma vez ele falou isso. Ele dava os pareceres dele, mas dentro de um ritmo de futuro, de respeito, de gente que queria crescer junto. Por isso é que essa gente de Curitiba veio aqui dizendo que era o tal fanatismo, que ele nunca pregou, nunca defendeu. Eram os de fora que chamavam de fanáticos, e principalmente os de fora que se interessaram por esse pedaço de terra. Que eles estavam se preparando para o que aconteceu hoje. Porque se não fosse esse combate deles ai, onde muitos entregaram a vida, nós não estaríamos aqui agora. Quem defendeu os catarinenses, quem defendeu o Estado de Santa Catarina, foram esses três homens (José Maria, Fabrício e Fragoso). Defender esta terra, este era o ideal deles. Como diz o verso :


Que terrível madrugada

Que terrível despedida

No espaço de uma hora

A questão foi decidida

E hoje só nos resta o nome

De quem por nós deu a vida


Foi isso que nos deixou Zé Maria, ele deu a vida por nós. Ele não procurava destruir, pelo contrário, queria construir, encaminhar, orientar aqueles que precisavam. Era um trabalho muito grande porque todo mundo precisava de uma orientação naquele tempo. As pessoas por ai, sem escola, no mato, então por isso que respeitavam muito ele, por isso que gostavam dele. (...)

Dizem que do combate aqui participaram 246 homens. Eles deixaram uma turma carneando as vacas, enquanto os outros foram pro combate. A nossa gente ainda foi lá no outro dia, pra fazer uns valos e enterrar a montoeira de soldados mortos.


Paulo Pinheiro Machado conversa com Sérgio Rubin (Canga). Florianópolis, 4.7.2007. Foto: Margaret Grando.

Um comentário:

  1. Vi uma peça de teatro sobre o contestado outro dia, e nela,o zé maria é representado como um cafageste, galanteador de mulheres ( no caso as virgens), um prepotente que manipulava todo um povo inocente, essa foi a mensagem passda ao público. Eu particularmente não acredito nisso, acho que, como sempre, a visão capitalista-conservadora-ideológica prevalece, rebaixando a caboclada e fazendo dos americanos, os coronéis exploradores, os políticos corruptos, os preconceituosos, atores de uma história normal e legítima.

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