terça-feira, 25 de novembro de 2008

Jose Fabrício das Neves (16)


Escultura em madeira do monge João Maria. Jaime Horth. Museu do Contestado (Irani-SC).



Com quanta aleivosia
se faz um José Maria (2)

Continuamos apresentando as visões de diversos autores sobre José Maria.


Alfredo de Oliveira Lemos
“Viva a Monarquia!”

Alfredo de Oliveira Lemos (Campos Novos-SC, 27.1.1884 – 11.6.1960), conheceu os monges João Maria (possivelmente Anastás Marcaf, o “segundo” monge) e José Maria (o “terceiro” monge). Durante o conflito de manteve ao lado da legalidade. Em 1954, redigiu suas memórias, confrontadas com informações de livros lidos ao longo dos anos, entregues a Maurício Vinhas de Queiroz. O trabalho foi editado em livro por sua sobrinha Zélia de Andrade Lemos (co-autora) sob o título “A história dos fanáticos em Santa Catarina e parte de minha vida naqueles tempos – 1913-1916 de Alfredo de Oliveira Lemos” (Passo Fundo: Edições Berthier, meados da década de 1980)


Por volta de 1912 “apareceu no sertão do Irani, em Palmas, um homem com as vestes de João Maria; usava terno de brim grosseiro, boné de couro de jaguatirica [...] e usava chinelos com meias grossas por cima da calça; dizendo ser irmão de João Maria, chamava-se José Maria de Agostinho”.

“Em Irani ele começou curando com erva e muito logo correu a fama por toda a parte. E muito breve, tinha o seu grupo regular com instrução para a guerra. Imediatamente chegou ao conhecimento da polícia de Palmas que foi obrigada a dispersar o grupo, tendo desaparecido dali, para reaparecer em Campos Novos, na fazenda do Cel. Francisco de Almeida, em uma invernada na casa do capataz”. (Almeida era coronel da Guarda Nacional e dono de fazendas em Campos Novos e Curitibanos-SC. Nota Lemos)

“Aí começou, dando receita a todos que o procuravam. Logo chegou a notícia em Curitibanos onde eu morava”, e Lemos ao até a fazenda do coronel Almeida, onde encontrou cerca de 20 pessoas: Eusébio Ferreira, Manoel Alves de Assunção Rocha, Francisco Paes de Farias (Chico Ventura), Davi Pacheco (David da Rosa), Joaquim Ferreiro (Manco) e “muitos outros”.
Lemos estava caminho do Paraná e tentou conversar com José Maria para obter algumas “receitas”.
- Onde você mora, perguntou o monge.
- Curitibanos!
- Pra lá eu vou, então lá eu darei as receitas.
- Estou até o Paraná e vou me demorar...
- ...tenho certeza de que nos encontraremos!
José Maria pediu licença, tinha que preparar umas receitas, estava apurado e seguiria para Taquaruçu no dia seguinte. Ao sair, deu um tapa nas costas de Lemos.
- Deus te acompanhe, disse.

“Eu fui conversar com o Cel. Almeida, que era muito agradável, era um desses antigos monarquistas que esperava um dia a restauração da monarquia e disse-me: ‘tudo chegará a seu tempo; o seu José Maria vai começar’. [...] No dia seguinte [...] José Maria apareceu; depois de ter cumprimentado todos, tirou do bolso um canivete pequeno que tinha no cabo uma vista (figura, de vidro de aumento) onde se via o Menino Deus. Apresentou ao Coronel que olhou várias vezes contra o sol e disse: ‘é a Providencia’, repetindo várias vezes. Todos olharam por muito tempo.

Na hora do churrasco, José Maria passava pelo meio do pessoal falando com um e com outro; de repente passou perto uma moça que era criada de David da Rosa, porque este não tinha filhos. Quando o monge viu a moça, olhou bem e disse: ‘oh! Que morena bonita’. David disse a ele: ´’é bonita, mas não tem pro teu bico’. Neste momento, David carregou a tropa e foi-se embora, nunca mais quis saber do monge. Chico Ventura era seu cunhado, pelo contrário, carregou a tropa e acompanhou o monge até o Taquaruçu; era de fato um dos mais fanáticos”.
(Ventura tinha uma casa na vila de Curitibanos e um sítios nas imediações. “Aí estão os fundados ou ‘crentes’, que abandonaram tudo o que possuíam, para dedicar-se à guerra”. Nota Lemos, p. 17)

Lemos viajou ao Paraná enquanto José Maria se deslocava até Taquaruçu. Observou o monge se distanciando, “montado em um cavalo muito bonito e bem treinado”. Quando retornou a viagem, Lemos ficou sabendo em Curitibanos que “ao chegar em Taquaruçu, em uma campina aonde se avista” a casa de Praxedes Gomes Damasceno, “José Maria fez parar o pessoal, e tirando do cinto uma espada com uma coroa do Império que ele trazia, mandou todo formarem, e fazendo o cavalo empinar, ficando em dois pés, gritou: ‘Viva a Monarquia’! por diversas vezes, e acompanhado de todos”.

Segundo o autor citado, o coronel Francisco Ferreira de Albuquerque “era o chefe, como prefeito”, tendo enviado “embaixadores para dispersa-los”. Sem obter êxito, “mandou ameaça-los com a polícia”. Foi quando José Maria teria aceitado se retirar, dizendo aos seguidores que “fossem para suas casas, que ele ia começar a guerra de São Sebastião, mas que contava com o seu povo; e chamando seus maiores adeptos, Manoel Alves de Assunção Rocha, Francisco Paes e Farias, Eusébio Ferreira, disse: ‘Eu vou começar a guerra de São Sebastião, em Irani com meus homens que lá me esperam; mas olhe Eusébio, marque bem o dia de hoje, no primeiro combate, sei que morro, mas no dia em que completar um ano, me esperem aqui em Taquaruçu, que eu venho com o grande exército de São Sebastião”. (LEMOS, p. 16-18)

Fonte: LEMOS, Alfredo de Oliveira. "A história dos fanáticos em Santa Catarina". Passo Fundo-RS: Edição Berthier, c. 1986.


Peça em gesso representando São João Maria. Autoria desconhecida. Adquirida em Porto União (SC). Acervo CM.


Oswaldo Rodrigues Cabral
“Amigo da popularidade”


O autor o considera um impostor que se fazia passar por irmão de João Maria de Agostinho. “Não era, entretanto, este impostor, um desconhecido. A sua identidade era perfeitamente conhecida alhures, menos, está visto, nos sertões onde se refugiara e dos sertanejos que já santificavam a memória de João Maria”. (p. 178)

Cabral diz que apareceu por volta de 1911, na localidade de Faxinal dos Padilhas (Campos Novos).

Se chamava Miguel Lucena de Boaventura, ex-soldado do Exército ou da força pública, desertor.

“[...] não possuía ele a mesma constituição mística dos monges que o antecederam. Era menos rigoroso nos seus hábitos, não apreciava o isolamento, não se recolhia para colocar-se em contato com o Cristo, não se mortificava nem fazia penitências. A frugalidade, a continência, a caridade, que nos outros foram virtudes patentes, não eram o seu forte. Conta-se mesmo que, da sua fama, que logo adquiriu, procurara tirar lucro e que das suas crentes, quando eram bonitas, fazia suas companheiras [...]”. (p. 180)

“[...] ao contrário dos outros, era amigo da popularidade e gostava dos ajuntamentos [...]”. (p. 180)

Fonte: CABRAL, Oswaldo Rodrigues. "A Campanha do Contestado". Florianópolis: Editora Lunardelli, 1979.

Peça também em gesso representando São João Maria. Autoria desconhecida. Adquirida em Porto União (SC). Acervo CM.



Maurício Vinhas de Queiroz
“Considerava-o sua gente”

(Transcrição)

“As matas e os faxinais do Irani foram ocupados, desde fins do século passado, por uma população que migrou do Rio Grande. Segundo a tradição oral, quando João Maria andava pelo interior gaúcho, passou pelas Serras do Carreiro, onde havia muita gente pobre que vivia ‘muito apertada’. O monge aconselhou aquele povo a mudar-se para o Irani, onde poder-se-ia então desfrutar de largueza e as terras pertenciam ao Estado: ‘eram de fato terras prometidas’ (documento Lemos).

Já os campos do Irani tinham sido tomados, desde aquela mesma época, pelo coronel Juca Pimpão, tido como um dos homens mais ricos do município, e que os utilizava para criar gado à solta. Graças a seus amigos e à sua força política, pode o coronel registrar como de sua propriedade, nos cartórios do Paraná, não apenas os campos, mas todas aquelas terras entre os rios Xapecozinho, Jacutinga e Uruguai, constituindo assim a Fazendas do Irani.

Este verdadeiro feudo, dentro de cujos limites ideais continuavam pois vivendo os posseiros, foi vendido pelo coronel, ainda no século passado, à Companhia Frigorífica Pastoril Brasileira, empresa que no momento se lançava com audaciosos planos de criação racional do gado e industrialização em larga escala de produtos agropecuários.

Tais planos nunca foram completamente executados, porém a firma, só no município de Palmas, adquiriu também a Fazenda Santa Bárbara (‘uma enormidade de terras: 32 léguas quadradas’), e não apenas arrendava pastos, como empregava numeroso pessoal para cuidar da pecuária e fazer charqueada. Otávio Marcondes de Albuquerque era o gerente da Companhia Frigorífica.

Tinha sido agregado de Jango Pimpão, irmão do coronel Juca, mas casara-se com uma filha-criada dele (que não possuía filhos legítimos), e ele o protegia muito: ‘diz que só de uma vez lhe deu 1.500 contos’ (depoimento Antônio Mariano).

Como gerente da Companhia, Otávio já havia entrado em conflito com os posseiros. Assim se refere às ocorrências uma testemunha hostil a estes últimos: ‘É sabido que, desde alguns anos, aventureiros e foragidos vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e idos daqui do Paraná, se iam localizando ao sul da Fazenda do Irani ali construindo cabanas e plantações, formando um núcleo perigoso pela arrogância com que se apossavam de terras que não lhes pertenciam, apesar dos protestos da proprietária daquela fazenda, que era então a Companhia Frigorífica (Domingos do Nascimento in jornal DT 49 24-10-1912).’

Por volta de 1910, a fazenda passou novamente de mãos. Foi comprada por um tal comendador Santos, que é descrito como “capitalista no Rio de Janeiro (jornal R 23-10-1912). Contudo, Otávio Marcondes permanece como gerente e a questão com os posseiros continuava na mesma.
Ao sul desta vasta propriedade é que se localizava o Faxinal do Irani, onde se erguia o arraial que servia de núcleo a população dos posseiros-agricultores, entre os quais ocupava a posição de destaque a família-extensa dos Fabrício das Neves. Perto dali, junto ao rio Jacutinga e sobre a fronteira do Rio Grande, encontrava-se largo trato ocupado por Miguel Fragoso e seu pessoal desde os tempos que se seguiram ao fracasso do Movimento Federalista.

José Maria há muito conhecia o povo do Irani. Considerava-o sua gente. Não é de estranhar que, perseguido em território sob jurisdição catarinense, tenha surgido, em princípios de novembro de 1912, no chamado Faxinal dos Fabrícios. Desde Santa Catarina, acompanhavam-no quarenta homens armados. Hospedou-se primeiro, em casa de Thomaz Fabrício das Neves.

Atraídas pela sua fama de curandeiro, numerosas pessoas foram fazer-lhe consultas e muitas se deixaram ficar pelos arreadores assistindo e acompanhando os seus terços, aos quais havia quem chamasse missas. A todos que o quisessem ouvir, o monge não escondia ter vindo perseguido sobretudo por parte do coronel Francisco de Albuquerque, a quem acusava de haver levantado calúnias contra ele, atribuindo-lhe ‘intuitos de restauração monárquica’ (Domingos do Nascimento Sobrinho in processo JF). Poucos dias depois, mudou-se para a casa de Miguel Fabrício, onde afirmava e reafirmava à pequena multidão ‘que nada tinha com o Paraná, mas que se fosse atacado brigaria’ (idem).

A 15 de novembro, José Maria foi procurado por dois curiosos: José Júlio Farrapo, um dos arrendatários da Fazenda do Irani, e João varela, pequeno fazendeiro das redondezas. Ambos tinham ido verificar o que haveria de verdade sobre o monge, a respeito do qual circulavam boatos sem conta. Encontraram-no ‘alterado’ por não ignorar que forças do Paraná já estavam em marcha para atacá-lo. Conhecem-se os termos dessa entrevista.

Assim se expressou José Maria: ‘Se aqui vem força me bater, eu brigo e dou prejuízo; é o dia que estou mais incomodado desde que cheguei aqui, é hoje; e apesar de não ter questão com o Paraná, nem com o governo, nem com Estado nenhum; não vim aqui com o intuito de brigar; fui perseguido em Curitibanos pelo Senhor Albuquerque, e por isso passei pra cá porque sou conhecido desse povo, e esta gente )disse referindo-se aos que chegaram de Santa Catarina) me acompanhou de medo do Sr. Albuquerque, que a persegue para matar; e cheguei aqui e o Paraná está me aperseguindo, e se for atacado, brigo, mas não ataco ninguém; se varar em qualquer parte e ver uma força do Governo eu passo quietinho com a minha gente” (documento Adolphito).

Os dois homens procuraram dissuadi-lo, mas José Maria se manteve firme e convenceu-os a irem ao encontro da tropa a fim de conferenciar com o comandante e conseguir um acordo. Além dos fiéis seguidores que trouxera de Santa Catarina, José Maria tinha o apoio e a simpatia dos posseiros do Irani. Talvez ainda o socorresse Miguel Fragoso, o antigo chefe maragato, que era capaz de levantar a qualquer momento 100 homens em armas. Assim, o monge poderia dispor, para a defesa de sua pessoa e de sua causa, de duzentos a trezentos caboclos mal armados.” (QUEIROZ, p. 91-93)


Fonte: QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social (A Guerra Sertaneja do Contestado: 1012-1916). 3º ed. São Paulo: Editora Ática, 1981.
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Na próxima postagem serão detalhados os argumentos de Euclides Felippe e de Pedro e Eliane Felisbino em defesa de José Maria.


Sugestão de leitura na rede
Relevância e atualidade do Contestado na historiografia nacional. Reavaliando um velho livro de Duglas Teixeira Monteiro. Vicente Dobroruka, Professor de História Antiga da Universidade de Brasília (UNB).

http://www.pej-unb.org/downloads/art_duglas.pdf



2 comentários:

  1. Oi! Só hoje fiquei sabendo que tens um blog. Fui fazer uma visita para o Damião e encontrei teu link. Vou acrescentar na lista do meu blog.
    Quando for publicar alguma coisa sobre os Margarida, me avisa, tá?
    Ah! E parabéns pela passagem do aniversário (23/11).
    Bjs!!

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  2. É tão difícil de traçar um personagem no contestado pois são tantos Fabrício das Neves que não se dá para saber de quem os documentos estão falando. Se é do coronel de Poço Preto ou de quaisquer outros tantos

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